10 de nov. de 2011

Primazia do dom da Profecia sobre o dom de línguas.

Profeta Elias
1a. Carta aos Coríntios, capítulo 14, 1-4
1. Empenhai-vos pelo amor e aspirai aos dons do Espírito, principalmente à profecia..
2. Pois aquele que fala em línguas não fala aos homens, mas a Deus; ninguém o entende, pois ele fala, em êxtase espiritual, coisas misteriosas.
3. Mas aquele que profetiza fala aos homens, edificando, exortando, confortando.
4. Aquele que fala em línguas edifica a si mesmo, porém o que profetiza edifica a Igreja.
Uma vez afirmada a excelência da caridade à respeito dos demais dons, logicamente o Apóstolo compara os demais dons entre si, e mostra a excelência da profecia sobre o dom das línguas. E para isto faz duas coisas. Primeiro mostra a excelência da profecia sobre o dom das línguas, e logo como se deve usar tanto do dom das línguas como o da profecia.
Primeiramente, faz duas coisas. Faz ver que o dom da profecia é mais excelente que o dom das línguas, em primeiro lugar por razões relativas aos infiéis, e em segundo por razões da parte dos fiéis.
A primeira parte se divide por sua vez em duas: primeiro mostra como o dom da profecia é mais excelente que o dom das línguas pelo uso daquele nas exortações ou ensinamentos; e segundo, pelo que vê do uso das línguas, que é para orar. Com efeito, para estas duas coisas é o uso das línguas. Por isso aquele que fala em línguas peça para poder interpretar (14,13).

Enquanto ao primeiro, ainda há duas coisas. Dito está que a caridade excede a todos os dons. Logo se isto é assim, buscai esforçadamente, a caridade, que é o doce e proveitoso vínculo dos espiritos. Ante todas as coisas a caridade, etc. (1P 4,7). Sobre todas as coisas tenham caridade (Cl. 3,14).
Em segundo lugar adiciona: empenhai-vos pelo amor, etc. Como se dissera: embora a caridade seja o maior de todos os dons, contudo os demais não são desdenháveis, senão que desejáveis, desejai com vontade, ardentemente, amando os dons espirituais do Espírito Santo. E quem os fará mal se vos esforçais pelo bem? (1P 3,13). Pois embora o desejo às vezes se toma por fervoroso amor, as vezes por inveja, contudo aqui não tem equivoco: um procede do outro, porque, com efeito, zelar e desejar designam um fervoroso amor a determinada coisa.
Mas ocorre que a coisa amada de maneira tão fervorosa é amada por alguém que não suporta coparticipação, senão que a quer somente para ela e exclusivamente. E isto é o zelo, que segundo alguns é um intenso amor que não suporta coparticipação na coisa amada. Mas nas coisas espirituais ocorre que muitos podem participar delas perfeitissimamente, em vez de um só.
Assim é que na caridade não se dá esse zelo que não tolera coparticipação no que se ama e que só se encontra enquanto deseja coisas corporais, se alguém tem aquilo que ele mesmo zela, sofre; do qual resulta um desejo que vem a ser inveja. De modo que se eu amo honra e riquezas, sofro se alguém as possui, e consequentemente o invejo. E assim é patente que do zelo surge à inveja.
Em consequência, quando se disse: Desejai os dons espirituais, não se trata da inveja, porque as coisas espirituais podem ser possuidas por muitos; e se disse que deve-se desejar é só para induzir a um fervente amor de Deus.
Mas como nas coisas espirituais existem certos graus, porque a profecia excede o dom de línguas, se disse: especialmente a profecia, como se dissera: entre os dons espirituais desejai com maior  vontade o dom da profecia. Não extingais o Espirito; não desprezeis a profecia (1Filem 5,19-20).
Mas para a explicação de todo o capítulo devem-se ter desde agora em conta três coisas, a saber: o que é profecia, de quantos modos se designa a profecia na Sagrada Escritura, e o que é falar em línguas.
Acerca do primeiro se deve saber que profeta é algo assim como o que vê ao longe, e em segundo lugar alguns o entendem como falar prognósticos, mas todavia melhor se toma por guia, faról, que é o mesmo que ver.
Pelo qual em 1 Reis 9,9 se disse que a quem agora se chama profeta em outro tempo se chamava vidente. Daqui que a visão daquelas coisas que estão distantes, ou que são futuros incertos, ou que estão por cima da nossa razão, se designa com o nome de profecia.
É, pois, a profecia, a visão ou manifestação de futuros incertos ou do que excede a inteligência humana. Mas para tal visão se requerem quatro coisas.
Com efeito, como nosso conhecimento é mediante as coisas corporais e por espectros ou imagens tomadas das coisas sensíveis, primeiramente se necessita que na imaginação se formem semelhanças corporais das coisas que se mostram, como ensina Dionísio, pelo qual é impossível que nos ilumine a luz divina se não seja mediante a diversidade das coisas sagradas envoltas em véus.

O que em segundo lugar se necessita é uma luz intelectual que ilumine o entendimento sobre coisas que se devem conhecer acima de nossa natural cognição. Com efeito, como a luz intelectual não se dá senão sobre as semelhanças sensíveis formadas na imaginação para serem entendidas, aquele a quem tais semelhanças se mostram não pode ser chamado profeta, mas senão um sonhador, como o Faraó, que embora tenha visto espigas e vacas, as quais indicavam certos fatos futuros, como não entendeu o que viu, não se chama profeta, senão que o é, aquele José, que fez a interpretação. E o mesmo há que dizer de Nabucodonosor, que viu a estátua, mas não entendeu. Pelo qual tampouco ele foi chamado profeta, senão a Daniel. Pelo qual se disse em Daniel 10,1: Lhe foi dada na visão sua inteligência.
O que em terceiro lugar se necessita é ousadia para anunciar o revelado. Pois para isto fez Deus suas revelações: para que sejam manifestadas aos demais. Eis que eu ponho minhas palavras na tua boca (Jr. 1.9).
O quarto são os milagres, que são para a certeza da profecia. Pois se não fizerem alguns, que excedam as forças naturais, não crerão naquilo que está por cima da cognição natural.
Pelo que aponta ao segundo, os modos da profecia, sabemos que existem diversos modos de ser profeta. Com efeito, às vezes se diz que alguém é profeta porque tem estas quatro coisas, a saber: que vê visões imaginárias, e têm a compreensão delas, e ousadamente as manifesta aos demais e também faz milagres.
Chama-se também às vezes profeta o que só tem as visões imaginárias, mas impropriamente e muito de longe.
Também se diz às vezes profeta ao que tem a luz intelectual para explicar também as visões imaginárias, ou feitas a ele mesmo, ou a outros; ou para expor os ditos dos profetas ou as Escrituras dos Apóstolos.
Profeta Jonas
E assim diz-se profeta a todo o que discerne as escrituras dos doutores, porque se interpretam com o mesmo Espírito com que são declaradas. Pelo qual se podem chamar profetas a Salomão e a David, enquanto tiveram luz intelectual para uma clara e sutíl penetração; mas a visão de Davi foi tão só intelectual.
Se diz também que alguém é profeta pelo único fato de que declare ditos de profetas, ou os exponha, ou os cante na Igreja, e deste modo se diz que Saul se contava entre os profetas (I Rs 19,23-24), ou seja, entre aqueles que cantaram os ditos dos profetas.
Diz-se também que alguém é profeta se faz milagres, segundo aquilo de que o corpo morto de Eliseu profetizou (Sl 48,14), ou seja, que fez um milagre.
Mas o que aqui diz o Apóstolo em todo o capítulo sobre os profetas deve-se entender do segundo modo, isto é, do que se diz que profetiza aquele que explica em virtude da luz divina intelectual as visões recebidas por ele mesmo ou por outros. É claro que aqui se trata desta classe de profetas.
Quanto ao dom de línguas devemos saber que como na Igreja primitiva eram poucos os consagrados para pregar pelo mundo a fé de Cristo, a fim de que mais facilmente e a muitos anunciassem a palavra de Deus, o Senhor deu-lhes o dom de línguas, para que a todos ensinassem, não de modo que falando uma só língua fossem entendidos por todos, como alguns dizem, mas sim, bem literalmente, de maneira que nas línguas dos diversos povos falassem as de todos. Pelo qual disse o Apóstolo: Dou graças a Deus porque falo as línguas de todos vós (1Cor 14,18). E em Atos 2,4, se disse: Falavam em várias línguas, etc. E na Igreja primitiva muitos alcançaram de Deus este dom.
Mas os corintios, que eram de indiscreta curiosidade, preferiam esse dom que o da profecia. E aqui por falar em língua, o Apóstolo entende que em língua desconhecida e não explicada: como se alguem falasse em língua teutônica a um galês, sem explicá-la, esse tal fala em língua. E também é falar em língua o falar de visões somente, sem explicá-las. De modo que toda locução não entendida, não explicada, qualquer que seja? Seja, propriamente falar em língua.
Visto estas coisas, dediquemo-nos à exposição da carta, que é clara. E para isto faz o Apóstolo duas coisas. Primeramente prova que o dom de profecia é mais excelente que o dom de línguas; e em segundo lugar rechaça qualquer objeção. Desejo que faleis todos em línguas; prefiro, contudo, que profetizeis (1Cor 14,5). Que o dom de profecia exceda o dom de línguas o prova com duas razões, das quais toma a primeira da comparação de Deus com a Igreja; e a segunda razão se toma da comparação dos homens com a Igreja.
primeira razão é a seguinte: Aquilo pelo qual faz o homem as coisas que não são unicamente em honra de Deus, mas também para utilidade dos próximos é melhor que aquilo que se faz tão unicamente em honra de Deus. É assim que a profecia é não unicamente em honra de Deus, mas também para a utilidade do próximo, e pelo dom de línguas se faz unicamente o que é em honra de Deus. 
E esta razão se desenvolve, primeiramente enquanto ao que o que é dito em língua, tão unicamente honra à Deus. O expressa com essas palavras: Pois aquele que fala em línguas não fala aos homens, mas a Deus; ninguém o entende, pois ele fala, em êxtase espiritual, coisas misteriosas, isto é, tão unicamente em honra de Deus (1Cor 14,2). Ou à Deus, porque o mesmo Deus entende: O ouvido de Deus zeloso escuta tudo. (Sb 1,10). E o que não se disse ao homem, adiciona: Nada ele ouve, isto é, nada ele entende. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça (Mt 13,9). Mas o que só a Deus é falado, compreende-se que o próprio Deus fala. Pelo qual disse: ele fala, em êxtase espiritual, coisas misteriosas (1Cor 14,2). Porque não sereis vós que falarão, senão o Espírito de vosso Pai é que falará em vós. (Mt 10,20).
Em segundo lugar prova que a profecia é em honra de Deus e para utilidade dos próximos. Pelo qual disse: Porque quem profetiza, etc. (1Co 14,3), isto é, o que explica visões ou escrituras, lhes fala aos homens, quer dizer, ao entendimento dos homens, e isto para edificação dos principiantes, e para exortação dos fiéis e consolo dos aflitos.

Mas a edificação corresponde a uma disposição espiritual. Em quem também vós estais sendo juntamente edificados (Ef. 2,22). E a exortação é para induzir a boas ações, porque se a disposição é boa, boa será tambem a ação. Estas coisas ensinam e exortam (Tt. 2,1,4). A consolação induz a paciência ante os males. Tudo quanto foi escrito, para nos ensinar se escreveu (Rm 15,4).
Pois bem, a estas três coisas induzem os proclamadores da Divina Escritura.
A segunda razão é esta: o que é útil tão somente para quem o faz é menor que aquilo que também a outros aproveita. É assim que o falar em línguas é somente para a utilidade de quem as fala, ao invés, o profetizar aproveita a outros.
Averigua esta razão, e primeiramente enquanto a sua primeira parte, para o qual disse: O que fala em línguas edifica-se a si mesmo (1Cor 14,4). Dentro de mim meu coração ardia (Sl. 38,4). Em segundo lugar enquanto a sua segunda parte, para o qual disse: Mas o que profetiza edifica, instruindo, a Igreja, isto é, aos fiéis. Edificados sobre o fundamento dos Apóstolos e dos Profetas (Ef. 2,20).

-- Dos Comentários à Carta aos Coríntios, livro de São Tomás de Aquino , bispo (século XIII)

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