2 de abr. de 2011

A Santidade não está nas riquezas

Art. 1 — Se a santidade do homem consiste nas riquezas.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a santidade do homem consiste nas riquezas.

1. — Pois, sendo a santidade o fim último do homem, há de consistir no que soberanamente lhe atrai o desejo. — Ora, tais são as riquezas, como diz a Escritura (Ecle 10, 19): Todas as coisas obedecem ao dinheiro. Logo, nelas consiste a santidade do homem.

2. Demais. — Segundo Boécio, a santidade é o estado perfeito, pela reunião de todos os bens. Ora, com o dinheiro pode-se obter tudo, pois a moeda foi inventada para ser como a fiança com a qual o homem consiga tudo quanto quiser. Logo, a santidade consiste nas riquezas.

3. Demais. — O desejo do sumo bem nunca sendo vão, há de ser infinito. Ora, isto soberanamente se dá como o dinheiro, pois, como diz a Escritura (Ecle 5, 9), o avarento jamais se fartará de dinheiro. Logo, nas riquezas consiste a santidade.

Mas, em contrário. — O bem do homem consiste em conservar a santidade, não em dissipá-la. Ora, como diz Boécio, as riquezas mais brilham gastas do que acumuladas: pois, a avareza sempre faz os odiosos e a liberalidade, os gloriosos. Logo, nas riquezas não consiste a santidade.

SOLUÇÃO. — É impossível a santidade do homem consistir nas riquezas. Ora, há duas espécies delas, como diz o Filósofo: as riquezas naturais são as que o homem busca para satisfazer suas necessidades naturais, como a comida e a bebida, os vestuários, os transportes, a habitação e outras semelhantes;  as riquezas artificiais são as que não provêm da natureza, em si mesmas, como o dinheiro, mas que a arte humana inventou para facilitar as trocas e são como a medida das coisas venais.

Ora, é claro que a santidade do homem não pode consistir nas riquezas naturais. Pois, buscando-as ele para outro fim, a saber, o sustento da sua vida, não lhe podem constituir o fim último, antes, para ele se ordenam como fim delas. Por onde, na ordem da natureza, todas essas coisas são inferiores ao homem e para ele feitas, conforme a Escritura (Sl 8, 7): Todas as coisas sujeitaste debaixo de seus pés.

Quanto às riquezas artificiais, elas não são buscadas senão por causa das naturais; pois, não o seriam se com elas não se comprassem as coisas necessárias ao uso da vida. Logo, com maior razão, não podem desempenhar o papel de fim último.

Por onde, é impossível consistir nas riquezas a santidade, último fim do homem.

DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Todas as coisas corpóreas obedecem ao dinheiro, para o sem número de estultos que só conhecem os bens materiais, susceptíveis de serem adquiridos com o dinheiro. Ora, o juízo sobre os bens humanos não o devemos procurar entre os estultos, mas entre os sábios.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Com dinheiro podem-se adquirir todos os bens venais, não porém os espirituais, não susceptíveis de venda. Por isso, diz a Escritura (Pr 17, 16): De que serve ao insensato o ter grandes riquezas, se ele não pode comprar com elas a sabedoria?

RESPOSTA À TERCEIRA. — O desejo das riquezas naturais não é infinito, porque bastam à natureza numa certa medida. Mas o desejo das artificiais é infinito porque serve à concupiscência desordenada, que se não altera, como se vê claramente no Filósofo. Porém, o desejo infinito das riquezas e o desejo do santidade diferem. Pois, quanto mais perfeitamente possuída a santidade, tanto mais é amada e tanto mais se desprezam as outras coisas, porque, quanto mais possuída, mais conhecida; donde o dito da Escritura (Ecl 24, 29): Aqueles que me comem terão ainda fome. E o contrário acontece com o desejo das riquezas e de quaisquer bens temporais, que quando já possuídos, são desprezados, sendo outros desejados, como se exprime a Escritura (Jo 4, 13), quando o Senhor diz: Todo aquele que bebe desta água — como o que se designam os bens temporais — tornará a ter sede. E isso por ser a insuficiência deles mais conhecida quando possuídos. Por onde, isso mesmo põe-lhes a nu a imperfeição e o não poder consistir neles o sumo bem.

-- Da Suma Teológica (parte II, questão 2, artigo I) de Santo Agostinho (século IV)

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