31 de mar. de 2011

Explanação Catequética do Credo - artigos II e III: Creio em Jesus Cristo, o único Filho de Deus, nosso Senhor, concebido pelo Poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria

7. Oh cristãos, qual será então o destino de nossa miserável fé? Se assim como muitos anjos por um único pecado cometido foram retirados dos céus e jogados nas profundezas do inferno; se Adão e Eva, pelo pecado do orgulho, perderam a abençoada posse do Paraíso terrestre - que esperança podemos ter, nós que nos degradamos por muitos pecados, de todos os tipos, de nos libertarmos de nossas impurezas, de limparmo-nos de nossas sujeiras e ascendermos aos mais altos céus, preparado pelo Deus imortal para nossas almas imortais? Toda esperança estava perdida; a danação e ruína eternas da raça humana eram certas, sem nenhuma alternativa para escarparmos, quando São Miguel,  nosso fiel amigo, e os anjos como ele, permaneceram fiéis, obedientes e em posse deste prêmio pela sua constância, a mais agradável eterna alegria nos céus, todos juntos, compadecidos das calamidades que atingem a raça humana, em humilde súplica aos pés de Deus, desejando alcançar pelas suas preces o remédio para tão grandes males, que pelo pecado de Adão e Eva, espalharam-se como uma grande enchente por todos seus descendentes; assim os santos oram:

8. "Oh Deus dos deuses, mais misericordioso Senhor e Pai de todas as nações, agora que tem chegado a última hora, o dia mais esperado desde o início dos tempos está se aproximando, o dia que o Sagrado Senhor preparou e destinou para demonstrar sua misericórdia à humanidade perdida. Já vemos agora o amanhecer deste dia em que os portões do céu estarão novamente abertos para os filhos de Adão, restaurados pela graça de serem filhos adotados de Deus. Dos Santos Joaquim e Ana nasceu uma filha, Maria por nome, cujas virtudes e santidade ultrapassaram em excelência todas as criaturas menores que Deus. E esta mulher, é tão pura e nobre, de sangue virginal, nem parece ser obra do mesmo infinito e oniciente Deus que formou o corpo do velho homem, o corpo de Adão, à sua semelhança. E neste corpo virginal, formado da mais pura substância, o Todo Poderoso insuflou a mais bela alma, em íntima união, ultrapassando a santidade de todas almas criadas antes dela e que serão criadas no futuro. Neste tempo, Deus resolveu, em conselho da Santíssima Trindade, juntar sua Divina Pessoa com nossa natureza humana no seio da Virgem Maria, de tal modo que desta Virgem, a mais perfeita de todas criaturas, pudesse nascer Jesus Cristo, seu Filho e Salvador do universo. E assim, ó Deus, as Escrituras serão cumpridas, assim como as promessas feitas aos patriarcas e profetas serão plenamente realizadas, em favor daqueles que estão esperando pelo Salvador Jesus Cristo, nosso Senhor e Redentor."

9. Ao ouvir esta prece dos santos anjos, o mais alto, o soberano Senhor e Todo Poderoso Deus, tocado pela infinita compaixão pela nossa imensa miséria, mais claramente compreendida por Ele, enviou dos céus o arcanjo Gabriel para a cidade de Nazaré, onde a Virgem Maria residia. Este anjo, seguindo as ordens de Deus, disse a ela: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo. Encontraste graça diante de Deus, conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus (cf. Lc 1, 28-31). Ao ouvir estas palavras, Maria respondeu: Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1,38). No instante que a santa virgem deu sua palavra de consentimento ao que era proposto por Deus através do arcanjo, Deus formou em seu ventre, do seu puro sangue, um corpo humano, ao qual Ele uniu, no mesmo instante, a alma de seu Filho. Então a segunda pessoa da Santíssima Trindade se encarnou no ventre da Virgem Maria, somando sua perfeita alma a um perfeito corpo, ambos infinitamente santos.

10. Após, transcorridos nove meses desde o dia da incarnação do Filho de Deus, deu-se seu nascimento. Jesus Cristo, o Salvador da humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nasceu da Virgem Maria. Isto professou Santo André: Eu creio em Jesus Cristo, o único Filho de Deus, nosso Senhor,  e ao que São João acrescentou: que foi concebido pelo Poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria. Jesus, nosso Senhor e Salvador nasceu em Belém, próximo a Jerusalém. Foi lá que os anjos, a Virgem sua Mãe, São José, os Reis Magos vindos do este e muitos outros, adoraram ao Senhor Soberano.

 -- Explanação Catequética do Credo para os Habitantes das Ilhas Molucas, por São Francisco Xavier (século XVI)

29 de mar. de 2011

A Confissão da Fé é necessária?

Parece que a confissão da fé não é necessária à salvação.
1. — Pois, parece que basta para a salvação aquilo que o homem alcança pela virtude. Ora, é o fim próprio da fé a união da mente humana com a verdade divina, o que se pode dar mesmo sem a confissão exterior. Logo, a confissão da fé não é necessária à salvação.
2. Demais. — Pela confissão exterior o homem manifesta a sua fé aos outros. Ora, isto só é necessário aos que devem instruí-los na fé. Logo, os simples não são obrigados à confissão da fé.
3. Demais. — O que pode contribuir para escândalo e turbação dos outros não é necessário à salvação. Pois, diz o Apóstolo (1 Cor 10, 32): Portai-vos sem dar escândalo nem aos judeus, nem aos gentios, nem à Igreja de Deus. Ora, a confissão da fé provoca às vezes perturbações nos infiéis. Logo, a confissão da fé não é necessária à salvação.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Rm 10, 10): Com o coração se crê, para alcançar a justiça; mas com a boca se faz a confissão para conseguir a salvação.

Santa Catarina de Alexandria, que foi martirizada por dar
testemunho de sua fé quando inquirida a respeito.
SOLUÇÃO. — As coisas necessárias à salvação são prescritas pela lei divina. Ora, a confissão da fé, sendo algo de afirmativo, só pode ser prescrita por um preceito afirmativo. Ora, os preceitos afirmativos, como já dissemos, não obrigam para sempre, embora obriguem sempre. Pois obrigam conforme o lugar, o tempo e outras circunstâncias devidas, pelas quais o ato humano deve ser virtuoso. Portanto, confessar a fé não é sempre e em toda parte necessário à salvação, senão em lugar e tempos determinados. Assim quando, omitindo essa confissão, tiraríamos a honra devida a Deus e também a utilidade que poderia proporcionar ao próximo. Por exemplo, se alguém, interrogado sobre a fé, calasse e isso fizesse crer, ou que não tem fé, ou que a fé não fosse verdadeira; ou, calando, desviasse outros da fé. Por onde, em tais casos, é a confissão da fé necessária para a salvação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O sim da fé, como das outras virtudes, deve referir-se ao da caridade, que é o amor de Deus e do próximo. E portando, quando a honra de Deus ou a utilidade do próximo o exige, não devemos nos contentar em pela nossa fé, estarmos unidos à verdade divina, mas devemos confessá-la exteriormente.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Em caso de necessidade, onde a fé fraqueja, todos estão obrigados a propalar aos outros a sua fé, quer para a instrução ou confirmação dos outros fiéis, quer para reprimir os insultos dos infiéis. Mas, em tempo ordinário, instruir os homens na fé não pertence a todos os fiéis.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Se a perturbação dos infiéis nascer da confissão manifesta da fé, sem nenhuma utilidade para a mesma ou para os fiéis, não é louvável, em tal caso, confessá-la publicamente. Por isso, diz o Senhor (Mt 7, 6): Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para que não suceda que tornando-se contra vós, vos despedacem. Mas, se esperar alguma utilidade, ou for necessário, devemos confessar a fé publicamente, desprezando a perturbação dos infiéis. Por isso, diz o Evangelho (Mt 15, 14) que, tendo os discípulos ditos ao Senhor, que os Fariseus, depois de ouvidas as suas palavras, ficaram escandalizados, ele respondeu: Deixai-os, i. é, perturbarem-se: cegos são e condutores de cegos.

-- Da Summa Teologica (II parte, questão 3, artigo 2) de Santo Agostinho (século V)

Oração, Jejum e Misericórdia

Há três coisas, meus irmãos, três coisas que mantêm a fé, dão firmeza à devoção e perseverança à virtude. São elas a oração, o jejum e a misericórdia. O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe. Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente.
São Pedro Crisólogo (406-451) foi Bispo
de Ravena. Proclamado Doutor da Igreja
pelo Papa Bento XIII em 1729.

O jejum é a alma da oração e a misericórdia dá vida ao jejum. Ninguém queira separar estas três coisas, pois são inseparáveis. Quem pratica somente uma delas ou não pratica todas simultaneamente, é como se nada fizesse. Por conseguinte, quem ora também jejue; e quem jejua, pratique a misericórdia. Quem deseja ser atendido nas suas orações, atenda as súplicas de quem lhe pede; pois aquele que não fecha seus ouvidos às súplicas alheias, abre os ouvidos de Deus às suas próprias súplicas.

Quem jejua, pense no sentido do jejum; seja sensível à fome dos outros quem deseja que Deus seja sensível à sua; seja misericordioso quem espera alcançar misericórdia; quem pede compaixão, também se compadeça; quem quer ser ajudado, ajude os outros. Muito mal suplica quem nega aos outros aquilo que pede para si.

Homem, sê para ti mesmo a medida da misericórdia;deste modo alcançarás misericórdia como quiseres, quanto quiseres e com a rapidez que quiseres; basta que te compadeças dos outros com generosidade e presteza.

Peçamos, portanto, destas três virtudes – oração,jejum, misericórdia – uma única força mediadora junto de Deus em nosso favor; sejam para nós uma única defesa, uma única oração sob três formas distintas.

Reconquistemos pelo jejum o que perdemos por não saber apreciá-lo; imolemos nossas almas pelo jejum, pois nada melhor podemos oferecer a Deus como ensina o Profeta: Sacrifício agradável a Deus é um espírito penitente; Deus não despreza um coração arrependido e humilhado (cf. Sl 50,19).

Homem, oferece a Deus a tua alma, oferece a oblação do jejum, para que seja uma oferenda pura, um sacrifício santo, uma vítima viva que ao mesmo tempo permanece em ti e é oferecida a Deus. Quem não dá isto a Deus não tem desculpa, porque todos podem se oferecer a si mesmos.

Mas, para que esta oferta seja aceita por Deus, a misericórdia deve acompanhá-la; o jejum só dá frutos se for regado pela misericórdia, pois a aridez da misericórdia faz secar o jejum. O que a chuva é para a terra, é a misericórdia para o jejum. Por mais que cultive o coração, purifique o corpo, extirpe os maus costumes e semeie as virtudes, o que jejua não colherá frutos se não abrir as torrentes da misericórdia.

Tu que jejuas, não esqueças que fica em jejum o teu campo se jejua a tua misericórdia; pelo contrário, a liberalidade da tua misericórdia encherá de bens os teus celeiros. Portanto, ó homem, para que não venhas a perder por ter guardado para ti, distribui aos outros para que venhas a recolher; dá a ti mesmo, dando aos pobres, porque o que deixares de dar aos outros, também tu não o possuirás.

-- Dos Sermões de São Pedro Crisólogo, bispo (século IV)


28 de mar. de 2011

Quem se gloria, glorie-se no Senhor

Não se glorie o sábio de seu saber, não se glorie o forte de sua força, nem o rico de suas riquezas (Jr 9,22).

Qual é então o verdadeiro motivo de glória e em que consiste a grandeza do homem? Quem se gloria – diz a Escritura – glorie-se nisto: em conhecer e compreender que eu sou do Senhor (Jr 9,23).

Eis o exemplo de Jesus
A nobreza do homem, a sua glória e a sua dignidade consistem em saber onde está a verdadeira grandeza, aderir a ela e buscar a glória que procede do Senhor da glória. Diz efetivamente o Apóstolo: Quem se gloria, glorie-se no Senhor. Estas palavras encontram-se na seguinte passagem: Cristo se tornou para nós, da parte de Deus, sabedoria, justiça, santificação e libertação, para que, como está escrito, “quem se gloria, glorie-se no Senhor” (1Cor 1,31).
 
Por conseguinte, é perfeito e legítimo nos gloriarmos no Senhor quando, longe de orgulhar-nos de nossa própria justiça, reconhecemos que estamos realmente destituídos dela e só pela fé em Cristo somos justificados.

É nisto que Paulo se gloria: desprezando sua própria justiça, busca apenas a que vem por meio de Cristo, ou seja, a que se obtém pela fé e procede de Deus; para assim conhecer a Cristo, o poder de sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, configurando-se à sua morte, na esperança de alcançar a ressurreição dos mortos.
 
Aqui desaparece todo e qualquer orgulho. Nada te resta para que te possas gloriar, ó homem, pois tua única glória e esperança está em fazeres morrer tudo que é teu e procurares a vida futura em Cristo. E como possuímos as primícias desta vida, já a iniciamos desde agora, uma vez que vivemos inteiramente na graça e no dom de Deus.
 
É certamente Deus quem realiza em nós tanto o querer como o fazer, conforme o seu desígnio benevolente (Fl 2,13). E é ainda Deus que pelo seu Espírito nos revela a sabedoria que, de antemão, destinou para nossa glória.
 
Deus nos concede força e resistência em nossos trabalhos. Tenho trabalhado mais do que os outros – diz também Paulo – não propriamente eu, mas a graça de Deus comigo (1Cor 15,10).
 
Deus nos livra dos perigos para além de toda esperança humana. Experimentamos, em nós mesmos, – diz ainda o Apóstolo – a angústia de estarmos condenados à morte. Assim, aprendemos a não confiar em nós mesmos, mas a confiar somente em Deus que ressuscita os mortos. Ele nos livrou, e continuará a livrar-nos, de um tão grande perigo de morte. Nele temos firme esperança de que nos livrará ainda, em outras ocasiões (2Cor 1,9-10).

-- Das Homilias de São Basílio Magno, bispo (século IV)


26 de mar. de 2011

Explanação Catequética do Credo - artigo I: Creio em Deus Pai, Todo Poderoso, criador do céu e da terra

* É seguro assumir que este texto representa a maneira como São Francisco Xavier explicava os artigos da oração do Creio aos habitantes das terras asiáticas que catequisou. O santo fundou, junto com amigos, a ordem dos jesuítas, reconhecida pelo Papa em 1541, alguns anos após o pedido ser apresentado. São Francisco Xavier desembarcou na Índia, na cidade de Goa, em 6 de Maio de 1542.  Dali, até a sua morte, em 3 de Dezembro de 1552, dedicou-se a catequização da Ásia, tendo viajado pela Índia, Sudeste Asiático, Filipinas, China e até o Japão.

Este texto é uma tradução particular com base no livro Vida e Cartas de São Francisco Xavier, páginas 321 a 339, disponível no site The Internet Archive. O livro foi publicado em 1881, na Inglaterra.  Como é um texto longo, irei publicar em partes, na medida traduzi-lo.


Pintura japonesa representando Sào Francisco
Xavier e seu grupo de missionários no país.

1. Delicia aos cristãos ouvir e aprender a maneira e ordem na qual o Senhor Deus fez todas as coisas, para uso e serviço do homem. No início Ele criou os céus e a terra, os Anjos, o sol, a lua e as estrelas; o dia e a noite; plantas e ervas de todos os tipos, raízes e frutas nas árvores; pássaros e animais que vivem sobre a terra; os mares, rios, lagos e todas criaturas que vivem nas águas. E após tudo isto ter sido criado, Ele fez, por último, o homem, à sua imagem e semelhança.

2. O primeiro homem criado foi Adão, e a primeira mulher, Eva. Tendo formado a ambos e inspirado sobre eles a vida, colocou-os no Paraíso terrestre. Abençoou-os, deu-os um ao outro e os ligou-os pelo casamento, ordenou-os a se unirem, terem filhos e encher a terra de habitantes. Deste casal somos todos descendentes, a partir deles todas as nações se formaram. Neste primeiro tipo de povo habitando a terra, vemos um exemplo da unidade através do casamento. Por ele, Deus, o senhor de toda sabedoria, o criador da natureza, não deu a Adão mais que uma mulher. Fica claro como é contrário à autoridade de Deus tomar mais de uma esposa, como aprovam muçulmanos e idólatras, e mais deplorável e corrupto, como fazem algumas vezes maus cristãos, que vivem com muitas mulheres; e mesmo aqueles que vivem com apenas uma concubina não escapam da condenação por esta lei; pois Deus não permitiu a Adão e Eva unirem-se e terem filhos antes de estarem unidos pelos laços do matrimônio.

3. Portanto, os fornicadores, rebeldes ao Deus que os fez, devem esperar punições adequadas aos seus crimes. Também os que fazem orações aos ídolos devem entender o grave crime de que são culpados, abandonando e desprezando o único verdadeiro Deus, o único criador de todas as coisas. Fazem orações, em seu erro fanático, a ídolos mudos e fantasmas do inferno. A razão nos mostra claramente que devemos procurar seguir a Ele, que nos deu os princípios da vida; eles, na sua sacrílega tolice, colocam suas esperanças e ações em atos de bruxaria e histórias contadas por adivinhos. Eles dirigem ao Diabo - o implacável inimigo da salvação - a fé e oração devidas a Deus, o autor de todas as boas coisas, de quem receberam sua alma, seu corpo, tudo o que são e possuem. Impiedade não mais deplorável e detestável, fatal para os pobres que são culpados de cometê-las, pois esta insensível superstição os exclui de ganhar um lugar na vida eterna, um local cheio de alegrias preparadas para a alma dos que reconhecem a Deus, a abençoada felicidade, pela qual o Criador, em seu infinito amor, criou o gênero humano.

4. Quão mais inteligentes são os cristãos! Fiéis a Deus, acreditam em Seu Senhor e a Ele prestam culto em espírito; e com toda sua capacidade e afeto de seus corações o aceitam; o único verdadeiro, supremo e eterno Espírito, criador dos céus e a terra. Demonstram o que passa em seus corações através de sinais de devoção, frequentando igrejas, onde podem ver em altares imagens de Jesus Cristo, seu Filho; da Virgem Maria Mãe de Deus; e de santos, que após uma vida a serviço de Deus, reinam com ele na glória do Paraíso.

5. Em meio a figuras solenes, que relembram santos acontecimentos, pessoas representadas por estas imagens, ajoelhados no chão, com as mãos elevadas ao céu, na direção em que colocam seu coração, os cristãos confessam sua fé em Deus, apenas a Ele creditam suas alegrias e consolações, dizendo estas palavras de São Pedro: "Eu creio em Deus Pai, Todo Poderoso, criador do céu e da terra". Criador também dos anjos que estão nos céus, anteriores ao homem. Agora, a multidão dos anjos avidamente adora o seu Deus, dando graças e glorificando-O pela sua abençoada criação. Lucifer, por outro lado, e muitos anjos caídos recusam-se a adorá-Lo como seu criador; disseram com orgulho, vamos nos elevar, fazermo-nos como deuses, reinando nos altos céus. Para punir esta rebelião, Deus expulsou a Lucifer e seus seguidores do céu, mandando-os aos infernos.

6. Lucifer, caído dos céus, viu Adão e Eva, os primeiros humanos, e invejoso da graça de Deus que os criara, para fazê-los cair em tentação, colocou em seus corações o mesmo orgulho que o fez sair do céu. Encontrou-os no Paraíso terrestre e os prometeu falsamente a mesma glória de Deus criador, se comessem do fruto proibido. Adão e Eva deixaram-se levar pela falsa promessa que se tornariam como deuses, e consentiram, comeram do fruto e perderam a graça na qual haviam sido criados. Como punição para o seu pecado, Deus os dirigiu para fora do paraíso. Daquele momento em diante, viveram afastados de Deus, numa condição de duros serviços, fazendo penitência pelo pecado cometido, a culpa estava muito acima de qualquer expiação, que por mais que Adão e seus filhos possam pagar, tudo é insuficiente para apagar a marca e restaurar a esperança de viver na alegria eterna, do qual foram justamente  privados como punição pelo seu orgulho e desejo de serem como deuses. A partir daquele momento, os portões do Paraíso mantiveram-se fechados, atrás de barreiras impenetráveis, que afastaram Adão e sua posteridade de todo acesso a glória irreparavelmente perdida pelo pecado cometido, a sua ruína e de seus filhos.

-- Explanação Catequética do Credo para os Habitantes das Ilhas Molucas, por São Francisco Xavier (século XVI)

24 de mar. de 2011

O Verbo se fez carne



Pintura de Dierick Bouts (c. 1410-1475); têmpera e óleo (?) sobre madeira transpostos para tela.  Segundo notas do Museu Gulbenkian, "a ordem do visível remete o observador para o domínio da espiritualidade – a luz que anuncia o Salvador, a pomba que assinala a presença do Espírito Santo, a “cruz” que prenuncia a Paixão. A paisagem, ainda que povoada de detalhes realistas à maneira flamenga, obedece, também ela, a uma estética fundamentada na esfera do sagrado: é para a árvore da vida que convergem numerosas linhas de fuga e é no muro do jardim, alusão ao Paraíso, que o pavão, símbolo da vida eterna, aparece posicionado.

A humildade foi assumida pela majestade, a fraqueza pela força, a mortalidade pela eternidade. Para saldar a dívida da nossa condição humana, a natureza impassível uniu-se à nossa natureza passível, a fim de que, como convinha para nosso remédio, o único mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, pudesse ser submetido à morte como homem e dela estivesse imune como Deus.

Numa natureza perfeita e integral de verdadeiro homem nasceu o verdadeiro Deus, perfeito na sua divindade, perfeito na sua humanidade. Por «nossa humanidade» queremos dizer a natureza que o Criador desde o início formou em nós e que Ele assumiu para a renovar. Mas daquelas coisas que o Enganador trouxe e o homem enganado aceitou, não há nenhum vestígio no Salvador; nem pelo facto de se ter irmanado na comunhão da fragilidade humana Se tornou participante dos nossos delitos.

Assumiu a forma de servo sem mancha de pecado, elevando a humanidade, não diminuindo a divindade: porque aquele aniquilamento pelo qual o Invisível se fez visível, e o Criador e Senhor de todas as coisas quis ser um dos mortais, foi uma condescendência da sua misericórdia, não foi uma quebra no seu poder. Por isso Aquele que, na sua condição divina, fez o homem, assumindo a condição de servo fez-Se homem.

Entra portanto o Filho de Deus na baixeza deste mundo, descendo do trono celeste, mas sem deixar a glória do Pai; é gerado e nasce, de modo totalmente novo. De modo novo, porque, sendo invisível em Si mesmo, torna-Se visível na nossa natureza; sendo incompreensível, quer ser compreendido; existindo antes do tempo, começa a viver no tempo; o Senhor do Universo toma a condição de servo, obscurecendo a imensidão da sua majestade; o Deus impassível não desdenha ser um homem passível, o imortal submete-Se às leis da morte.

Aquele que é Deus verdadeiro é também verdadeiro homem; e não há ficção alguma nesta unidade, porque n’Ele é perfeita respectivamente a humildade do homem e a grandeza de Deus.

Nem Deus sofre mudança com esta condescendência da sua misericórdia, nem o homem é destruído com a elevação a tão alta dignidade. Cada natureza realiza, em comunhão com a outra, aquilo que lhe é próprio: o Verbo realiza o que é próprio do Verbo, e a carne realiza o que é próprio da carne.

A natureza divina resplandece nos milagres, a humana sucumbe nos sofrimentos. E assim como o Verbo não renuncia à igualdade da glória paterna, assim também a carne não perde a natureza do género humano.

É um só e o mesmo – não nos cansaremos de repeti-lo – verdadeiro Filho de Deus e verdadeiro Filho do homem. É Deus, porque no princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus; é homem, porque o Verbo Se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 1.14).

-- Das Cartas de São Leão Magno, papa (século V)



22 de mar. de 2011

A paixão de todo o corpo de Cristo

Senhor, eu clamo por vós, socorrei-me sem demora (Sl 140,1). Isto todos nós podemos dizer. Não sou eu que digo, é o Cristo total que diz. Contudo, estas palavras foram ditas especialmente em nome do Corpo, porque, quando Cristo estava neste mundo, orou como homem; orou ao Pai em nome do Corpo; e enquanto orava, gotas de sangue caíram de todo o seu corpo. Assim está escrito no Evangelho: Jesus rezava com mais insistência e seu suor tornou-se como gotas de sangue (Lc 22,44). Que significa este derramamento de sangue de todo o seu corpo, senão a paixão dos mártires de toda a Igreja?

Senhor, eu clamo por vós, socorrei-me sem demora. Quando eu grito, escutai minha voz! (Sl 140,1). Julgavas ter acabado de vez o teu clamor ao dizer: eu clamo por vós. Clamaste, mas não julgues que já estejas em segurança. Se findou a tribulação, findou também o clamor; mas se a tribulação da Igreja e do Corpo de Cristo continua até o fim dos tempos, não só devemos dizer: eu clamo por vós, socorrei-me sem demora; mas: Quando eu grito, escutai minha voz!

Minha oração suba a vós como incenso, e minhas mãos, como oferta da tarde (Sl 140,2). Todo cristão sabe que esta expressão continua a ser atribuída à própria Cabeça. Porque, na verdade, foi ao cair da tarde daquele dia, que o Senhor, voluntariamente, entregou na cruz sua vida, para retomá-la em seguida. Também aqui estávamos representados. Com efeito, o que estava suspenso na cruz foi o que ele assumiu da nossa natureza. Como seria possível que o Pai rejeitasse e abandonasse algum momento seu Filho Unigênito, sendo ambos um só Deus?

Contudo, cravando nossa frágil natureza na cruz, onde o nosso homem velho, como diz o Apóstolo, foi crucificado com Cristo (Rm 6,6), clamou com a voz da nossa humanidade: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Sl 21,2).

Eis, portanto, o verdadeiro sacrifício vespertino: a paixão do Senhor, a cruz do Senhor, a oblação da vítima salvadora, o holocausto agradável a Deus. Esse sacrifício vespertino, ele o converteu, por sua ressurreição, em oferenda da manhã. Assim, a oração que se eleva, com toda pureza, de um coração fiel, é como o incenso que sobe do altar sagrado. Não há aroma mais agradável a Deus: possam todos os fiéis oferecê-lo ao Senhor.

Por isso, o nosso homem velho – são palavras do Apóstolo – foi crucificado com Cristo, para que seja destruído o corpo do pecado, de maneira a não mais servirmos ao pecado (Rm 6,6).

-- Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo (século V)

21 de mar. de 2011

Moisés e Cristo

Os judeus viram milagres. Tu também verás, maiores e mais estupendos do que os do tempo em que os judeus saíram do Egito. Não viste o Faraó afogado no mar com seu exército, mas viste o demônio tragado pelas ondas com as suas armas. Os judeus passaram o Mar Vermelho, tu passaste para além da morte. Eles foram libertados dos egípcios e tu, do poder dos demônios. Eles escaparam da escravidão do estrangeiro e tu, escapaste da escravidão muito mais triste do pecado.

Queres ainda mais provas de que foste honrado com favores maiores? Os judeus não puderam contemplar o rosto resplandecente de Moisés, que era homem como eles e servo do mesmo Senhor; tu, porém, viste a glória do rosto de Cristo. E Paulo exclama: Todos nós, com o rosto descoberto, contemplamos a glória do Senhor (2Cor 3,18).
Moisés batendo na rocha, obra de Poussin, Museu do Hermitage,
São Petersburg, Russia

Os judeus tinham Cristo que os seguia; mas agora ele nos segue de modo muito mais real. Então o Senhor os acompanhava por causa de Moisés; agora nos acompanha não só por causa de Moisés, mas também por nossa obediência. Os judeus, depois do Egito, encontraram o deserto; tu, depois da morte, encontrarás o céu. Em Moisés eles tinham um guia e chefe excelente; nós temos como chefe e guia o novo Moisés, que é o próprio Deus.

Qual era a característica de Moisés? Moisés, diz a Escritura, era um homem muito humilde, mais do que qualquer outro sobre a terra (Nm12,3). Esta qualidade podemos sem erro atribuí-la ao nosso Moisés, porque é assistido pelo suavíssimo Espírito que lhe é intimamente consubstancial. Moisés, erguendo as mãos ao céu, fazia cair o maná, o pão dos anjos; o nosso Moisés ergue as mãos ao céu e nos dá o alimento eterno. Aquele feriu a rocha e fez brotar torrentes de água; este toca na mesa, a mesa espiritual, e faz jorrar as fontes do Espírito. Por isso, a mesa está colocada no meio, como uma fonte, para que de todos os lados acorram os rebanhos à fonte e bebam das águas da salvação.

Uma vez que nos é dada uma tal fonte, um manancial de vida tão abundante, uma vez que a nossa mesa está repleta de bens inumeráveis e nos inunda com seus dons espirituais, aproximemo-nos de coração sincero e consciência pura, para alcançarmos graça e misericórdia no tempo oportuno. Pela graça e misericórdia do Filho único, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, por quem e com quem seja dada ao Pai e ao Espírito, fonte de vida, a glória, a honra e o poder, agora e para sempre, pelos séculos dos séculos. Amém.

-- Das Catequeses de São João Crisóstomo, bispo (século IV)







18 de mar. de 2011

O amor fraterno a exemplo de Cristo

Nada nos impele tanto ao amor dos inimigos – e é nisso que consiste a perfeição do amor fraterno – do que considerar com gratidão a admirável paciência de Cristo, o mais belo dos filhos dos homens (Sl 44,3). Ele apresentou seu rosto cheio de beleza aos ultrajes dos ímpios; deixou-os velar seus olhos que governam o universo com um sinal; expôs seu corpo aos açoites; submeteu às pontadas dos espinhos sua cabeça, que faz tremer os principados e as potestades; entregou-se aos opróbrios e às injúrias; finalmente,suportou com paciência a cruz, os cravos, a lança, o fel e o vinagre, conservando em tudo a doçura, a mansidão e a serenidade.

Depois, como cordeiro levado ao matadouro ou como ovelha diante dos que a tosquiam, ele não abriu a boca (Is 53,7).

Nosso Senhor dos Passos
Ao ouvir esta palavra admirável, cheia de doçura, cheia de amor e de imperturbável serenidade: Pai, perdoa-lhes! (Lc 23,34), quem não abraçaria logo com todo o afeto os seus inimigos? Pai, perdoa-lhes!, disse Jesus. Poderá haver oração que exprima maior mansidão e caridade?

 Entretanto, Jesus não se contentou em pedir; quis ainda desculpar, e acrescentou: Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem! (Lc 23,34). São, na verdade, grandes pecadores, mas não sabem avaliar a gravidade de seu pecado. Por isso, Pai, perdoa-lhes! Crucificaram-me, mas não sabem a quem crucificaram, porque, se soubessem, não teriam crucificado o Senhor da glória (1Cor 2,8). Por isso, Pai, perdoa-lhes! Julgaram-me um transgressor da lei, um usurpador da divindade, um sedutor do povo. Ocultei-lhes a minha face, não reconheceram a minha majestade. Por isso, Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!

Por conseguinte, se o homem quer amar-se a si mesmo com amor autêntico, não se deixa corromper por nenhum prazer da carne. Para não sucumbir a essa concupiscência da carne, dirija todo o seu afeto à admirável humanidade do Senhor. Para encontrar mais perfeito e suave repouso nas delícias da caridade fraterna, abrace também com verdadeiro amor os seus inimigos.

Mas, para que esse fogso divino não arrefeça diante das injúrias, contemple sem cessar, com os olhos do coração, a serena paciência de seu amado Senhor e Salvador.

-- Do “Espelho da Caridade”, do Bem-aventurado Elredo, abade






15 de mar. de 2011

A Oração do Pai Nosso, por São Cipriano

Os preceitos evangélicos, irmãos caríssimos, não são outra coisa que ensinamentos divinos, fundamentos para edificar a esperança, bases para consolidar a fé, alimento para revigorar o coração, guias para mostrar o caminho, garantias para obter a salvação. Enquanto instruem na terra os espíritos dóceis dos que crêem, eles os conduzem para o Reino dos céus.

São Cipriano foi bispo de Cártago. Morreu
martirizado em setembro de 258.

Outrora quis Deus falar e fazer-nos ouvir de muitas maneiras pelos profetas, seus servos. Mas muito mais sublime é o que nos diz o Filho, a Palavra de Deus, que já estava presente nos profetas e agora dá testemunho pela sua própria voz. Ele não manda mais preparar o caminho para aquele que há de vir, mas vem, ele próprio, mostrar-nos e abrir-nos o caminho para que nós, outrora cegos e imprevidentes,errantes nas trevas da morte, iluminados agora pela luz da graça, sigamos o caminho da vida, sob a proteção e guia do Senhor.

Entre as exortações salutares e os preceitos divinos com que orienta seu povo para a salvação, o Senhor ensinou o modo de orar e nos instruiu e aconselhou sobre o que havemos de pedir. Quem nos deu a vida, também nos ensinou a orar com a mesma bondade com que se dignou conceder-nos tantos outros benefícios, a fim de que, dirigindo-nos ao Pai com a súplica e oração que o Filho nos ensinou, sejamos mais facilmente ouvidos.

Jesus havia predito que chegaria a hora em que os verdadeiros adoradores adorariam o Pai em espírito e em verdade. E cumpriu o que prometera. De fato, tendo nós recebido por sua graça santificadora o Espírito e a verdade, podemos adorar a Deus verdadeira e espiritualmente segundo os seus ensinamentos.

Pode haver, com efeito, oração mais espiritual do que aquela que nos foi ensinada por Cristo, que também nos enviou o Espírito Santo? Pode haver prece mais verdadeira aos olhos do Pai do que aquela que saiu dos lábios do próprio Filho que é a Verdade? Assim, orar de maneira diferente da que o Senhor nos ensinou não é só ignorância, mas também culpa, pois ele mesmo disse: Anulais o mandamento de Deus a fim de guardar as vossas tradições (Mc 7,9).

Oremos, portanto, irmãos caríssimos, como Deus, nosso Mestre, nos ensinou. A oração agradável e querida por Deus é a que rezamos com as suas próprias palavras, fazendo subir aos seus ouvidos a oração de Cristo.

Reconheça o Pai as palavras de seu Filho, quando oramos. Aquele que habita interiormente em nosso coração, esteja também em nossa voz; e já que o temos junto ao Pai como advogado por causa de nossos pecados, digamos as palavras deste nosso advogado quando, como pecadores, suplicarmos por nossas faltas. Se ele disse que tudo o que pedirmos ao Pai em seu nome nos será dado (cf. Jo 14,13), quanto mais eficaz não será a nossa súplica para obtermos o que pedimos em nome de Cristo, se pedirmos com sua própria oração!

-- Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano (século III)

14 de mar. de 2011

Confissões, de São Patrício - parte final

Certa vez São Patrício teve que explicar o que era a Santíssima Trindade. Usando um trevo de três folhas, explicou que assim como o trevo era um, embora constituído de três folhas, assim é a Santíssima Trindade, três pessoas em unidade. Daí se ver difundida na cultura popular irlandesa a figura do trevo de três folhas.

Eis que invoco o testemunho divino sobre minha alma como prova de que não estou mentindo: nem escreveria a vós para dar ocasião de lisonja ou avareza, nem esperaria pela honra de qualquer de vós; suficiente na verdade é a honra que não é vista, mas na qual o coração confia; fiel é o que promete; ele nunca mente.

São Patrício segurando um trevo de três folhas.
Mas vejo que aqui mesmo tenho sido exaltado sobremodo pelo Senhor, eu não era digno de que ele me concedesse isso, porquanto eu sei com certeza que a pobreza e a calamidade se adequariam melhor a mim do que a riqueza e o deleite (mas Cristo o Senhor se fez pobre por nós) eu realmente miserável e infeliz sou e mesmo que quisesse a riqueza não posso, nem é este meu próprio juízo; porque cotidianamente espero ser morto, traído ou reduzido à servidão se a ocasião surgir, mas nada temo por causa das promessas celestiais, porque me lancei nas mãos de Deus onipotente, que reina para todo o sempre, assim como diz o profeta: “lançai a sua carga sobre Deus e ele vos sustentará”.

Eis que agora recomendo minha alma ao meu fidelíssimo Deus, por quem cumpro a minha missão apesar da minha insignificância, mas porque ele não faz acepção de pessoas e me escolheu para esta obra para que eu fosse um dos menores de seus ministros.

Por esta razão eu devo retribuí-los por tudo que ele me tem retribuído. Mas o que deveria dizer ou prometer ao meu Senhor, só tenho aquilo que ele próprio me concedeu? Mas deixe que ele sonde meu coração e minhas entranhas porque almejo muito por isso, demasiadamente até, e estou pronto para que ele me conceda beber do seu cálice, assim como concedeu a outros que o amaram.

Pela vontade do meu Deus, que eu jamais seja separado do seu povo que ele ganhou nos lugares mais remotos da terra. Eu oro a Deus para que ele me dê perseverança e que ele me conceda ser uma fiel testemunha por amor a ele desde agora até o tempo da minha passagem ao meu Deus.

E se em qualquer momento fiz algo bom por amor ao meu Deus, a quem amo, imploro que ele me conceda, derramar meu sangue pelo seu nome, junto com os convertidos e cativos, seja mesmo eu insepulto ou meu cadáver miserável seja partido membro a membro pelos cães ou pelas feras selvagens, ou ainda devorado pelos pássaros do céu. Certamente penso que se isso ocorresse a mim, eu ganharia como recompensa minha alma e meu corpo, porque além de qualquer dúvida naquele dia ressuscitaremos na claridade do sol, isto é, na glória de Cristo nosso redentor, como filhos do Deus vivo e co-herdeiros de Cristo, destinados a ser conforme a sua imagem, porque através dele, por ele e nele, reinaremos.

Pois o sol que vemos nasce todos os dias para nós sob seu comando, mas nunca governará e nem irá durar o seu esplendor, mas antes todos os que o adoram irão desgraçadamente a punição; mas nós que acreditamos e adoramos o verdadeiro sol, Cristo, que nunca morrerá, nem aquele que fizer a sua vontade, mas permanecerá para sempre exatamente como Cristo permanece para eternamente, e que reina com Deus pai todo poderoso e com o Espírito Santo antes do começo dos tempos e agora e para sempre. Amém.

Pois o sol que vemos nasce todos os dias para nós sob seu comando, mas nunca governará e nem irá durar o seu esplendor, mas antes todos os que o adoram irão desgraçadamente a punição; mas nós que acreditamos e adoramos o verdadeiro sol, Cristo, que nunca morrerá, nem aquele que fizer a sua vontade, mas permanecerá para sempre exatamente como Cristo permanece para eternamente, e que reina com Deus pai todo poderoso e com o Espírito Santo antes do começo dos tempos e agora e para sempre. Amém.

Mas eu imploro aos que crêem e temem a Deus, que se dignem a examinar, bem como receber este texto composto pelo pecador Patrício, indouto, escrito na Irlanda, que ninguém jamais atribua a minha ignorância, qualquer coisa insignificante que eu possa ter exposto segundo agrado de Deus, mas aceite e verdadeiramente acredite que isso foi um dom de Deus. Esta é a minha confissão antes de morrer.

-- Das Cartas de São Patrício, (século V)
-- texto retirado do site Patrística Brasil, onde o autor traduziu do latim.

A bondade de Deus para todos

Considera de onde te vem a existência, a respiração, a inteligência, a sabedoria, e, acima de tudo, o conhecimento de Deus, a esperança do reino dos céus e a contemplação da glória que, no tempo presente, é ainda imperfeita como num espelho e em enigma, mas que um dia haverá de ser mais plena e mais pura. Considera de onde te vem a graça de seres filho de Deus, herdeiro com Cristo e, falando com mais ousadia, de teres também sido elevado à condição divina. De onde e de quem vem tudo isso?

Ou ainda, – se quisermos falar de coisas menos importantes e que podemos ver com os nossos olhos – quem te concedeu a felicidade de contemplar a beleza do céu, o curso do sol, a órbita da lua, a multidão dos astros e aquela harmonia e ordem que se manifestam em tudo isso como uma lira afinada?

Quem te deu as chuvas, as lavouras, os alimentos, as artes, a morada, as leis, a sociedade, a vida tranqüila e civilizada, a amizade e a alegria da vida familiar? De onde te vem poderes dispor dos animais, os domésticos para teu serviço e os outros para teu alimento? Quem te constituiu senhor e rei de todas as coisas que há na face da terra?

E, porque não é possível enumerar uma a uma todas as coisas, pergunto finalmente: quem deu ao homem tudo aquilo que o torna superior a todos os outros seres vivos? Porventura não foi Deus? Pois bem, agora, o que ele te pede em compensação por tudo, e acima de tudo, não é o teu amor para com ele e para com o próximo? Sendo tantos e tão grandes os dons que recebemos ou esperamos dele, não nos envergonharemos de não lhe oferecer nem mesmo esta única retribuição que pede, isto é, o amor? E se ele, embora sendo Deus e Senhor, não se envergonha de ser chamado nosso Pai, poderíamos nós fechar o coração aos nossos irmãos?

De modo algum, meus irmãos e amigos, de modo algum sejamos maus administradores dos bens que nos foram concedidos pela graça divina, a fim de não ouvirmos a repreensão de Pedro: “Envergonhai-vos, vós que vos apoderais do que não é vosso; imitai a justiça de Deus e assim ninguém será pobre”.

Não nos preocupemos em acumular e conservar riquezas, enquanto outros padecem necessidade, para não merecermos aquelas duras e ameaçadoras palavras do profeta Amós: Tomai cuidado, vós que andais dizendo: “Quando passará o mês para vendermos; e o sábado, para abrirmos nossos celeiros?” (Am 8,5).

Imitemos aquela excelsa e primeira lei de Deus, que faz chover sobre os justos e os pecadores e faz o sol igualmente levantar-se para todos; que oferece aos animais que vivem na terra a extensão dos campos, as fontes, os rios e as florestas; que dá às aves a amplidão dos céus, e aos animais aquáticos, a vastidão das águas; que proporciona a todos, liberalmente, os meios necessários para a sua subsistência, sem restrições, sem condições, sem fronteiras; que põe tudo em comum, à disposição de todos eles, com abundância e generosidade, de modo que nada falte a ninguém. Assim procede Deus para com as suas criaturas, a fim de conceder a cada um os bens de que necessita segundo a sua natureza e dignidade, e manifestar a todos a riqueza da sua bondade.

-- Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo (século IV)

10 de mar. de 2011

Purificação espiritual por meio do jejum e da misericórdia

Em todo tempo, amados filhos, a terra está repleta da misericórdia do Senhor (SI 32,5). À própria natureza é para todo fiel uma lição que o ensina a louvar a Deus, pois o céu, a terra, o mar e tudo o que neles existe proclamam a bondade e a onipotência de seu Criador; e a admirável beleza dos elementos postos a nosso serviço requer da criatura racional uma justa ação de graças.

O retorno, porém, desses dias.que os mistérios da salva­ção humana marcaram de modo mais especial e que prece­dem imediatamente a festa da Páscoa, exige que nos prepa­remos com maior cuidado por meio de uma purificação espiritual.

Na verdade, é próprio da solenidade pascal que a Igreja inteira se alegre com o perdão dos pecados. Não é apenas nos que renascem pelo santo batismo que ele se realiza, mas também naqueles que desde há muito são contados entre os filhos adotivos.

É, sem dúvida, o banho da regeneração que nos torna criaturas novas; mas todos têm necessidade de se renovar a cada dia para evitarmos a ferrugem inerente à nossa condi­ção mortal, e não há ninguém que não deva se esforçar para progredir no caminho da perfeição; por isso, todos sem exceção, devemos empenhar-nos para que, no dia da reden­ção, pessoa alguma seja ainda encontrada nos vícios do passado.

Por conseguinte, amados filhos, aquilo que cada cristão deve praticar em todo tempo, deve praticá-lo agora com maior zelo e piedade, para cumprir a prescrição, que remonta aos apóstolos, de jejuar quarenta dias, não somente reduzin­do os alimentos, mas sobretudo abstendo-se do pecado.

A estes santos e razoáveis jejuns, nada virá juntar-se com maior proveito do que as esmolas. Sob o nome de obras de misericórdia, incluem-se muitas e louváveis ações de bondade; graças a elas, todos os fiéis podem manifestar igualmente os seus sentimentos, por mais diversos que se­jam os recursos de cada um.

Se verdadeiramente amamos a Deus e ao próximo, nenhum obstáculo impedirá nossa boa vontade. Quando os anjos cantaram: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14), proclamavam bem-aventurado, não só pela virtude da benevolência mas tam­bém pelo dom da paz, todo aquele que, por amor, se com­padece do sofrimento alheio.

São inúmeras as obras de misericórdia, o que permite aos verdadeiros cristãos tomar parte na distribuição de es­molas, sejam eles ricos, possuidores de grandes bens, ou pobres, sem muitos recursos. Apesar de nem todos poderem ser iguais na possibilidade de dar, todos podem sê-lo na boa vontade que manifestam.

-- Dos Sermões de São Leão Magno, papa (século V)






9 de mar. de 2011

Confissões, de São Patrício - parte IV

Deste modo, devo incessantemente dar graças a Deus, que frequentemente perdoou minha insensatez e negligência, em mais de uma ocasião para não se irar violentamente comigo, que fui colocado como ministro, e não concordei prontamente com o que foi revelado a mim, segundo o que o Espírito me sugeria, e o Senhor misericordioso foi em milhares de vezes, porque viu que eu estava preparado, mas que eu não sabia o que fazer nessas circunstâncias, só poderia fazer algo relativo ao meu gênero de vida, porque muitos tentavam impedir a minha missão, eles estavam falando entre si nas minhas costas dizendo: Porque razão este homem se atira ao perigo no meio de estrangeiros que não conhecem a Deus? Não por malícia, porque eles não sabiam isso, mas eu mesmo posso testificar que eles perceberam a minha rusticidade, e eu não estava pronto para reconhecer a graça que então estava em mim; agora eu sei que deveria tê-lo feito bem antes.

Agora, pois tenho simplesmente colocado para meus irmãos e companheiros de serviço, que acreditaram em mim por causa do que proferi e ainda profiro para fortificar e reforçar vossa fé. Queira Deus que façam maiores e melhores obras! Isto será minha glória, porque o filho sábio é a glória do pai.

Vós sabeis, assim como Deus, como me empenhei no meio de vós desde a minha juventude na fé, na verdade e na sinceridade de coração. Assim para os povos entre os quais vivo eu mostrei e ainda mostro a fé. Deus sabe que não defraudei a nenhum deles, nem considero isso, pelo próprio Deus e sua Igreja, para que não despertasse perseguição contra eles e contra nós todos e para que o nome do Senhor não seja blasfemado por minha causa. Porque está escrito: Ai do homem pelo qual o nome do Senhor for blasfemado.

Pois embora eu seja ignorante em todas as coisas, ainda assim me esforcei para guardar alguns e a mim também. Ainda também aos meus irmãos cristãos, as virgens de Cristo e as mulheres religiosas, que para mim davam espontaneamente alguns pequenos presentes e costumavam jogar ao altar e seus adornos. Eu devolvia a elas e se escandalizavam comigo por causa disso e me perguntavam por que eu agia assim; mas eu, na esperança da eternidade, me protegi de todas as coisas, de forma que não pudessem lesar-me no meu
ministério alegando qualquer desonestidade e que nem mesmo esse mínimo detalhe desse qualquer margem para difamação ou depreciação por parte dos incrédulos.

Por acaso quando batizei milhares de pessoas esperava mesmo que fosse a metade de qualquer coisa deles? Se assim foi, digam-me e eu vos restituirei. E quando o Senhor ordenou clérigos em todas as partes por intermédio da minha humilde pessoa e o ministério gratuitamente eu conferi a eles, se pedi em qualquer lugar qualquer recompensa deles, que seja o valor de um par de sapatos, digam-me na minha frente e os restituirei.

Mais eu fiz todos os esforços por vós para que me recebessem e no meio de vós em todo lugar, me empenhei pela vossa causa, em muitos perigos mesmo nas regiões mais remotas onde não havia ninguém e ninguém havia vindo antes para batizar, ordenar clérigos ou confirmar pessoas. Diligentemente e com alegria, pela graça de Deus, para vossa salvação.
De vez em quando, dei presentes aos reis e também dei recompensas aos seus filhos que viajavam comigo, todavia me prenderam com meus companheiros e naquele dia desejaram com muita avidez matar-me, mas minha hora ainda não havia chegado, e tudo que puderam encontrar conosco eles saquearam e me prenderam a ferros; e no décimo quarto dia o Senhor me libertou do poder deles e tudo o que era nosso nos foi devolvido por amor a Deus e por conta dos amigos imprescindíveis que antes fizemos.

Vós sabeis por experiência própria o quanto eu os pagava para que aqueles que julgavam por todas as regiões que eu frequentemente visitava. Penso que verdadeiramente distribui a eles nada menos que o preço de quinze homens, afim de que pudessem desfrutar da minha companhia e eu da vossa sempre, em Deus. Não me arrependo e nem considero o bastante: ainda pago e pagarei ainda mais; poderoso é o Senhor para conceder que logo eu possa gastar o meu próprio ser pelas vossas almas.

-- Das Cartas de São Patrício, (século V)


-- texto retirado do site Patrística Brasil, onde o autor traduziu do latim.

7 de mar. de 2011

O Martírio de Santas Perpétua e Felicidade

No ano de 202, o imperador Severo mandou que aqueles que seguissem sendo cristãos e não quisessem adorar aos deuses romanos deveriam morrer. Perpétua estava celebrando uma reunião religiosa em sua casa quando chegou a polícia do imperador e a levou presa, junto com sua escrava Felicidade, e os escravos Revocato, Saturnino e Segundo.

Diz Perpétua em seu diário: "Nos colocaram no cárcere e fiquei consternada porque nunca havia estado em local tão escuro. O calor era insuportável e havia muitas pessoas em um subterrâneo muito estreito. Parecia que morreria de calor e asfixia, mas sofria muito mais por não poder estar junto de meu filho, que tinha tão poucos meses e muito necessitava de mim. O que mais pedia a Deus era que nos desse grande virtude para sermos capazes de sofrer e lutar por nossa santa religião".

No dia seguinte chegaram alguns diáconos católicos e deram dinheiro aos carcereiros para que passassem os presos a outra cela, menos sufocante e escura. Foram levados a um local onde entrava um raio de sol e não ficaram tão incômodos. Também permitiram que levassem o filho de Perpétua, que estava se deixando morrer. Ela disse em seu diário: "Desde que tive meu filho em minhas mãos, aquele cárcere me pareceu um palácio e sentia-me plena de alegria. E a criança também retomou a alegria e vigor". As tias e a avó encarregaram-se depois da criança e sua educação.

O chefe do governo de Cártago chamou a juízo Perpétua e seus servidores. Na noite anterior Perpétua teve uma visão na qual lhe foi dito que teriam que subir uma escada cheia de sofrimentos, mas que ao final de tão dolorosa subida, o Paraíso Eterno as esperava. Ela narrou a seus companheiros a visão e todos se entusiasmaram e se propuseram permanecer fiéis à Igreja até o fim.

Primeiro foram chamados os escravos e o diácono. Todos proclamaram ante as autoridades que eram cristãos e preferiam morrer antes que adorar a falsos deuses.

Logo chamaram a Perpétua. O juiz lhe pedia que deixasse a religião de Cristo e passasse a religião pagã, que assim salvaria sua vida. E lhe recordava que era mulher muito jovem e de família rica. Porém Perpétua proclamou que estava decidida a ser fiel a Jesus Cristo até a morte. Neste momento, trouxeram seu pai, o único na família que não era cristão, e ajoelhado ele e suplicou que não persistisse em chamar-se cristã, que aceitasse a religião do imperador, que o fizesse por amor a seu pai e seu filhinho. Ela se comoveu imensamente, mas terminou dizendo-lhe: "Pai, como se chamada este objeto a sua frente?". "Uma bandeja, minha filha.", respondeu ele. "Pois bem, a esta bandeja há de chamar-se bandeja, porque é uma bandeja. E sou cristã, não posso me chamar pagã, porque sou cristã e quero sê-lo para sempre." E acrescentou em seu diário: "Meu pai era o único na família que não se alegrava porque nós seríamos mártires em Cristo".

O juiz decretou que os três homens deveriam ser levados ao circo e ali, em frente à multidão, seriam destroçados por feras no dia da festa do imperador; e que as mulheres seriam amarradas frente a uma vaca furiosa. Porém, havia um inconveniente: Felicidade estava grávida e a lei proibia matar a quem estava por dar à luz. E ela desejava ser martirizada por amor a Cristo. Então os cristãos oraram com fé e Felicidade deu a luz a uma linda menina, que foi confiada as mulheres cristãs, e assim Felicidade pode ser martirizada. Um carcereiro fazia pouco caso dela, dizendo-lhe: "Agora te queixas das dores do parto, como farás frente às dores do martírio? " Ele lhe respondeu: "Agora sou fraca porque sofro por minha natureza. Porém, quando chegar o martírio, me acompanhará a graça de Deus, que me encherá de fortaleza.".

Aos condenados à morte permitia-se fazer uma ceia de despedida. Perpétua e seus companheiros organizaram uma ceia eucarístia. Dois santos diáconos lhes levaram a comunhão, e depois de orar e animar-se uns aos outros, abraçaram-se e despediram com o ósculo da paz. Todos estavam animados, alegremente bem dispostos a entregarem a vida por proclamar a fé em Jesus Cristo.

Antes de levarem-nos ao circo, os soldados queriam que os homens vestissem como sacerdotes dos falsos deuses e as mulheres como sacerdotisas pagãs. Porém Perpétua se opôs e ninguém conseguiu lhes vestir aquelas roupas.

Os escravos foram jogados às feras, que os destroçaram e eles derramaram assim valentemente seu sangue por nossa religião.

O Diácono Sáturo conseguiu converter um dos carcereiros, chamado Pudente, ao Cristianismo. Disse-lhe: "Para que vejas que Cristo é Deus, te anuncio que colocaram frente a um urso feroz, mas esta fera não me fará nenhum mal." E assim aconteceu: lhe amarraram e colocaram em frente à jaula de um urso muito agressivo. O animal feroz não lhe fez nenhum mal, e ainda deu uma tremenda dentada no seu tratador, que o atiçava contra o santo diácono. Então soltaram a um leopardo, que com uma dentada destroçou Sáturo. Quando o diácono estava moribundo, molhou com seu sangue um anel, colocou-o no dedo de Pudente, que então aceitou definitivamente converter-se ao Cristianismo.

A Perpétua e Felicidade amarram com arame, colocaram-nas no centro e soltaram uma vaca bravíssima, que as atacou sem misericórdia. Perpétua unicamente se preocupava em ir-se cobrindo, com os restos de tecido que sobravam, para que não desse espetáculo por estar desnuda. Ajeitava os cabelos, para que não parecesse uma pagã chorona. O povo emocionado, ao ver a valentia das jovens mães, pediu que as retirassem pela porta onde saiam os gladiadores vitoriosos. Perpétua, então saiu de seu êxtase, e perguntou onde estava a tal vaca que lhes atacaria.

Mas logo após o povo cruel pediu que as trouxessem para lhes cortar a cabeça em frente a todos. Ao saber desta notícia, as jovens abraçaram-se emocionadas e retornaram a praça. A Felicidade cortaram a cabeça com um golpe de machado, Porém o verdugo que deveria matar Perpétua estava muito nervosos e errou o primeiro golpe. Ela deu um grito de dor, porém posicionou melhor a cabeça para facilitar o trabalho do verdugo e lhe indicou onde deveria atingi-la. Assim, esta mulher corajosa mostrou até o último instante que morria mártir por sua própria vontade e com toda generosidade.


5 de mar. de 2011

Confissões, de São Patrício - parte III


Levaria muito tempo narrar meus labores, em detalhes, um por um. Vou dizer brevemente como o piedoso Deus frequentemente tem me livrado da servidão, e de doze perigos pelos quais minha alma foi ameaçada, além de muitas ciladas que não sou capaz de descrever. Nem quero injuriar os leitores; mas tenho Deus criador, que conhece todas as coisas antes mesmo que elas venham a existir, como testemunha de que embora eu fosse um pobrezinho desamparado e ignorante, todavia por meio de profecias divinhas frequentemente me aconselha.
Catedral de São Patrício, Dublin, Irlanda


De onde me veio esta sabedoria, que para mim não existia, eu que nem o número de dias conhecia e nem a Deus conhecia? De onde me veio em seguida dom tão grande e tão saudável de conhecer a Deus e amá-lo, mesmo tendo deixado à pátria e os pais?


E muitas dádivas me foram oferecidas com choro e lágrimas e eu os ofendi, contrariamente ao desejo de um bom número dos meus senhores; mas sendo governado por Deus, não entrei em consenso e nem me delonguei com eles, não por minha graça, mas Deus que venceu em mim e resistiu contra todos eles, afim de que eu viesse aos povos da Irlanda pregar o evangelho e suportar as injúrias dos incrédulos, para que possa se ouvir o infortúnio das minhas peregrinações e muitas perseguições e até prisões; de maneira que possa dar minha liberdade pelo bem de outros, e se digno for, estou pronto para dar até mesmo minha vida sem hesitação e de boa vontade, pelo nome do Senhor e nesse lugar escolho devotar minha vida até a morte, se assim o Senhor me permitir.


Porque sou grande devedor de Deus, que tamanha graça me concedeu, que muitos povos através de mim renasceriam em Deus, e como seria confirmado depois, os clérigos seriam ordenados por eles em toda parte em favor das pessoas que recentemente viriam a acreditar, esses que o Senhor atraiu dos confins da terra, assim como já foi prometido pelos seus profetas: “para ti virão povos dos confins da terra” e dirão: porque nossos pais nos deixaram apenas ídolos falsos e não há mais neles proveito; e mais: ponho-te como luz para os gentios para que tu possas levar salvação até os confins da terra.


Eu desejo então esperar por sua promessa, que jamais falha, assim como no evangelho está escrito: virão do oriente e do ocidente e sentar-se-ão a mesa com Abraão, Isaac e Jacó. Assim como acreditamos que os crentes virão do mundo inteiro.


Por este motivo então, é necessário verdadeiramente pescar bem e diligentemente, assim como o Senhor prediz e ensina dizendo: “Sigam-me e farei de vós pescadores de homens”; e ainda pelos profetas: “Eis que eu envio muitos pescadores e caçadores”, diz Deus, etc. Portanto é muito importante lançar nossa rede, para que uma imensa multidão seja apanhada para Deus e em toda parte haja clero para batizar e exortar o povo necessitado e ansioso. Assim como o Senhor disse no evangelho, admoestando e instruindo: “Ide, pois agora por todas as nações ensinando e batizando-os em nome do pai, do filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar em todas as ocasiões tudo o que vos ensinei, e eis que eu estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos”; e ainda diz: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura, quem crer e for batizado será salvo; quem não crer verdadeiramente será condenado”. E ainda: Este evangelho do reino será pregado por todo o mundo como testemunha para todos os povos e então virá o fim; e igualmente o Senhor anunciou por meio do profeta: E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que eu derramarei do meu Espírito sobre toda a carne, e os vossos filhos farão profecias e as vossas filhas também, vossos jovens terão visões e vossos velhos sonharão sonhos e na verdade sobre os meus servos e minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e eles profetizarão; como em Oséias diz: Eu chamarei aqueles que não são meu povo de meu povo e aqueles que não alcançaram misericórdia eu os chamarei de misericordiosos e no lugar em que foi dito a eles, vocês não são meu povo, serão chamados “filhos do Deus vivo”.


Assim, tal como acontece na Irlanda onde nunca tiveram conhecimento de Deus, mas que até o presente momento, só conheciam ídolos e coisas impuras, como que recentemente estão se tornando um povo do Senhor e sendo chamados de filhos de Deus, os filhos dos Scotos e as filhas dos reis, são vistas como monjas e virgens de Cristo?

E ainda uma abençoada irlandesa [Scota], nobre, linda e de idade adulta, que eu batizei; poucos dias depois veio a nós e nos informou que tinha recebido uma profecia de um mensageiro de Deus e sido convidada a ser uma virgem de Cristo e aproximar-se de Deus. Graças a Deus, que seis dias depois, excelente e avidamente ela tomou o caminho que todas as virgens de Deus tomam, mas não com o consentimento dos pais dela, mas suportando perseguições e as reprovações imerecidas de seus parentes. Apesar disso o número delas aumenta (a respeito das que são de nossa raça nascidas lá desconhecemos o número) além das viúvas, e aquelas que mantêm a continência. Mas entre elas as que mais trabalham são as que são mantidas na escravidão. Além de terrores, elas suportam ameaças constantes; mas o Senhor concede muitas graças as suas servas, pois mesmo apesar da prisão (sendo proibidas) elas resolutamente seguem o seu exemplo.


Por isso, mesmo que desejasse me separar deles a fim de ir para Bretanha, e de boa vontade estaria preparado para ir para minha pátria e meus pais, e não somente lá, mas mesmo até a Gália para visitar meus irmãos e para contemplar a face dos santos de meu Senhor: Deus sabe o quanto eu desejei isso, mas atado ao Espírito que me atestou que se fizesse isso, seria designado como culpado. E eu temo perder o trabalho que comecei, e não eu, mas Cristo o Senhor, que me ordenou que viesse estar com eles o resto dos meus dias, se o Senhor desejou isso e me protegeu de todo mau caminho, não devo pecar contra ele.


Espero que eu faça como devo, mas não confio em mim, enquanto estiver neste corpo mortal, porque forte é e cotidianamente esforça-se para desviar-me da fé e da verdadeira santidade de uma religião não fingida a qual aspiro guardar até o fim da vida minha por Cristo meu Senhor, mas a carne inimiga sempre arrasta para a morte, isto é para suas seduções, para as coisas ilícitas. E eu sei em parte que não levo uma vida perfeita assim como outros crentes, mas reconheço diante do meu Senhor, e não me envergonho em sua presença, porque não minto, desde que o vim a conhecê-lo em minha juventude cresceu em mim o amor de Deus e o temor a ele, e até agora pela graça de Deus, tenho mantido a fé.


Que ria e me insulte quem assim o desejar, eu não me calarei e nem esconderei os sinais e maravilhas que foram mostrados a mim pelo Senhor de muitos anos antes que acontecessem, ele que sabe todas as coisas antes mesmo do começo dos tempos.


-- Das Cartas de São Patrício, (século V)

-- texto retirado do site Patrística Brasil, onde o autor traduziu do latim.



4 de mar. de 2011

Os tesouros de São Casimiro


Filho do rei da Polónia, nasceu no ano 1458. Praticou de modo excelente as virtudes cristãs, especialmente a castidade e a bondade para com os pobres. Teve um grande zelo pela promoção da fé e uma singular devoção à Sagrada Eucaristia e a Nossa Senhora. Morreu vítima de tuberculose em 1484. Passados 120 anos de seu enterro, foi aberto o túmulo e encontrou-se seu corpo incorrupto. Nem sequer seus vestidos se haviam deteriorado. Sobre seu peito foi encontrada uma poesia à Santíssima Virgem.

Uma caridade quase inacreditável, não fingida mas sincera, inflamava o coração de Casimiro no amor de Deus pela acção do Espírito divino; e de tal modo transbordava espontaneamente no amor do próximo, que nada era para ele alegria maior, nada lhe era mais agradável, do que dar o que lhe pertencia e dar-se a si próprio aos pobres de Cristo, aos peregrinos, aos doentes, aos prisioneiros e aos atribulados. Para as viúvas, os órfãos e os oprimidos, não era apenas tutor e defensor: era pai, filho e irmão.

E seria necessário escrever uma longa história, se quiséssemos referir cada uma das grandes obras com que demonstrou o seu amor para com Deus e para com os homens.

Dificilmente se pode descrever ou imaginar o seu amor pela justiça, a sua temperança, a sua prudência, a sua constância e fortaleza de ânimo, precisamente naquela idade mais inconsiderada em que os homens costumam ser mais impetuosos e inclinados para o mal.

Todos os dias persuadia o pai a governar com justiça o reino e os povos que lhe estavam submetidos. E se às vezes acontecia, ou por inércia ou pela fraqueza humana, que alguma coisa vinha negligenciada no governo, nunca deixava de repreender o rei com delicadeza.

Abraçava e defendia como suas as causas dos pobres e dos infelizes, e por isso o povo lhe chamava defensor dos pobres. E, apesar de ser filho do rei e de nobre ascendência, nunca se mostrava orgulhoso a tratar ou conversar com qualquer pessoa, por mais humilde que fosse de condição.

Preferiu sempre ser contado entre os humildes e pobres de espírito, dos quais é o reino dos Céus, a ser considerado entre os ilustres e poderosos deste século. Nunca ambicionou o poder; e quando o pai lho ofereceu não o quis aceitar, temendo que o seu ânimo fosse ferido pelo aguilhão das riquezas, a que Nosso Senhor Jesus Cristo chamou espinhos, ou pudesse ser manchado pelo contágio das coisas terrenas.

Todos os da sua casa, os seus camareiros e secretários, dos quais alguns ainda vivem, homens insignes e bons que o conheciam profundamente, asseguram e testemunham que ele viveu em virgindade até ao fim dos seus dias.

-- Da Vida de São Casimiro, escrita por um autor quase contemporâneo

Fama e simplicidade

Com freqüência o espírito fraco, ao receber o bafejo da fama humana por suas boas ações, deixa-se levar para as alegrias exteriores, chegando a interessar-se menos pelo que deseja interiormente. Deleita-se, então, languidamente no que ouve de fora. Alegra-se mais por ser chamado de bem-aventurado do que por sê-lo de fato. Esperando com avidez as palavras de elogio, abandona o que começara a ser. Separa-se de Deus justamente naquilo que deveria ser louvado em Deus.

Ri-se da simplicidade do justo: a sabedoria deste mundo está em esconder as maquinações do coração, velar o sentido das palavras, mostrar como verdadeiro o que é falso, demonstrar ser errado aquilo que é verdadeiro.

Pelo contrário, a sabedoria dos justos consiste em nada fingir por ostentação; declarar o sentido das palavras; amar as coisas verdadeiras tais como são; evitar as falsas; fazer o bem gratuitamente; preferir tolerar de bom grado o mal a fazê-lo; não procurar vingança contra a injúria; reputar lucro a afronta, em bem da verdade. Zomba-se, porém, desta simplicidade dos justos porque para os prudentes deste mundo a virtude da pureza de coração é tida por loucura. Tudo quanto se faz com inocência,eles reputam tolice e aquilo que a verdade aprova nas ações, soa falso à sabedoria humana.

-- Dos Livros “Moralia” sobre Jó, de São Gregório Magno, papa (século V)







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