7 de dez. de 2011

Maria, mãe de Deus - um guia de leituras bíblicas (parte I)


Maria da humildade.
Obra de Domenico di Bortolo, 1433)
O papel importante que desempenha a mãe de Jesus na tradição cristã está esboçado nas Escrituras desde a revelação. Se a primeira geração cristã centrou seu interesse no ministério de Jesus, do batismo até a Páscoa (At 1,22; 10,37ss; 13,24ss), foi porque deveria responder a urgência da missão apostólica. Era normal que os relatos sobre a infância de Jesus aparecessem tardíamente. 

São Marcos os ignora, contentando-se a mencionar somente duas vezes a mãe de Jesus (Mc 3,31-35; 6,3). São Mateus os conhece, porém centra os relatos em José, o descendente de Davi, que recebe mensagens celestiais (Mt 1,20s; 2,13.20.22); e no nome de Jesus, o filho da Virgem (Mt 1,18-25). São Lucas destaca María plenamente; ela desempenha um papel principal, é uma personagem importante; está presente também nas origens da Igreja, no Cenáculo  (At 1,14). Finalmente, São João enquadra a vida de Jesus entre cenas marianas (Jo 2,1-12; 19,25ss). Tanto em Caná, como no Calvário, define Maria primeiro como aquela que crê, depois como mãe dos discípulos. Esta tomada de consciência progressiva de Maria não é mero amadurecimento psicológico, pois reflete um conhecimento mais profundo do mistério de Jesus, inseparável da "mulher" da qual escolheu nascer (Gal 4,4). 

Alguns títulos marianos são especialmente importantes e merecem atenção.

I. A Filha de Sião

1. María aparece em primeiro lugar semelhante a outras mulheres da época. Como testemunham os textos da época e as numerosas Marías do NT, seu nome, o mesmo de uma irmã de Moisés (Ex 15,20), era comum na época de Jesus. Em aramaico significa provavelmente «princesa» ou «senhora». Lucas, apoiando-se em tradições da Palestina, apresenta María como uma piedosa mulher judía, fielmente submissa a lei (Lc 2,22.27.39), falando nos mesmos termos do AT l ao responder ao anjo (Lc 1,38). O Magnificat é uma compilação de salmos e se inspira principalmente no cântico de Ana (Lc 1,46-55; 1Sm 2,1-10).

2. Todavía, segundo Lucas, María não é uma mulher simples judía. Nas cenas da anunciação e da visitação (Lc 1,26-56) apresenta María como a filha de Sião, no exato sentido que tinha esta expressão no AT: a personificação do povo de Deus. Quando o anjo diz "regojiza" (Lc 1,28), não é uma saudação comum, mas evoca as promessas da vinda do Senhor a sua cidade santa (Sf 3,14-17; Zc 9,9). O título «cheia de graças», a faz objeto especial do amor divino e lembra várias personagens importantes da história do povo judaico. Estes indicios literários correspondem a função que exerce María nestas cenas: somente ela recebe,  em nome da casa de Jacó, o anuncio da salvação; ela aceita e faz assim possível seu cumprimento.  Finalmente, no Magnificat combina sua gratidão pessoal (Lc 1,46-49) com outros em que fala em nome da raça de Abraão, com reconhecimento e júbilo (Lc 1,50-55).

II. A Virgem

1. A virgindade de María na concepção de Jesus se afirma em dois textos independentes (Lc 1,26-38; Mt 1,18-23). Está confirmada por alguns testemunhos antigos de João: os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus (Jo 1, 13). A virgindade está, portanto, solidamente testemunhada; seu sentido é expreseado claramente por São Mateus como uma realização da profecia (Is 7,14); São Lucas também refere-se a mesma profecía (Lc 1,31s).

2. María desejava a virgindade? Seu casamento com José exige, a primeira vista, uma resposta negativa. Além disso, é sabido que Israel não dava grande valor religioso a la virgindade (Jz 11,37s). São Lucas, porém, relata uma fato importante. Ao anjo que lhe anuncia sua maternidade, objeta María: Como será isto, pois não conheço homem? (Lc 1,34). A frase não é clara e tem recibido muitas interpretacões. A mais tradicional, sustentada por estudiosos, é esta: María é a esposa legal de José. Se neste matrimonio mantem relações conjugais normais (que a língua bíblica designa pela palavra «conhecer», p. e., Gn 4,1), o anúncio de sua maternidade não pode cria nenhum problema. José pertece a família de Davi; seu filho pode ser o Messías anunciado pelo anjo. Então a pergunta perde significado. Porém, seu significado permite outra tradução: "pois não quero conhecer nenhum homem". Indicaria em Maria um propósito de virgindade. Esta decisão seria surpreendente para uma jovem esposa, mas estudos indicam que não era totalmente estranha na Palestina da época. Além disso, uma jovem que desejasse guardar virgindade não poderia recusar um casamento decidido pelo seu pai. Portanto, bem examinado, o texto é favorável a virgindade de Maria.

3. E qual sentido Maria dava a esta virgindade? Entre os essênios da época, o celibato era justificado como uma estado de pureza, significava a abstenção de pecados da carne. Maria não expressa seus motivos, mas pelo relato de São Lucas, haveria razões mais espirituais e positivas. O anjo do Senhor a chama de "muito amada". Já Maria que ser sua "serva", com um gesto nobre (Lc 1,38). Sua virgindade seria assim uma consagração, um dom de amor exclusivo ao Senhor. Isto já aparece esboçado no AT. Embora não fale em virgindade religiosa, não cessa de pedir um amor fiel e exclusivo ao Senhor (Dt 6,5). Maria, desta forma, reservando-se inteiramente a Ele, responde ao chamamento dos profetas (Oseias, Jeremias, Ezequiel, ..), de muitos salmos (Sl 16; Sl 23; Sl 42; Sl 63; Sl 84) e dos livro dos Cânticos dos Cânticos.

4. A menção à "irmãos" de Jesus (Mc 3,31; Mc 6,3; Jo 7,3; At 1,14; 1Cor 9,5; Gal 1,19) tem conduzido vários críticos a supor que Maria não manteve a virgidnade após o nascimento de Jesus. Esta opinião contradiz a tradição, que não atribui nenhum outro filho a Maria. Tam'bem é sabido que na língua original, "irmão" poderia se referir a parentes próximos e aliados de Jesus.


III. A MÃE

Em todos os relatos da tradição evangélica, Maria é, acima de tudo, a mãe de Jesus. Diversos textos utilizam este título (Mc 3,31; Lc 2,48; Jo 2,1-12; 19,25s). E isto define toda sua função na obra da salvação. 

1. A maternidade é voluntária, como destaca o relato da Anunciação (Lc 1,26-38). Ante a notícia inesperada, São Lucas deixa claro que a preocupação é como conciliar este chamado de Deus com a virgindade. O anjo responde que aceitar a maternidade também permitirá aceitar a virgindade. Maria, completamente esclarecida, aceita; é a serva do Senhor, como foram servos Abraão, Moisés e os profetas; seu serviço, como o deles; é aceito em liberdade.

Stabat Mater.
Obra de Gentile da Fabriano, 1410.
2. Quando Maria dá a luz, sua tarefa, como a de todas as mães, está apenas começando. Deve educar a Jesus. Com José compartilha suas responsabilidades, leva o filho ao templo para apresentá-lo ao Senhor. Recebe de Simeão, como resposta, o anúncio de sua missão (Lc 2,29-32.34s).

3. Maria ainda é a mãe quando Jesus chega a idade adulta. Está junto do filho nos momentos decisivos (Mc 3,21.31; Jo 19,25ss). Aos doze anos, israelita já em idade considerada adulta, Jesus proclama a seus pais que deve, antes de tudo, obedecer a seu Pai celestial (Lc 2,49). Quando inicia sua missõ em Caná, suas palavras a Maria, "mulher deixa-me" (Jo 2,4) são as de um filho preocupada com sua responsabilidades, que reinvidica independência. No futuro, Maria aparece masi como uma mulher fiel (Mc 3,32-35; Lc 11,27s).

4. Tudo se consuma na cruz. Simeão, ao prever o destino de Jesus, já havia anunciado que a espada iria atravessar a alma de maria e unir-la ao sacrifício de seu filho redentor (Lc 2,34s). Esta consumada sua amternidade, como descreve São João (Jo 19,25ss). Maria está em pé junto da cruz. Jesus lhe chama "mulher", que indica sua autoridade de Senhor. Mostrando a Maria o discípulo presente, diz: "Eis o teu filho", chamando-a a uma nova maternidade, mãe do povo de Deus, que será agora seu papel. São Lucas insinua esta missão mostrando-a em oração com os apóstolos, a espera do Espírito Santo (At 1,14). 



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