27 de fev. de 2011

Confissões, de São Patrício - parte I

São Patrício (386-461) foi um missionário cristão, é um dos santos padroeiros da Irlanda, juntamente com Santa Brígida de Kildare e São Columba. Quando tinha dezesseis anos foi capturado e vendido como escravo para a Irlanda, de onde escapou e retornou à casa de sua família seis anos mais tarde. Iniciou então sua vida religiosa e retornou para a ilha de onde tinha fugido para pregar o Evangelho. Converteu centenas de pessoas, muitas delas se tornaram monges. Para explicar como a Santíssima Trindade era três e um ao mesmo tempo utilizava o trevo de três folhas e por isso o mesmo tem papel importante na cultura Irlandesa. É bastane cultuado na Irlanda e Estados Unidos. A catedral de Nova Iorque leva seu nome. Tem-se conhecimento de duas cartas escritas por ele. A primeira, que agora publico, chama-se Confissões, e é como uma auto-biografia.



Eu, Patrício, um pecador, o mais rústico e o menor entre todos os fiéis, profundamente desprezível para muitos, tive por pai o diácono Calpurnius, filho do falecido Potitus, um presbítero que foi morador de um vilarejo chamado Bannavem Taberniae I. Ele tinha uma pequena casa de campo bem próxima, onde eu fui capturado. Naquela época eu tinha cerca de dezesseis anos de idade. Eu ignorava o verdadeiro Deus e junto com milhares de pessoas fui capturado e conduzido ao cativeiro na Irlanda segundo o nosso merecimento, por afastarmos-nos bastante de Deus, não guardamos os seus preceitos, nem sermos obedientes aos nossos sacerdotes, que nos exortavam a respeito da nossa salvação. E o Senhor lançou sobre nós a violência de sua cólera e nos dispersou entre vários povos até os confins da terra, onde agora na minha pequenez, me encontro entre estrangeiros.

E lá o Senhor abriu o entendimento do meu coração de incredulidade, afim de que, mesmo muito tarde, me recordasse dos meus pecados e me convertesse de todo coração ao Senhor meu Deus, que considerou a minha insignificância e teve misericórdia da minha mocidade e ignorância. Ele me protegeu antes que eu o conhecesse e antes que eu soubesse distinguir entre o bem e o mal e me fortificou e consolou como um pai faz ao filho.

Por esta razão não posso me calar, nem seria isto apropriado, diante de tantas dádivas e graças que o Senhor dignou-se a me conceder na terra do meu cativeiro; porquanto esta é nossa maneira de retribuir, afim de que depois da correção de Deus e de reconhecê-lo, exaltar e confessar suas maravilhas diante de todas as nações que estão debaixo do céu.

Porque não há outro Deus, nunca houve antes, nem haverá no futuro, além de Deus Pai não gerado, sem princípio, do qual procede todo o princípio, quem tudo possui, bem como tem nos sido dito; e seu filho Jesus Cristo, que assim como o pai evidentemente sempre existiu, antes do começo dos tempos em espírito com o pai, inefável, criado antes da origem do mundo, e por ele mesmo foram criadas todas as coisas visíveis e invisíveis. Ele foi feito homem, venceu a morte e foi recebido no céu junto do pai, e foi-lhe dado todo poder absoluto sobre todo nome no céu, na terra e no inferno para que assim toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor e Deus, em quem nós cremos e esperamos o advento de sua iminente volta, como juiz dos vivos e dos mortos. Este que dará para cada um segundo os seus feitos, e derramou em nós abundantemente o seu Espírito Santo, o dom e a garantia da imortalidade, que tornou os crentes e obedientes em filhos de Deus e co-herdeiros de Cristo: àquele que confessamos e adoramos, O único Deus na trindade do seu santo nome.

Pois ele mesmo disse por intermédio do profeta: “Invoque-me no dia das suas tribulações e eu te libertarei e tu me glorificarás” e novamente disse: “É honroso revelar e confessar as obras de Deus”. Eu não ignoro o testemunho do meu Senhor, que no Salmo diz: “Tu destróis os que proferem mentira”; e novamente disse: A boca mentirosa traz a morte para a alma . E igualmente o Senhor disse no evangelho: No dia do Juízo os homens prestarão contas de cada palavra vã que disseram.

Por esta razão tenho pensado em escrever, mas até agora tenho hesitado; na verdade temi me expor na língua dos homens, porque não me instrui da mesma maneira que os outros, que têm assimilado bem tanto a lei como as Sagradas Escrituras e nunca mudaram o idioma desde a infância, mas ao contrário, sempre o tem aperfeiçoado. Enquanto a nossa linguagem e idioma foram traduzidos para uma língua estrangeira, assim facilmente se pode provar a partir de uma amostra dos meus escritos a minha qualidade em retórica, a minha instrução e também erudição, porque, está escrito: “A sabedoria será reconhecida pelo modo de falar, no entendimento, e no conhecimento da doutrina da verdade”.

Mas porque me desculpar perto da verdade, especialmente com presunção, de modo que somente agora me aproximando da minha velhice posso obter o que não consegui na minha juventude? Porque meus pecados impediram-me de confirmar o que anteriormente tinha lido superficialmente. Mas quem acreditará em mim ainda que repita o que disse antes?

Um jovenzinho, talvez longe disso, quase um garoto imberbe, capturado antes que soubesse o que deveria buscar ou evitar. Então, consequentemente, hoje me envergonho e ardentemente temo expor minha ignorância, porque eu não sou eloqüente assim verdadeiramente, não consigo expressar como o espírito está ávido por fazer e tanto a alma quanto o entendimento se mostram dispostos.

Mas se esta graça fosse me dada como foi aos outros, em gratidão eu verdadeiramente não me calaria, e se por acaso me expus aos outros e me coloquei perante eles com minha ignorância e meu modo lento de falar, verdadeiramente está escrito: “As línguas balbuciantes com velocidade aprendam a falar da paz”. Quanto mais devemos atingi-lo, nós que somos como é dito: Uma carta de Cristo em saudação até os confins da terra...  Escrito em vossos corações não com tinta, mas com o Espírito Santo do Deus vivo. E outra vez mais: O Espírito testifica que até mesmo a vida dos rústicos (rusticidade) é criada pelo Altíssimo.

Por isso eu, o maior dos camponeses , fugitivo, evidentemente ignorante, alguém que não é capaz de prever o futuro, mas sabe com certeza que, em todo o caso, antes de ter sido humilhado, eu era como uma pedra que jazia no lodo profundo. E aquele que tem todo o poder veio a mim e em sua misericórdia me levantou bem alto, colocou-me no topo do muro; e de lá corajosamente devo exclamar em gratidão ao Senhor por tantos benefícios agora e por todo o sempre, benefícios tão grandes que a mente humana não pode estimar.

Dessa maneira, espantem-se grandes e pequenos que temem a Deus e vós, senhores, oradores eloqüentes, ouvi, pois e examinai cuidadosamente. Quem me chamou, eu, um estúpido, do meio daqueles que são vistos como sábios e peritos na lei, poderosos na palavra e em todas as coisas? Eu, verdadeiramente miserável neste mundo, sendo inspirado mais que os outros- contanto que- com temor e reverência e sem querela, fielmente pudesse me mostrar ao povo para quem o amor de Cristo me trouxe e deu-me em minha vida, se eu fosse digno, para servi-los verdadeiramente com humildade e sinceridade.

Assim, pois, na medida da minha fé na trindade, me convém reconhecer e sem noção do perigo, proclamar o dom de Deus e a sua consolação eterna, confiantemente e sem temor difunndir o nome de Deus por toda parte, afim de que mesmo depois da minha morte, eu deixe uma herança para os meus irmãos e filhos e a tantos milhares de homens que batizei no Senhor.

E eu não era digno, nem de tal natureza que o senhor concedesse ao seu pequeno servo, após provações e tantas penas, depois do cativeiro e após muitos anos, tantas graças me desse naquele povo; uma coisa que no tempo da minha juventude eu jamais esperei, nem mesmo imaginei.

Mas, depois que alcancei a Irlanda e que eu passei a apascentar o rebanho cotidianamente e orava várias vezes ao dia, mais e mais o amor de Deus e o meu temor e fé por ele cresceram e o meu espírito tocado de tal maneira, que em dia cheguei a contar mais de cem orações e de noite quantidade semelhante, e ainda ficava nas florestas e nas montanhas, acordava antes da luz do dia para orar na neve, no gelo e na chuva, e nenhum mal eu sentia e nenhuma preguiça estava em mim, como percebo agora, porque o espírito ardia dentro de mim.

E lá naturalmente uma noite no meu sono eu ouvi uma voz dizendo para mim: “Fazes bem em jejuar, pois brevemente partirás para a tua pátria” e novamente muito pouco tempo depois ouvi uma voz me dizendo: “Eis que teu navio está pronto” e não era em um lugar perto não, pelo contrário, estava a duzentas milhas de distância onde eu nunca havia estado e não havia ninguém conhecido. Então pouco tempo depois eu me coloquei em fuga e abandonei o homem com quem estivera seis anos e avancei na virtude de Deus, que dirigiu meu caminho para o bem e eu nada temi até que alcancei aquele navio.

E lá naturalmente uma noite no meu sono eu ouvi uma voz dizendo para mim: “Fazes bem em jejuar, pois brevemente partirás para a tua pátria” e novamente muito pouco tempo depois ouvi uma voz me dizendo: “Eis que teu navio está pronto” e não era em um lugar perto não, pelo contrário, estava a duzentas milhas de distância onde eu nunca havia estado e não havia ninguém conhecido. Então pouco tempo depois eu me coloquei em fuga e abandonei o homem com quem estivera seis anos e avancei na virtude de Deus, que dirigiu meu caminho para o bem e eu nada temi até que alcancei aquele navio.

E naquele mesmo dia o navio estava de partida, e eu disse que tinha condições de navegar com eles. O capitão se desagradou e rispidamente irado respondeu: “de modo algum tente ir conosco” tendo ouvido isto me separei deles para uma pequena cabana onde estava ficando, e no caminho comecei a orar e antes que terminasse a oração escutei um deles gritando bem alto depois de mim: “venha rapidamente, porque os homens estão te chamando” e imediatamente voltei pra junto deles, e começaram a me dizer: “venha, porque de boa fé recebemos-te, faça conosco amizade do modo que desejar” e naquele dia então me recusei a lhes sugar as mamas pelo temor de Deus, mas, entretanto esperava que eles viessem a ter fé em Jesus Cristo, porque eram gentios . Por isso continuei com eles e sem demora nos colocamos ao mar.

E depois de três dias alcançamos a terra e caminhamos vinte e oito dias através de uma região desértil até que a comida acabou e a fome nos alcançou. Um dia o capitão começou a me dizer: “Por que acontece isso Cristão? Tu dizes que teu Deus é grande e onipotente, porque razão você não pode orar por nós? Pois podemos morrer de fome; é provável que jamais vejamos outro ser humano”. Eu então lhes disse confiantemente: convertam-se pela fé de todo o coração ao Senhor Deus meu, pois nada é impossível para ele e hoje mesmo ele mandará alimento para vós em vosso caminho até que se fartem, pois em toda a parte ele traz abundância. E com a graça de Deus isto realmente aconteceu: eis que uma vara de porcos apareceu no caminho diante dos nossos olhos, e muitos dentre os porcos foram mortos. E neste lugar por duas noites permaneceram e fartaram-se daquelas carnes dos porcos e foram revigorados da fome, porque muitos deles desfaleciam e de outra forma teriam sido abandonados semimortos à beira do caminho. Depois disto renderam extremas graças a Deus e eu fui honrado aos seus olhos, e a partir daquele dia tiveram alimento abundantemente, descobriram mel silvestre e ofereceram parte a mim e um deles disse: é um sacrifício; Graças a Deus, deste nada provei.

Na mesma noite eu estava dormindo e Satanás violentamente tentou-me, da forma que eu me lembrarei enquanto neste corpo estiver, ele caiu sobre mim como um enorme rochedo e nenhum dos meus membros podia se mexer. Mas de onde me veio à idéia, ignorante espiritual que sou, de clamar por Elias? Neste meio tempo vi no céu o sol surgindo e durante o clamar “Elias, Elias, com toda a minha força” eis que o esplendor daquele sol caiu sobre mim imediatamente e me sacudiu livrando-me de todo o peso, creio que fui ajudado por Cristo, meu Senhor, e este espírito agora chamava por mim e espero que assim seja no dia da minha aflição, como diz no evangelho: Naquele dia, diz o Senhor, não sois vós que falais, mas o espírito de vosso pai que fala em vós.

E mais uma vez, anos mais tarde fui feito cativo pela segunda vez. Na primeira noite, eu permaneci com eles. Ouvi, então, uma voz divina me dizendo: “você permanecerá dois meses com eles” e assim aconteceu: na sexagésima noite o meu Senhor me libertou das mãos deles.

Além disso, Mesmo na viagem (Deus) nos proveu de alimento, fogo e tempo seco todos os dias, até que no décimo dia encontramos gente. Assim como sugeri mais acima, viajamos vinte e oito dias através de terras desabitadas e de fato na noite que encontramos gente nada tínhamos de alimento.

E depois de uns poucos anos eu estava de novo na Bretanha com meus pais, que me acolheram como um filho e rogaram-me intensamente que eu, após ter passado por tantas tribulações que nunca partisse para longe deles.

-- Das Cartas de São Patrício, (século V

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