24 de out. de 2010

Três virtudes morais: piedade, justiça e sobriedade.

Embora as três virtudes teologais fé, esperança e caridade incluam todas as regras para viver bem e, portanto, morrer bem; o Espírito Santo, autor de todos os livros da Sagrada Escritura, para melhor compreensão da necessária arte de viver corretamente, acrescentou piedade, justiça e piedade, das quais fala o apóstolo Paulo na Epístola a Tito: Manifestou-se, com efeito, a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens. Veio para nos ensinar a renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a viver neste mundo com toda sobriedade, justiça e piedade, na expectativa da nossa esperança feliz, a aparição gloriosa de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo (Tt 2, 11-13).

Este, portanto, é o sexto conselho para viver e morrer corretamente: que negando a impiedade e os desejos do mundo, nós vivamos sóbria, justa e piedosamente neste mundo. Aqui um resumo para toda lei divina, reduzida a uma curta sentença: Aparta-te do mal e faze o bem, para que permaneças para sempre (Sl 36, 27). No mal há duas coisas; a distância de Deus e proximidade com as criaturas, de acordo com o profeta Jeremias: Porque meu povo cometeu uma dupla perversidade: abandonou-me, a mim, fonte de água viva, para cavar cisternas, cisternas fendidas que não retêm a água (Jr 2, 13). O que o homem deve fazer para afastar-se do mal? Ele deve negar a impiedade e os desejos carnais. A impiedade nos afasta de Deus e os desejos carnais nos tornam meras criaturas do mundo. Para fazer o bem, nós devemos cumprir a lei e viver sóbria, justa e piedosamente. Sóbrios em relação a nós, justos em relação ao próximo, piedosamente em relação a Deus.

Mas nós entraremos um pouco mais em detalhes, com o objetivo de facilitar a prática deste salutar conselho. O que é, então, a impiedade? O contrário da piedade. O que é a piedade? A virtude ou dom do Espírito Santo, pelo qual reconhecemos o Senhor, adoramos a Deus e o veneramos como nosso Pai. O Espírito Santo nos ajuda a compreendermos que se desejarmos agradar a Deus, devemos cari de amores por ele piedosamente a ponto de não admitir impiedade. Pois há muitos cristãos que parecem ser piedosos rezando a Deus, participando do adorável sacrifício, ouvindo sermões e catequeses, mas, ao mesmo tempo, blasfemam contra Deus, juram em falso ou quebram seus votos. E o que mais é isto senão fingir ser piedoso, mas ao mesmo tempo ser impiedoso?

É proveitoso para aqueles que desejam viver corretamente, adorar a Deus e negar toda impiedade. Sim, qualquer sombra de impiedade. Pois será de pouco lucro ouvir a missa diária se também blasfemar contra Deus ou jurar por seu santo nome, Temos que cuidadosamente alertar que o apóstolo não diz apenas para evitar a impiedade, mas toda impiedade, ou seja, qualquer tipo de impiedade, nào apenas as mais graves, mas também as leves. E isto é dito contra quem não hesita jurar sem necessidade; quem em lugares sagrados olha para mulheres de modo inconveniente, para não dizer lascivo; quem conversa durante a missa; e comete outras ofensas; como se não acreditasse que Deus está presente e observasse até mesmo os mais leves pecados. Nosso Deus é um Deus ciumento: Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto. Eu sou o Senhor, teu Deus, um Deus zeloso que vingo a iniqüidade dos pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (Ex 20, 5-6).

Isto o próprio filho de Deus nos ensinou com seu exemplo. Embora manso e humilde de coração, “ultrajado, não retribuía com idêntico ultraje; ele, maltratado, não proferia ameaças” (1Pe 2,23), mas quando “encontrou no templo os negociantes de bois, ovelhas e pombas, e mesas dos trocadores de moedas”, com grande zelo, “fez ele um chicote de cordas, expulsou todos do templo, como também as ovelhas e os bois, espalhou pelo chão o dinheiro dos trocadores e derrubou as mesas. Disse aos que vendiam as pombas: Tirai isto daqui e não façais da casa de meu Pai uma casa de negociantes”(Jo 2, 14-16). E isto ele fez duas vezes no primeiro ano de sua pregação, e novamente no último ano de seu ministério, de acordo com o testemunho dos três evangelistas.

Vamos proceder agora para a segunda virtude, que direciona nossas ações ao próximo. Esta é a virtude da justiça, da qual o apóstolo fala que negando os desejos do mundo, vivemos justamente. Aqui, no dito “afastai-vos do mal, fazei o bem” é incluída; pois não é possível alcançar a verdadeira justiça para com o próximo quando os desejos carnais prevalecem. Os desejos carnais significam “a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida”(1Jo 2, 16). Estas não são de Deus, mas do mundo. Assim como a justiça não pode ser injusta, os desejos carnais não podem, de nenhuma maneira, estarem unidos a verdadeira justiça. Uma criança deste mundo pode, de fato, afetar a justiça em suas palavras, mas não pode realizá-la em obras e verdade. O apóstolo diz que não apenas devemos viver justamente, mas ele explicou que devemos negar os desejos carnais, temos que compreender que o veneno da concupiscência deve primeiro ser extirpado antes que a boa árvore da justiça possa ser plantada em nosso coração. Ninguém pode questionar o que significa viver justamente, pois todos nós sabemos que a justiça nos leva a dar a cada um o respeito devido, como diz o apóstolo: Pagai a cada um o que lhe compete: o imposto, a quem deveis o imposto; o tributo, a quem deveis o tributo; o temor e o respeito, a quem deveis o temor e o respeito (Rm 13, 7). Para o comerciante, devemos o preço acordado; para o trabalhor, seu salário; e assim em todas atividades. E com muito maior razão aqueles a que esta atribuída a administração dos bens públicos, devem agir com a máxima atenção, não deixando-se influenciar por pessoas, sejam parentes ou amigos próximos. Se, então, nós desejamos aprender a arte de morrer justamente, ouçamos o que diz o homem sábio clamando: "amai a justiça, vós que sois juízes na terra". Escutemos São Tiago em sua epístola: Eis que o salário, que defraudastes aos trabalhadores que ceifavam os vossos campos, clama, e seus gritos de ceifadores chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos (Tg 5,4).

Agora falemos da terceira virtude, chamada sobriedade, para a qual os desejos carnais não são menos contrários que para a justiça. E aqui não entendemos a sobridade apenas como a virtude contrária a bebedeira, mas como a virtude da temperança ou moderação, que faz um homem regular os desejos de seu corpo de acordo com a razão, não de acordo com suas paixões. Atualmente esta virtude é raramente encontrada entre os homens; os desejos carnais parecem parecem ter se apoderado dos ricos deste mundo. Mas aqueles que são sábios não seguem o exemplo dos tolos, embora estes sejam quase inumeráveis, devemos seguir somente o exemplo dos sábios. Salomão, que era certamente o mais sábio dos homens, pediu a Deus: Eu te peço duas coisas, não mas negues antes de minha morte: afasta de mim falsidade e mentira, não me dês nem pobreza nem riqueza, concede-me o pão que me é necessário, para que, saciado, eu não te renegue (Pv 30, 7-9a). E o sábio apóstolo Paulo diz: Porque nada trouxemos ao mundo, como tampouco nada poderemos levar. Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isto. (1 Tm 6,7-8).

Estas são palavras muito sábias, pois por que cuidarmos de acumular riquezas, quando não podemos carregá-las conosco para o lugar que a morte nos conduzir. Cristo, nosso Senhor era mais sábio que Salomão e Paulo, pois ele era a Sabedoria propriamente dita, também disse: Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus! (Mt 5, 3) e de si mesmo: As raposas têm covas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça (Lc 9, 5).Quanto mais devem ser verdadeiras estas palavras que sai boca destes três sábios homens? E, se a isto acrescentarmos que nossas desnecessárias riquezas não são nossas, mas pertencem aos pobres, como é a opinião dos santos padres, não são os homens estúpidos que cuidadosamente cuidam das coisas da terra que irão ser condenados ao inferno?

E se, então, queremos aprender a arte de viver e morrer corretamente, não sigamos a multidão que acredita e valoriza o que vê, mas sigamos a Jesus Cristo e aos apóstolos, que pela palavra e exemplo nos ensinaram que as coisas presentes devem ser desprezadas e a glória do grande Deus e Salvador Jesus Cristo deve ser desejada a esperada. E, verdadeiramente, tão grande é esta glória, que esperamos pelo retorno de nosso Senhor Jesus Cristo, que todas as glórias passadas, riquezas e alegrias deste mundo, serão consideradas como nada, e aqueles chamados tolos e infelizes, que confiaram em assuntos tão importantes em palavras sábias, serão salvos.

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, capítulo VI, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...