8 de ago. de 2011

Como Santa Clara comeu com São Francisco e seus companheiros


São Francisco, quando estava em Assis, freqüentes vezes visitava Santa Clara, dando-lhe santos ensinamentos. E tendo ela grandíssimo desejo de jantar uma vez com ele, o que lhe pediu muitas vezes, ele nunca lhe quis dar esta oportunidade.

Vendo os seus companheiros o desejo de Santa Clara, disseram a São Francisco: "Pai, a nós nos parece que este rigor não é conforme à caridade divina; que à irmã Clara, virgem tão santa, dileta de Deus, não atendas em coisa tão pequenina como é comer contigo; e especialmente considerando que ela pela tua pregação abandonou as riquezas e as pompas do mundo. E deveras, se te pedisse graça maior do que esta, devias concedê-la à tua planta espiritual".

Então São Francisco respondeu: "Parece-vos que devo atendê-la?" E os companheiros: "Sim, pai: digna coisa é que lhe dês esta oportunidade".

Disse então São Francisco: "Pois se vos parece, a mim também. Mas, para que ela fique mais consolada, quero que esta refeição se faça em Santa Maria dos Anjos; porque ela esteve longo tempo reclusa em São Damião; ser-lhe-á agradável ver o convento de Santa Maria onde foi tonsurada e feita esposa de Jesus Cristo; e ali comeremos juntos em nome de Deus".

Chegando o dia cpmbinado, Santa Clara saiu do mosteiro com uma companheira, e, acompanhada pelos irmãos de São Francisco, chegou a Santa Maria dos Anjos e saudou devotamente a Virgem Maria diante do altar onde fora tonsurada e velada; assim a conduziram a ver o convento até à hora do jantar.

E nesse tempo São Francisco mandou pôr a mesa sobre a terra nua, como de costume. E chegada a hora de jantar, sentaram-se São Francisco e Santa Clara, juntos, e depois todos os companheiros de São Francisco se acomodaram humildemente à mesa.

Como primeira vianda São Francisco começou a falar de Deus tão suave, tão clara, tão maravilhosamente, que, descendo sobre eles a abundância da divina graça, ficaram todos arrebatados em Deus.

E estando assim arrebatados, com os olhos e as mãos levantados para o céu, os homens de Assis e de Betona e os da região circunvizinha viram que Santa Maria dos Anjos e todo o convento e a selva, que havia então ao lado do convento, ardiam inteiramente; e parecia que fosse um grande incêndio que ocupasse a igreja, o convento e a selva, ao mesmo tempo. Pelo que os assisienses com grande pressa correram para ali, crendo firmemente que tudo estava ardendo.

Mas, chegando ao convento e não encontrando nada queimado, entraram dentro e acharam São Francisco com Santa Clara e com toda a sua companhia arrebatados em Deus em contemplação, e assentados ao redor desta humilde mesa. Pelo que compreenderam ter sido aquilo fogo divino e não material, o qual Deus tinha feito aparecer miraculosamente para demonstrar e significar o fogo do divino amor no qual ardiam as almas daqueles santos frades e santas monjas; de onde voltaram com grande consolação em seus corações e com santa edificação.

Assim, passado grande espaço de tempo, São Francisco voltando a si e Santa Clara juntamente com os outros, e sentindo-se bem confortados com o alimento espiritual, não cuidaram do alimento corporal.

E assim, terminado aquele bendito jantar, Santa Clara, bem acompanhada, voltou a São Damião. Pelo que as irmãs ao vê-la tiveram grande alegria; porque temiam que São Francisco a tivesse mandado dirigir um outro mosteiro qualquer, como já mandara Soror Inês, sua santa irmã, para dirigir como abadessa o mosteiro de Monticelli de Florença: e S. Francisco de uma vez dissera a Santa Clara: "Prepara-te, que poderei talvez precisar mandar-te a outro convento".

E ela, como filha da santa obediência, respondera: "Pai, estou sempre pronta a ir aonde me mandares". E portanto as irmãs muito se alegraram quando a viram voltar; e Santa Clara ficou muito consolada.

Em louvor de Cristo. Amém.

-- Dos Fioretti de São Francisco, capítulo XV 

*Os Fioretti (florzinhas) de São de Francisco são um conjunto de pequenos relatos sobre a vida do santo, Santa Clara e os primeiros frades. Transmitidos inicialmente de maneira oral, foram compilados muitos anos após. O Santo morreu em 1226, enquanto a cópia mais antiga disponível hoje, localizada em Berlim, é datada de 1390. Sendo assim, é dificil assegurar a veracidade histórica dos acontecimentos narrados. 

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