9 de ago. de 2011

Mestre, onde moras?

* Homilia do Papa João Paulo II durante a Jornada Mundial da Juventude 1997

Mestre, onde moras? (Jo 1, 38). Certo dia, esta pergunta foi feita a Jesus de Nazaré por dois jovens. Isto aconteceu nas margens do Jordão. Jesus tinha ido receber o batismo de João; mas o Batista, ao ver Jesus que vinha ao seu encontro, diz: Eis o Cordeiro de Deus (Jo 1, 36). Estas palavras proféticas indicavam o Redentor, Aquele que ia dar a Sua vida pela salvação do mundo. Assim, desde o batismo no Jordão, João indicava o Crucificado. Foram precisamente estes dois discípulos de João Baptista que, ao ouvirem estas palavras, seguiram Jesus: não é isto rico de sentido? Quando Jesus lhes perguntou: Que buscais? (Jo 1, 38) eles, por sua vez, responderam com uma pergunta: Rabbi – que quer dizer Mestre – onde moras?  (ibid.). Jesus respondeu-lhes: Vinde ver. Foram, pois, e viram onde morava, e permaneceram junto d’Ele nesse dia (Jo 1, 39). Tornaram-se os primeiros discípulos de Jesus. Um deles era André, que conduziu também a Jesus o seu irmão Simão Pedro.

Caros amigos, estou feliz por poder meditar este Evangelho convosco, juntamente com os Cardeais e os Bispos que estão ao redor de mim. É-me grato saudá-los. Quero agradecer a D. James Francis Stafford e ao Pontifício Conselho para os Leigos a sua activa preparação deste maravilhoso encontro, no seguimento do Cardeal Eduardo Pironio, que muito trabalhou para as Jornadas Mundiais. A minha gratidão dirige-se ao Cardeal Jean-Marie Lustiger pelo seu acolhimento, a D. Michel Dubost, aos Bispos de França e aos dos numerosos países do mundo que vos acompanham e enriqueceram as vossas reflexões. Saúdo também cordialmente os sacerdotes concelebrantes, os religiosos, as religiosas, todos os responsáveis dos vossos movimentos e dos grupos diocesanos.

Agradeço a presença dos nossos irmãos cristãos de outras comunidades, assim como as personalidades civis que quiseram associar-se a esta celebração litúrgica.

Ao saudar todos vós de novo, desejo em particular exprimir o meu encorajamento afetuoso àqueles de entre vós que são deficientes; estamos-lhes gratos por terem vindo conosco e nos trazerem o seu testemunho de fé e de esperança. Recordo igualmente na oração todos os doentes, assistidos no hospital ou na própria casa.
Em nome de todos vós, quereria também exprimir a nossa gratidão aos numerosos voluntários que asseguram, com devotamento e competência, a organização da vossa reunião. Quereria elogiar sentidamente os voluntários pela sua seriedade. Voltemos ao Evangelho.

O breve trecho do Evangelho de João, que acabámos de escutar, diz o essencial do programa da Jornada Mundial da Juventude: um intercâmbio de perguntas, depois uma resposta que é um apelo. Ao apresentar este encontro com Jesus, a liturgia quer mostrar hoje o que mais vale na vossa vida. E eu, Sucessor de Pedro, vim pedir-vos que façais, vós também, esta pergunta a Cristo: Onde moras?. Se Lhe dirigirdes sinceramente esta pergunta, podereis ouvir a Sua resposta e receber d’Ele a coragem e a força para O seguir.

A pergunta é o fruto duma busca. O homem procura a Deus. O jovem compreende no fundo de si mesmo que esta busca é a lei interior da sua existência. O ser humano procura o seu caminho no mundo visível; e, através do mundo visível, procura o invisível ao longo da sua peregrinação espiritual. Cada um de nós pode repetir as palavras do salmista: É a Vossa face, Senhor, que eu procuro; não escondais de mim o Vosso rosto (Sl 27/26, 8-9). Cada um de nós tem a sua história pessoal e traz em si o desejo de ver a Deus, um desejo que se experimenta ao mesmo tempo que se descobre o mundo criado. Este mundo é maravilhoso e rico, desvela diante da humanidade as suas inumeráveis riquezas, seduz, atrai a razão tanto quanto a vontade. Mas, no final das contas, não colma o espírito. O homem dá-se conta de que este mundo, na diversidade das suas riquezas, é superficial e precário; num certo sentido, está destinado à morte. Hoje tomamos mais consciência da fragilidade da nossa terra, com muita frequência degradada pela própria mão do homem, a quem o Criador a confiou.

Quanto ao homem mesmo, ele vem ao mundo, nasce do seio materno, cresce e matura; descobre a sua vocação e desenvolve a sua personalidade ao longo dos seus anos de actividade; depois, aproxima-se o momento em que deve deixar este mundo. Quanto mais longa é a sua vida, tanto mais o homem sente a sua própria precariedade, tanto mais faz a pergunta sobre a imortalidade: o que existe para além das fronteiras da morte? Então, no profundo do ser, surge a pergunta feita Àquele que venceu a morte: «Rabbi, onde moras?». Mestre, Vós que amais e respeitais a pessoa humana, Vós que partilhastes o sofrimento dos homens, que desvelais o mistério da existência humana, fazei-nos descobrir o verdadeiro sentido da nossa vida e da nossa vocação! É a Vossa face, Senhor, que eu procuro; não escondais de mim o Vosso rosto (Sl 27/26, 8-9).

Nas margens do Jordão, e ainda muito mais tarde, os discípulos não sabiam quem era verdadeiramente Jesus. Terão necessidade de muito tempo para compreender o mistério do Filho de Deus. Nós também trazemos em nós o desejo de conhecer Aquele que revela o rosto de Deus. Cristo responde à pergunta dos discípulos através de toda a Sua missão messiânica. Ele ensinava; para confirmar a verdade daquilo que proclamava, fazia grandes prodígios, curava os doentes, ressuscitava os mortos, aplacava as tempestades do mar. Mas todo este caminho fora do comum chegou à sua plenitude no Gólgota. É ao contemplá-l’O na Cruz, com o olhar da fé, que se pode «ver» quem é o Cristo Salvador, Aquele que carrega os nossos sofrimentos, o justo que fez da Sua vida um sacrifício para a justificação das multidões (cf. Is 53, 4.10-11).

São Paulo resume a sabedoria suprema na segunda leitura deste dia, com palavras muito impressionantes: A linguagem da Cruz é loucura para os que se perdem, e poder de Deus para os que se salvam, isto é, para nós, pois está escrito: “Destruirei a sabedoria dos sábios e reprovarei a prudência dos prudentes”. [...] Pois, já que o mundo, com a sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os crentes por meio da loucura da pregação. [...] Nós anunciamos a Cristo crucificado (1 Cor 1, 18-23). O Apóstolo falava ao povo do seu tempo, aos filhos de Israel que tinham recebido a revelação de Deus no monte Sinai e aos Gregos que elaboravam uma alta sabedoria humana, uma grande filosofia. Mas agora, o fim e o ápice da sabedoria, é Cristo crucificado, não só por causa da Sua palavra, mas porque Se doou para a salvação da humanidade!

Com o seu excepcional ardor, São Paulo repete: Anunciamos a Cristo crucificado. Aquele que, aos olhos dos homens, parece não ser senão debilidade e loucura, nós proclamamos como Potência e Sabedoria, plenitude da Verdade. É verdade que em nós a confiança experimenta altos e baixos. É verdade que o nosso olhar de fé é muitas vezes obscurecido pela dúvida e pela nossa própria fragilidade. Humildes e pobres pecadores, aceitamos a mensagem da Cruz. Para responder à nossa pergunta: «Rabbi, onde moras?», Cristo dirige-nos um apelo: vinde ver; na Cruz vós vereis o sinal luminoso da redenção do mundo, a presença amorosa do Deus vivo. Precisamente porque compreenderam que a Cruz domina a história, os cristãos colocaram o crucifixo nas igrejas e à margem dos caminhos, ou levam-no no seu coração. Pois a Cruz é um sinal verdadeiro da presença do Filho de Deus; através deste sinal Se revela o Redentor do mundo. In hoc signo vinces!

Rabbi, onde moras?. A Igreja responde todos os dias: Cristo está presente na Eucaristia, o sacramento da Sua morte e ressurreição. Nela e por ela, reconheceis a morada do Deus vivo na história do homem. Pois a Eucaristia é o sacramento do amor vencedor da morte, é o sacramento da Aliança, puro dom de amor para a reconciliação dos homens; é o dom da presença real de Jesus, o Redentor, no pão que é o seu Corpo imolado, no vinho que é o seu Sangue derramado por todos. Mediante a Eucaristia, incessantemente renovada em todos os povos do mundo, Cristo constitui a sua Igreja: Ele une-nos no louvor e na acção de graças pela salvação, na comunhão que só o amor infinito pode selar. O nosso encontro mundial toma todo o seu sentido agora, pela celebração da Missa. Jovens, meus amigos, que a vossa presença seja uma real adesão na fé! Pois eis que Cristo responde à vossa pergunta e, ao mesmo tempo, aos interrogativos de todos os homens que buscam o Deus vivo. Responde com o Seu convite: este é o Meu Corpo, comei-o todos. Confia ao Pai o Seu desejo supremo da unidade, na mesma comunhão de todos aqueles que por Ele são amados.

A resposta à pergunta: Mestre, onde moras comporta então numerosas dimensões. Tem uma dimensão histórica, pascal e sacramental. A primeira leitura de hoje sugere-nos ainda outra dimensão da resposta à pergunta-tema da Jornada Mundial da Juventude: Cristo habita no seu Povo. É o povo de que fala o Deuteronómio, em relação à história de Israel: Foi porque o Senhor vos ama, porque é fiel ao juramento que fez aos vossos antepassados; por isso, a Sua mão poderosa vos arrancou e salvou da casa da escravidão [...]. Reconhece, então, que o Senhor, teu Deus, é o único Deus, um Deus verdadeiro e fiel ao pacto de misericórdia que estabeleceu com aqueles que O amavam e obedecem às Suas leis, até à milésima geração (Dt 7, 8-9). Israel é o Povo que Deus escolheu para Si, com o qual estabeleceu uma Aliança.

Na Nova Aliança, a eleição de Deus estende-se a todos os povos da terra. Em Jesus Cristo, Deus escolheu toda a humanidade. Revelou a universalidade da eleição mediante a redenção. Em Cristo, já não há Judeu nem Grego, nem escravo nem homem livre, todos não fazem senão um só (cf. Gl3, 28). Todos foram chamados a participar da vida de Deus, graças à morte e à ressurreição de Cristo. O nosso encontro, nesta Jornada Mundial da Juventude, não está a pôr em evidência esta verdade? Todos vós, aqui reunidos, provenientes de tantos países e continentes, sois as testemunhas da vocação universal do Povo de Deus remido por Cristo! A última resposta à pergunta Mestre, onde moras? deve, então, ser entendida assim: habito em todos os seres humanos salvos. Sim, Cristo habita no seu Povo, que aprofundou as suas raízes em todos os povos da terra, o povo que O segue, a Ele, o Senhor crucificado e ressuscitado, o Redentor do mundo, o Mestre que tem palavras de vida eterna, Ele "a Cabeça do povo novo e universal dos filhos de Deus" (Lumen gentium, 13). O Concílio Vaticano II disse de modo admirável: é Ele que "nos deu do Seu Espírito, o qual, sendo um e o mesmo na Cabeça e nos membros, unifica e move o corpo inteiro" (ibid., n. 7). Graças à Igreja que nos faz participar da vida mesma do Senhor, todos nós podemos agora retomar as palavras de Pedro a Jesus: Para quem havemos nós de ir? Para quem outro havemos nós de ir? (cf. Jo 6, 68).

Caros jovens, o vosso caminho não se detém aqui. O tempo não pára hoje. Ide pelas estradas do mundo, pelos caminhos da humanidade, permanecendo unidos na Igreja de Cristo!

Continuai a contemplar a glória de Deus, o amor de Deus; e sereis iluminados para construir a civilização do amor, para ajudar o homem a ver o mundo transfigurado pela sabedoria e o amor eternos.

Perdoados e reconciliados, sede fiéis ao vosso baptismo! Testemunhai o Evangelho! Como membros da Igreja, activos e responsáveis, sede discípulos e testemunhas de Cristo que revela o Pai, permanecei na unidade do Espírito que dá a vida!

-- Homilia do Papa João Paulo II no encerramento do encontro com os jovens em Paris, em 24 de Agosto de 1997.

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