28 de jul. de 2012

Sobre as Santas irmãs Marta e Maria


As palavras de nosso Senhor Jesus Cristo nos advertem que, em meio à multiplicidade das ocupações deste mundo, devemos aspirar a um único fim. Aspiramos porque estamos a caminho e não em morada permanente; ainda em viagem e não na pátria definitiva; ainda no tempo do desejo e não na posse plena. Mas devemos aspirar, sem preguiça e sem desânimo, a fim de podermos um dia chegar ao fim. 

Marta e Maria eram irmãs, não apenas irmãs de sangue, mas também pelos sentimentos religiosos. Ambas estavam unidas ao Senhor; ambas, em perfeita harmonia, serviam ao Senhor corporalmente presente. Marta o recebeu como costumam ser recebidos os peregrinos. No entanto, era a serva que recebia o seu Senhor; uma doente que acolhia o Salvador; uma criatura que hospedava o Criador. Recebeu o Senhor para lhe dar o alimento corporal, ela que precisava do alimento espiritual. O Senhor quis tomar a forma de servo e, nesta condição, ser alimentado pelos servos, por condescendência, não por necessidade. Também foi por condescendência que se apresentou para ser alimentado. Pois tinha assumido um corpo que lhe fazia sentir fome e sede.

Portanto, o Senhor foi recebido como hóspede, ele que veio para o que era seu, e os seus não o acolheram. Mas, a todos que o receberam, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,11-12). Adotou os servos e os fez irmãos; remiu os cativos e os fez co-herdeiros. Que ninguém dentre vós ouse dizer: Felizes os que  mereceram receber a Cristo em sua casa! Não te entristeças, não te lamentes por teres nascido num tempo em que já não podes ver o Senhor corporalmente. Ele não te privou desta honra, pois afirmou: Todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes (Mt 25,40).

Aliás, Marta, permite-me dizer-te: Bendita sejas pelo teu bom serviço! Buscas o descanso como recompensa pelo teu trabalho. Agora estás ocupada com muitos serviços, queres alimentar os corpos que são mortais, embora sejam de pessoas santas. Mas, quando chegares à outra pátria, acaso encontrarás peregrinos para hospedar? encontrarás um faminto para repartires com ele o pão? um sedento para dares de beber? um doente para visitar? um desunido para reconciliar? um morto para sepultar? Lá não haverá nada disso. Então o que haverá? O que Maria escolheu: lá seremos alimentados, não alimentaremos. Lá se cumprirá com perfeição e em plenitude o que Maria escolheu aqui: daquela mesa farta, ela recolhia as migalhas da palavra do Senhor. Queres realmente saber o que há de acontecer lá? É o próprio Senhor quem diz a respeito de seus servos: Em verdade eu vos digo: ele mesmo vai fazê-los sentar-se à mesa e, passando, os servirá (Lc 12,37).

-- Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (século V)

Os três últimos artigos do Creio (Compêndio da Doutrina Católica)

Que nos ensina o décimo artigo do Credo: a remissão dos pecados?
- Que Deus deixou a sua Igreja o poder de perdoar todos os pecados por meio dos sacramentos.

Fora da Igreja pode-se esperar o perdão dos pecados?
- Certamente não; fora da Igreja  não há remissão dos pecados, nem esperança de salvação.

Que nos ensina o undécimo artigo: a ressurreição da carne?
- Que todos os homens, no fim do mundo, hão de ressuscitar por virtude de Deus Onipotente, recobrando cada um a sua alma e o corpo que dantes tivera.

Que nos ensina finalmente o último Artigo: a vida eterna?
- Que para os bons cristãos esta preparado no Céu um prêmio eterno.

E o que coisa se reserva para os infiéis e para os maus cristãos?
- A eles se dará uma pena no Inferno.

Que quer dizer esta voz, Amém, que no fim dos símbolo se ajunta?
- Quer dizer "assim é", que vem a ser o mesmo que "tudo quanto está dito é verdadeiro, é certo".

 -- Compêndio da Doutrina Cristã, por São Roberto Belarmino (século XVI)

Outros artigos do Creio:
  • Primeiro artigo: Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra;
  • Segundo artigo: e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,
  • Terceiro artigo: que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;
  • Quarto artigo: padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
  • Quinto artigo: desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia;
  • Sexto artigo: subiu aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso,
  • Sétimo artigode onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
  • Oitavo artigo Creio no Espírito Santo
  • Nono artigo Creio na Santa Igreja Católica, na comunhão dos santos

27 de jul. de 2012

Capítulo 4 - Da prudência nas ações

    Prudência - Luca Giordano

  1. Não se há de dar crédito a toda palavra nem a qualquer impressão, mas cautelosa e naturalmente se deve, diante de Deus, ponderar as coisas. Mas, ai! Que mais facilmente acreditamos e dizemos dos outros o mal que o bem, tal é a nossa fraqueza. As almas perfeitas, porém, não creem levianamente em qualquer coisa que se lhes conta, pois conhecem a fraqueza humana inclinada ao mal e fácil de pecar por palavras.
  2. Grande sabedoria é não ser precipitado nas ações, nem aferrado obstinadamente à sua própria opinião; sabedoria é também não acreditar em tudo que nos dizem, nem comunicar logo a outros o que ouvimos ou suspeitamos. Toma conselho com um varão sábio e consciencioso, e procura antes ser instruído por outrem, melhor que tu, que seguir teu próprio parecer. A vida virtuosa faz o homem sábio diante de Deus e entendido em muitas coisas. Quanto mais humilde for cada um em si e mais sujeito a Deus, tanto mais prudente será e calmo em tudo.

-- Do livro "Imitação de Cristo"(século XV)

26 de jul. de 2012

Os filhos, dom preciosíssimo do matrimonio


Segundo o desígnio de Deus, o matrimónio é o fundamento da mais ampla comunidade da família, pois que o próprio instituto do matrimonio e o amor conjugal se ordenam à procriação e educação da prole, na qual encontram a sua coroação.

Na sua realidade mais profunda, o amor é essencialmente dom e o amor conjugal, enquanto conduz os esposos ao conhecimento recíproco que os torna uma só carne, não se esgota no interior do próprio casal, já que os habilita para a máxima doação possível, pela qual se tornam cooperadores com Deus no dom da vida a uma nova pessoa humana. Deste modo, os cônjuges, enquanto se doam entre si, doam para além de si mesmo a realidade do filho, reflexo vivo do seu amor, sinal permanente da unidade conjugal e síntese viva e indissociável do ser pai e mãe.

Tornando-se pais, os esposos recebem de Deus o dom de uma nova responsabilidade. O seu amor paternal é chamado a tornar-se para os filhos o sinal visível do próprio amor de Deus, do qual deriva toda a paternidade no céu e na terra.

Não deve todavia esquecer-se que, mesmo quando a procriação não é possível, nem por isso a vida conjugal perde o seu valor. A esterilidade física, de fato, pode ser para os esposos ocasião de outros serviços importantes à vida da pessoa humana, como por exemplo a adoção, as várias formas de obras educativas, a ajuda a outras famílias, às crianças pobres ou deficientes.

No matrimonio e na família constitui-se um complexo de relações interpessoais - vida conjugal, paternidade-maternidade, filiação, fraternidade - mediante as quais cada pessoa humana é introduzida na família humana e na família de Deus, que é a Igreja.

O matrimonio e a família dos cristãos edificam a Igreja: na família, de fato, a pessoa humana não só é gerada e progressivamente introduzida, mediante a educação, na comunidade humana, mas mediante a regeneração do batismo e a educação na fé, é introduzida também na família de Deus, que é a Igreja.

A família humana, desagregada pelo pecado, é reconstituída na sua unidade pela força redentora da morte e ressurreição de Cristo. O matrimonio cristão, partícipe da eficácia salvífica deste acontecimento, constitui o lugar natural onde se cumpre a inserção da pessoa humana na grande família da Igreja.

O mandato de crescer e de multiplicar-se, dirigido desde o princípio ao homem e à mulher, atinge desta maneira a sua plena verdade e a sua integral realização.

A Igreja encontra assim na família, nascida do sacramento, o seu berço e o lugar onde pode atuar a própria inserção nas gerações humanas, e estas, reciprocamente, na Igreja.

-- Da Exortação Apostólica Familiaris Consortium, do Papa João Paulo II, em 22 de Novembro de 1981

23 de jul. de 2012

O homem imagem de Deus Amor


* Na próxima sexta-feira celebraremos a festa de São Joaquim e Santa Ana, pais de Nossa Senhora. Aproveitando o exemplo desta santa família, vou publicar alguns trechos de uma exortação essencial  escrita pelo Papa João Paulo II sobre a família, chamada Familiaris Consortium


Deus criou o homem à sua imagem e semelhança: chamando-o à existência por amor, chamou-o ao mesmo tempo ao amor.

Deus é amor e vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Criando-a à sua imagem e conservando-a continuamente no ser, Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação, e, assim, a capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão. O amor é, portanto, a fundamental e originária vocação do ser humano.

Enquanto espírito encarnado, isto é, alma que se exprime no corpo informado por um espírito imortal, o homem é chamado ao amor nesta sua totalidade unificada. O amor abraça também o corpo humano e o corpo torna-se participante do amor espiritual.

A Revelação cristã conhece dois modos específicos de realizar a vocação da pessoa humana na sua totalidade ao amor: o Matrimónio e a Virgindade. Quer um quer outro, na sua respectiva forma própria, são uma concretização da verdade mais profunda do homem, do seu «ser à imagem de Deus».

Por consequência a sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se doam um ao outro com os actos próprios e exclusivos dos esposos, não é em absoluto algo puramente biológico, mas diz respeito ao núcleo íntimo da pessoa humana como tal. Esta realiza-se de maneira verdadeiramente humana, somente se é parte integral do amor com o qual homem e mulher se empenham totalmente um para com o outro até à morte. A doação física total seria falsa se não fosse sinal e fruto da doação pessoal total, na qual toda a pessoa, mesmo na sua dimensão temporal, está presente: se a pessoa se reservasse alguma coisa ou a possibilidade de decidir de modo diferente para o futuro, só por isto já não se doaria totalmente.

Esta totalidade, pedida pelo amor conjugal, corresponde também às exigências de uma fecundidade responsável, que, orientada como está para a geração de um ser humano, supera, por sua própria natureza, a ordem puramente biológica, e abarca um conjunto de valores pessoais, para cujo crescimento harmonioso é necessário o estável e concorde contributo dos pais.

O «lugar» único, que torna possível esta doação segundo a sua verdade total, é o matrimónio, ou seja o pacto de amor conjugal ou escolha consciente e livre, com a qual o homem e a mulher recebem a comunidade íntima de vida e de amor, querida pelo próprio Deus que só a esta luz manifesta o seu verdadeiro significado. A instituição matrimonial não é uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma exigência interior do pacto de amor conjugal que publicamente se afirma como único e exclusivo, para que seja vivida assim a plena fidelidade ao desígnio de Deus Criador. Longe de mortificar a liberdade da pessoa, esta fidelidade põe-na em segurança em relação ao subjectivismo e relativismo, fá-la participante da Sabedoria Criadora.

-- Da Exortação Apostólica Familiaris Consortium, do Papa João Paulo II, em 22 de Novembro de 1981

22 de jul. de 2012

Uma só oração, uma esperança na caridade, na santa alegria


O Martírio de Santo Inácio de Antioquia
Contemplando na fé e amando, nas pessoas acima mencionadas, toda a comunidade, eu vos exorto a empregardes todo o empenho em fazer tudo na concórdia de Deus, sob a presidência do bispo, em lugar de Deus, e dos presbíteros em lugar do senado apostólico, bem como dos diáconos, meus caríssimos. A eles, com efeito, foi confiado o ministério de Jesus Cristo, que antes dos séculos era com o Pai e apareceu no fim dos tempos. Todos, então, recebida a mesma vida divina, respeitai-vos mutuamente e ninguém considere o próximo segundo a carne, mas amai-vos sempre uns aos outros em  Jesus Cristo. Nada haja em vós que vos possa separar. Uni-vos ao bispo e aos que presidem, como uma figura e demonstração da imortalidade.

Da mesma forma que, sem o Pai unido a ele, o Senhor nada fez por si nem pelos apóstolos, assim também vós, sem o bispo e os presbíteros, nada executeis. Também não tenteis fazer passar por coisa boa o que se fizer em separado. Reunindo-vos, porém, seja uma só oração, uma só súplica, um só modo de pensar, uma só esperança na caridade, na santa alegria, pois um só é Jesus Cristo, mais excelente do que tudo. Acorrei todos como a um só templo de Deus, como a um só altar, a um só Jesus Cristo, que proveio de um só Pai, com ele só esteve e a ele voltou.

Não vos deixeis seduzir por doutrinas estranhas e velhas e inúteis fábulas. Se ainda vivemos de acordo com a lei judaica, confessamos não ter ainda recebido a graça. Pois os santos profetas já viveram em conformidade com Jesus Cristo. Por este motivo, inspirados por sua graça, sofreram perseguição, a fim de incutir certeza nos incrédulos de que há um só Deus, que se manifestou por Jesus Cristo, seu Filho, seu Verbo brotado do silêncio, que em tudo agradou àquele que o enviara.

Há quem negue a ressurreição de Cristo. Como isto é possível, se por ela recebemos o mistério da fé e por sua causa nos constituímos discípulos de Cristo, nosso único doutor? Se, pois, os que viveram sob a antiga economia chegaram à nova esperança, e assim não mais respeitam o sábado, porém, o domingo, no qual nossa vida ressurgiu por Cristo e sua morte, como poderemos viver sem ele, a quem os profetas esperaram como mestre e de quem já eram discípulos pelo espírito? Por esta razão, ao vir aquele a quem esperavam com justiça, foram ressuscitados dos mortos.

-- Da Carta aos Magnésios, de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir (século I)

20 de jul. de 2012

Capítulo 3 - Dos ensinamentos da verdade

Pilatos interroga Jesus
  1. Bem-aventurado aquele a quem a verdade por si mesma ensina, não por figuras e vozes que passam, mas como em si é. Nossa opinião e nossos juízos muitas vezes nos enganam e pouco alcançam. De que serve a sutil especulação sobre questões misteriosas e obscuras, de cuja ignorância não seremos julgados? Grande loucura é descurarmos as coisas úteis e necessárias, entregando-nos, com avidez, às curiosas e nocivas. Temos olhos para não ver (Sl 113,13).
  2. Que se nos dá dos gêneros e das espécies dos filósofos? Aquele a quem fala o Verbo eterno se desembaraça de muitas questões. Desse Verbo único procedem todas as coisas e todas o proclamam e esse é o princípio que também nos fala (Jo 8,25). Sem ele não há entendimento nem reto juízo. Quem acha tudo neste Único, e tudo a ele refere e nele tudo vê, poderá ter o coração firme e permanecer em paz com Deus. Ó Deus de verdade, fazei-me um convosco na eterna caridade! Enfastia-me, muita vez, ler e ouvir tantas coisas; pois em vós acho tudo quanto quero e desejo. Calem-se todos os doutores, emudeçam todas as criaturas em vossa presença; falai-me vós só.
  3. Quanto mais recolhido for cada um e mais simples de coração, tanto mais sublimes coisas entenderá sem esforço, porque do alto recebe a luz da inteligência. O espírito puro, singelo e constante não se distrai no meio de múltiplas ocupações porque faz tudo para honra de Deus, sem buscar em coisa alguma o seu próprio interesse. Que mais te impede e perturba do que os afetos imortificados do teu coração? O homem bom e piedoso ordena primeiro no seu interior as obras exteriores; nem estas o arrasam aos impulsos de alguma inclinação viciosa, senão que as submete ao arbítrio da reta razão. Que mais rude combate haverá do que procurar vencer-se a si mesmo? E este deveria ser nosso empenho: vencermo-nos a nós mesmos, tornarmo-nos cada dia mais fortes e progredirmos no bem.
  4. Toda a perfeição, nesta vida, é mesclada de alguma imperfeição, e todas as nossas luzes são misturadas de sombras. O humilde conhecimento de ti mesmo é caminho mais certo para Deus que as profundas pesquisas da ciência. Não é reprovável a ciência ou qualquer outro conhecimento das coisas, pois é boa em si e ordenada por Deus; sempre, porém, devemos preferir-lhe a boa consciência e a vida virtuosa. Muitos, porém, estudam mais para saber, que para bem viver; por isso erram a miúdo e pouco ou nenhum fruto colhem.
  5. Ah! Se se empregasse tanta diligência em extirpar vícios e implantar virtudes como em ventilar questões, não haveria tantos males e escândalos no povo, nem tanta relaxação nos claustros. De certo, no dia do juízo não se nos perguntará o que lemos, mas o que fizemos; nem quão bem temos falado, mas quão honestamente temos vivido. Dize-me: onde estão agora todos aqueles senhores e mestres que bem conheceste, quando viviam e floresciam nas escolas? Já outros possuem suas prebendas, e nem sei se porventura deles se lembram. Em vida pareciam valer alguma coisa, e hoje ninguém deles fala.
  6. Oh! Como passa depressa a glória do mundo! Oxalá a sua vida tenha correspondido à sua ciência; porque, destarte, terão lido e estudado com fruto. Quantos, neste mundo, descuidados do serviço de Deus, se perdem por uma ciência vã! E porque antes querem ser grandes que humildes, se esvaecem em seus pensamentos (Rom 1,21). Verdadeiramente grande é aquele que a seus olhos é pequeno e avalia em nada as maiores honras. Verdadeiramente prudente é quem considera como lodo tudo o que é terreno, para ganhar a Cristo (Flp 3,8). E verdadeiramente sábio aquele que faz a vontade de Deus e renuncia a própria vontade.
-- Do livro "Imitação de Cristo"(século XV)

18 de jul. de 2012

Capítulo 2 - Do humilde sentir de si mesmo

  1. Todo homem tem desejo natural de saber; mas que aproveitará a ciência, sem o temor de Deus? Melhor é, por certo, o humilde camponês que serve a Deus, do que o filósofo soberbo que observa o curso dos astros, mas se descuida de si mesmo. Aquele que se conhece bem se despreza e não se compraz em humanos louvores. Se eu soubesse quanto há no mundo, porém me faltasse a caridade, de que me serviria isso perante Deus, que me há de julgar segundo minhas obras?
  2. Renuncia ao desordenado desejo de saber, porque nele há muita distração e ilusão. Os letrados gostam de ser vistos e tidos por sábios. Muitas coisas há cujo conhecimento pouco ou nada aproveita à alma. E mui insensato é quem de outras coisas se ocupa e não das que tocam à sua salvação. As muitas palavras não satisfazem à alma, mas uma palavra boa refrigera o espírito e uma consciência pura inspira grande confiança em Deus.
  3. Quanto mais e melhor souberes, tanto mais rigorosamente serás julgado, se com isso não viveres mais santamente. Não te desvaneças, pois, com qualquer arte ou conhecimento que recebeste. Se te parece que sabes e entendes bem muitas coisas, lembra-te que é muito mais o que ignoras. Não te presumas de alta sabedoria (Rom 11,20); antes, confessa a tua ignorância. Como tu queres a alguém te preferir, quando se acham muitos mais doutos do que tu e mais versados na lei? Se queres saber e aprender coisa útil, deseja ser desconhecido e tido por nada.
  4. Não há melhor e mais útil estudo que se conhecer perfeitamente e desprezar-se a si mesmo. Ter-se por nada e pensar sempre bem e favoravelmente dos outros, prova é de grande sabedoria e perfeição. Ainda quando vejas alguém pecar publicamente ou cometer faltas graves, nem por isso te deves julgar melhor, pois não sabes quanto tempo poderás perseverar no bem. Nós todos somos fracos, mas a ninguém deves considerar mais fraco que a ti mesmo.
-- Do livro "Imitação de Cristo"(século XV)

17 de jul. de 2012

O Bom Pastor e as vocações


No quarto domingo de Páscoa, contemplamos Cristo ressuscitado, que diz de Si mesmo: "Eu sou a porta das ovelhas" (Jo 10, 7).

Nomeia-se também Bom Pastor; com aquelas palavras Ele completa em certo sentido esta imagem, dando-lhe nova dimensão:

"Em verdade, em verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz; chama pelo nome as suas ovelhas, e leva-as para fora. E depois de fazer sair todas as ovelhas, vai adiante delas e as ovelhas seguem-no, porque conhecem a sua voz. Mas não seguirão um estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos" (Jo 10, 1-5).

Jesus, portanto, é a porta do redil. Ao atribuir-se esta qualificação, Jesus apresenta-se a si mesmo como o caminho obrigatório para se entrar pacificamente na comunidade dos remidos: Ele é de facto o único mediador, por meio do qual Deus se comunica aos homens e os homens têm acesso a Deus. Quem não passa através desta "porta" é "ladrão e salteador". Através de tal porta, ao contrário, passa a gente seguindo-O a Ele, que é o verdadeiro Pastor.

Tende portanto muito presente — comentava Santo Agostinho — que o Senhor Jesus Cristo é a porta, e é o pastor: é a porta, pois se abre a Si mesmo (na revelação), e é o pastor, pois entra por si mesmo, Para dizer a verdade, ó irmãos, a prerrogativa de pastor comunicou-a também aos Seus membros; e assim é pastor Pedro, e é pastor Paulo, e os outros apóstolos são pastores, e os bons Bispos são pastores. Nenhum de nós, porém, se atreve a dizer que é a porta; Cristo reservou, a Si só, ser a porta, através da qual entram as ovelhas (In Io. Evang. Tr. 47, 3).

Esta imagem de Cristo, que, como único "Bom Pastor", é ao mesmo tempo a "porta das ovelhas", deve estar diante dos olhos de nós todos.

Deveis tê-la diante dos olhos de modo particular vós, caros Irmãos meus, os concelebrantes comigo nesta santa Missa, com que se inaugura o Congresso internacional das Vocações.

[trecho saudando os participantes do Congresso e algumas observações pontuais  - o texto completo esta publicado no site do Vaticano ]*

O problema das vocações sacerdotais — e também das religiosas tanto masculinas como femininas — é, di-lo-ei sem rebuço, o problema fundamental da Igreja. É verificação da sua vitalidade espiritual e é a condição mesma de tal vitalidade. É a condição da sua missão e do seu desenvolvimento.

Isto refere-se tanto à Igreja, na sua missão universal, como também a cada Igreja local, à diocese e por analogia às Congregações religiosas. É necessário portanto considerar este problema em cada uma destas dimensões, se a nossa actividade no sector do despertar das vocações quer ser apropriada e eficaz.

As vocações são o sinal da vitalidade da Igreja. A vida gera vida. Não por acaso o Decreto sobre a formação sacerdotal, tratando do dever de "dar incremento às vocações", sublinha "estar a comunidade cristã obrigada a desempenhar este encargo, primeiro que tudo, com uma vida perfeitamente cristã" (Optatam totius, 2). Como um terreno mostra a riqueza dos próprios sucos vitais pela pujança e viço da messe que nele se desenvolve (a referência à parábola evangélica do semeador é aqui espontânea: cf. Mt 13, 3-23), assim uma Comunidade eclesial dá prova do seu vigor e da sua maturidade com o florescimento das vocações, que chega nela a afirmar-se.

As vocações são também a condição da vitalidade da Igreja. Não há dúvida que esta depende do conjunto dos membros de cada comunidade, do "apostolado comum", em particular do "apostolado dos leigos". Todavia é igualmente certo que, para o desenvolvimento deste apostolado, se revela indispensável precisamente o ministério sacerdotal. Isto, aliás, muito bem o sabem os leigos mesmos. O autêntico apostolado dos leigos baseia-se no ministério sacerdotal — e, por sua vez, manifesta a própria autenticidade conseguindo, além do mais, fazer desabrochar no próprio âmbito novas vocações.

Pode-se perguntar porque estão assim as coisas.

Tocamos aqui a dimensão fundamental do problema, quer dizer, a verdade mesma sobre a Igreja: a realidade da Igreja, assim como foi plasmada por Cristo no mistério pascal e como se vai constantemente plasmando sob a acção do Espírito Santo. Para reconstruir na consciência, ou aprofundar, a convicção a respeito da importância das vocações, deve-se remontar às raízes mesmas de uma sã eclesiologia, assim como elas nos foram desveladas pelo Vaticano II. O problema das vocações, o problema do despertar delas, pertence de modo orgânico àquele grande dever, que se pode chamar "a realização do Vaticano II".

As vocações sacerdotais são a verificação e ao mesmo tempo a condição da vitalidade da Igreja, primeiro que tudo porque esta vitalidade encontra a sua incessante fonte na Eucaristia, como centro e apogeu de toda a evangelização e da plena vida sacramental. Brota daqui a necessidade indispensável da presença do ministro ordenado, que seja capaz de celebrar precisamente a Eucaristia.

E que dizer, em seguida, dos outros sacramentos, mediante os quais se alimenta a vida da Comunidade cristã? Quem administraria, em particular, o sacramento da penitência, se viessem a faltar os sacerdotes? E este sacramento é o meio estabelecido por Cristo para o renovamento da alma e para a sua activa integração no contexto vital da Comunidade. Quem atenderia ao serviço da Palavra? Todavia, na actual economia da salvação, "a fé depende da pregação e a pregação por sua vez realiza-se pela palavra de Cristo" (Rom 10, 17).

Há ainda as vocações para a vida consagrada. Constituem a verificação e ao mesmo tempo a condição da vitalidade da Igreja, porque tal vitalidade deve encontrar, por vontade de Cristo, a sua expressão no radical testemunho evangélico, prestado ao Reino de Deus no meio de tudo o que é temporal.

O problema das vocações não deixa de ser, caros Irmãos, problema que tenho a peito de modo muito particular. Disse-o em diversas ocasiões. Estou convencido que — não obstante todas as circunstâncias que fazem parte da crise espiritual existente em toda a civilização contemporânea — o Espírito Santo não deixa de operar nas almas. Ele, pelo contrário, opera ainda com maior intensidade. E é precisamente daqui que se abrem, também diante da Igreja de hoje, favoráveis perspectivas em matéria de vocações, contanto que ela procure ser autenticamente fiel a Cristo; contanto que ela ilimitadamente espere no poder da Sua redenção — e procure fazer todo o possível para "ter direito" a "esta confiança".

"Condição da communio específica do Povo de Deus — disse eu noutra circunstância — é a pluralidade das vocações e também a pluralidade dos carismas. É única a vocação cristã comum: a chamada à santidade; e único é o fundamental carisma de ser cristão: o sacramento do baptismo; todavia, sobre o seu fundamento distinguem-se as vocações particulares, como a sacerdotal e a religiosa e, ao lado destas, a vocação dos leigos que, por sua vez, traz consigo todo o conjunto das variedades possíveis. Os leigos, de facto, em diversos modos podem participar da missão da Igreja no seu apostolado.

Servem a comunidade mesma da Igreja, tomando parte, por exemplo, na catequese ou no serviço caritativo e, contemporaneamente, abrem no mundo as estradas em tantos campos do compromisso que lhes é próprio.

Servir a comunhão do Povo de Deus na Igreja significa cuidar das vocações diversas e dos carismas na sua especificidade, e actuar para que se completem reciprocamente, assim como os vários membros no organismo (cf. 1 Cor 12, 12 ss.).

Podemos olhar confiadamente para o futuro das vocações, podemos contar com a eficácia dos nossos esforços que tendem a despertá-las, se afastamos de nós, de modo consciente e decisivo, aquela particular "tentação eclesiológica" dos nossos tempos, que de diversas partes e com múltiplas motivações procura introduzir-se nas consciências e nas atitudes do povo cristão. Quero aludir às propostas que tendem a "laicizar" o ministério e a vida sacerdotal, a substituir os ministros "sacramentais" por outros "ministros" considerados mais em correspondência com as exigências pastorais hodiernas, e também a privar a vocação religiosa do carácter de testemunho profético do Reino, orientando-a exclusivamente para funções de animação social ou mesmo de empenho directamente político. Esta tentação diz respeito à eclesiologia, como lucidamente se expressou o Papa Paulo VI, que, falando na Assembleia Geral da Conferência Episcopal Italiana sobre os problemas do Sacerdócio ministerial, declarava: "O que nos aflige a este propósito é a suposição, mais ou menos penetrada em certas mentalidades, de que se pode prescindir da Igreja como ela é, da sua doutrina, da sua constituição, da sua derivação histórica evangélica e hagiográfica, e é possível inventar-lhe e criar-lhe uma nova, segundo dados esquemas ideológicos e sociológicos, mudáveis eles também e não apoiados em intrínsecas exigências eclesiais; de maneira que se vê por vezes que, a abalar e a enfraquecer a Igreja neste particular, não são tanto os inimigos de fora, quanto alguns filhos seus, alguns que pretendem, de dentro, ser livres promotores dela" (Insegnamenti di Paolo VI, vol. VIII, 1970, p. 302).

Cristo é a porta das ovelhas. Todos os esforços da Igreja — e em particular do vosso Congresso —, todas as orações da nossa assembleia eucarística de hoje, confirmem de novo esta verdade.

Dêem-lhe a eficácia plena. Entrem através dessa "porta" sempre gerações novas de pastores da Igreja. Sempre novas gerações de "administradores dos mistérios de Deus" (1 Cor 4, 1). Sempre novas falanges de homens e mulheres que por meio de toda a sua vida — mediante a pobreza, a castidade e a obediência livremente aceites e professadas — dêem testemunho do Reino, que não é deste mundo e não passa nunca.

Cristo — Porta das ovelhas — abra-se de par em par para o futuro do Povo de Deus em toda a terra.

E aceite tudo o que, segundo as nossas débeis forças — mas apoiando-se na imensidade da Sua graça — procuramos fazer para despertar as vocações.

Interceda por nós nestas iniciativas a humilde Serva do Senhor, que é o modelo mais perfeito de todos os chamados; Ela que é chamada do Alto respondeu: "Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1, 38).

-- Homília do Papa João Paulo II, em 10 de Maio de 1981.

13 de jul. de 2012

O nono artigo do Creio (Compêndio da Doutrina Católica)


Que nos ensina o nono artigo: Creio na Santa Igreja Católica, na comunhão dos santos?
- Que é necessário crer na Santa Igreja Católica e reconhecer a união que há entre todos os membros da Igreja.

O que é Igreja Católica?
- Uma congregação de todos os fiéis que professam a fé e lei de Jesus Cristo, sob o governo dos legítimos pastores e obediência ao Pontífice Romano.

Esta congegação, quem tem por cabeça?
- Tem por sua cabeça invisível Jesus Cristo no céu e por sua cabeça visível na Terra o Romano Pontífice, Vigário de Jesus Cristo.

Porque chama-se "santa" esta Igreja?
- Porque a cabeça, Jesus Cristo, é santa; e tem muitos membros santos; tem a fé, a lei e os santos sacramentos.

O que quer dizer "católica"?
- Quer dizer universal.

E que quer dizer "universal"?
- Significa que a Igreja compreende os fiéis de todos os tempos, todos os lugares, de toda e qualquer idade e qualidade.

Porque logo depois do artigo sobre o Espírito Santo fala-se da Igreja?
- Para mostrar que toda santidade da Igreja provêm do Espírito Santo, que é autor de toda santidade.

O que quer dizer "comunhão dos santos"?
- Refere-se a participação nas orações e boas obras realizadas na mesma Igreja.

E participam deste bem espiritual os gentios, hebreus, hereges, cismáticos, apóstatas e excomungados?
- Não participam porque estão fora da Igreja.

Esta comunicação dos santos se estende também ao céu e ao purgatório?
- Sim, porque os santos rogam a Deus por nós e pelas almas do purgatório; e nós podemos aliviar as mesmas almas com orações, esmolas e outras boas obras.

 -- Compêndio da Doutrina Cristã, por São Roberto Belarmino (século XVI)
Outros artigos do Creio:
  • Primeiro artigo: Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra;
  • Segundo artigo: e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,
  • Terceiro artigo: que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;
  • Quarto artigo: padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
  • Quinto artigo: desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia;
  • Sexto artigo: subiu aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso,
  • Sétimo artigode onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
  • Oitavo artigo Creio no Espírito Santo


Capítulo 1 - Da imitação de Cristo e desprezo de todas as vaidades do mundo

Antonio de Pereda, A Alegoria da Vida ou
A Alegoria da Vaidade do Mundo, 1637.
1. Quem me segue não anda nas trevas, diz o Senhor (Jo 8,12). São estas as palavras de Cristo, pelas quais somos advertidos que imitemos sua vida e seus costumes, se verdadeiramente queremos ser iluminados e livres de toda cegueira de coração. Seja, pois, o nosso principal empenho meditar sobre a vida de Jesus Cristo.

2. A doutrina de Cristo é mais excelente que a de todos os santos, e quem tiver seu espírito encontrará nela um maná escondido. Sucede, porém, que muitos, embora ouçam frequentemente o Evangelho, sentem nele pouco enlevo: é que não possuem o espírito de Cristo. Quem quiser compreender e saborear plenamente as palavras de Cristo é-lhe preciso que procure conformar à dele toda a sua vida.

3. Que te aproveita discutires sabiamente sobre a SS. Trindade, se não és humilde, desagradando, assim, a essa mesma Trindade? Na verdade, não são palavras elevadas que fazem o homem justo; mas é a vida virtuosa que o torna agradável a Deus. Prefiro sentir a contrição dentro de minha alma, a saber defini-la. Se soubesses de cor toda a Bíblia e as sentenças de todos os filósofos, de que te serviria tudo isso sem a caridade e a graça de Deus? Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade (Ecle 1,2), senão amar a Deus e só a ele servir. A suprema sabedoria é esta: pelo desprezo do mundo tender ao reino dos céus.

4. Vaidade é, pois, buscar riquezas perecedoras e confiar nelas. Vaidade é também ambicionar honras e desejar posição elevada. Vaidade, seguir os apetites da carne e desejar aquilo pelo que, depois, serás gravemente castigado. Vaidade, desejar longa vida e, entretanto, descuidar-se de que seja boa. Vaidade, só atender à vida presente sem providenciar para a futura. Vaidade, amar o que passa tão rapidamente, e não buscar, pressuroso, a felicidade que sempre dura.

-- Do livro "Imitação de Cristo"(século XV)

A Imitação de Cristo

Aos poucos começaremos a publicar capítulos do livro A Imitação de Cristo, livro atribuído ao monge alemão Tomás de Kempis e escrito no século XV.
Este livro é considerado um dos livros mais importantes para quem deseja seguir uma vida cristã.
Foi o livro que acompanhou Santo Inácio de Loyola durante a concepção dos Exercícios Espirituais Inacianos e também admirado por outros santos como São Tomás More e Santa Tereza de Lisieux, que podia citar trechos do livro de cabeça.
Segue um trecho do prólogo:

“Se o livro “Imitação de Cristo” te é familiar, antes de leres esta nova tradução, ouve o que aqui te digo para melhor apreciares tão precioso tesouro. Se, por descuido, ainda não gostares de tão santa leitura, não desdenhes o que por acaso aqui leres; e, se bem refletires, conhecerás quanto tens perdido em não te aproveitares dum meio tão seguro de santificação.
Depois do Evangelho, que vem de Deus, de todos os livros que saíram das mãos do homem, o mais admirável e o mais popular é a “Imitação de Cristo”: nenhum outro mereceu maior estima entre os homens, nem parece mais bem feito para cada um deles, quando o lêem. Não é ele obra engenhos do saber humano, posto que o seu autor conheça a fundo o nosso coração e saiba falar-lhe a linguagem de suas aspirações íntimas; é a efusão de uma alma iluminada do céu e penetrada do profundo sentimento das coisas divinas. O estilo é simples, sem ornato, e por vezes incorreto; porém, a força e a majestade dos pensamentos imprimem-lhe uma espécie de grandeza maravilhosa, que eleva a alma, derrama nela celestial unção, e como a encanta com os dons do Espírito Santo…”
O livro é dividido em quatro partes e ao todo são 114 capítulos:
  • Avisos úteis para a vida espiritual
  • Exortações à vida interior
  • Da consolação interior
  • Do sacramento do altar

Recomenda-se lê-lo após fazer uma oração. Espero que aproveitem a leitura.

11 de jul. de 2012

Santo é o templo de Deus, que sois vós

Eu e o Pai viremos e faremos nele nossa morada. Franqueia, então, a tua porta ao que vem, abre tua alma, alarga o íntimo de tua mente para veres as riquezas da simplicidade, os tesouros da paz, a doçura da graça. Dilata o coração e corre ao encontro do sol, da eterna luz, a que ilumina a todo homem. Esta luz verdadeira brilha para todos. Mas, se alguém fecha as janelas, priva-se da eterna luz. Assim também Cristo é repelido se fechas a porta de teu espírito. Embora possa entrar, não quer ser importuno, não quer entrar à força. Recusa-se a usar de coação!

Nascido da Virgem, ele saiu do seio, irradiando luz sobre o mundo inteiro, refulgindo para todos. Os que desejam, acolhem a claridade inextinguível que noite alguma interrompe. Pois à do sol que vemos diariamente, sucede a noite escura; mas o sol da justiça jamais se põe, porque à sabedoria não sucede a maldade.

Feliz aquele a cuja porta Cristo bate. Nossa porta é a fé, que, quando sólida, defende a casa toda. Por esta porta Cristo entra. Daí dizer a Igreja no Cântico: A voz de meu irmão bate à porta. Escuta o que bate, escuta o que deseja entrar: Abre para mim, minha irmã esposa, minha pomba, minha perfeita, porque tenho a cabeça coberta de orvalho e meus cabelos, das gotas da noite.

Observa que o Deus Verbo bate à porta principalmente quando sua cabeça está coberta de orvalho noturno. Digna-se visitar os atribulados e tentados, para que não sucumbam às amarguras.A cabeça cobre-se de orvalho e de gotas quando o corpo sofre. Importa, portanto, vigiar para não ficar excluído à chegada do Esposo. Se dormes e o teu coração  não vigia, afasta-se antes de bater. Se o teu coração está vigilante, bate e pede ser-lhe  aberta a porta.

Possuímos a porta de nossa alma, possuímos também portais sobre os quais se diz: Levantai, príncipes, vossos portais, erguei-vos, portas eternas, e entrará o Rei da glória. Se quiseres levantar os portais de tua fé, entrará em ti o Rei da glória, trazendo a vitória de sua paixão. Tem também portas a justiça. Delas lemos o que disse o Senhor Jesus por meio de seu profeta:  Abri-me as portas da justiça.

Há quem tenha portas, há quem tenha portais. A essas portas Cristo bate, bate aos portais. Abre, então, para ele; quer entrar, quer encontrar vigilante a Esposa.

-- Do comentário sobre o Salmo 118, de Santo Ambrósio, bispo (século V)

10 de jul. de 2012

São Bento de Núrcia - 11 de Julho

Queridos irmãos e irmãs!

São Bento, fundador dos Beneditinos
Gostaria hoje de falar de São Bento, Fundador do monaquismo ocidental, e também Padroeiro do meu pontificado. Começo com uma palavra de São Gregório Magno, que escreve de São Bento: "O homem de Deus que brilhou nesta terra com tantos milagres não resplandeceu menos pela eloquência com que soube expor a sua doutrina" (Dial. II, 36). O grande Papa escreveu estas palavras no ano de 592; o santo monge tinha falecido 50 anos antes e ainda estava vivo na memória do povo sobretudo na florescente Ordem religiosa por ele fundada. São Bento de Núrcia com a sua vida e a sua obra exerceu uma influência fundamental sobre o desenvolvimento da civilização e da cultura europeia. A fonte mais importante sobre a sua vida é o segundo livro dos Diálogos de São Gregório Magno. Não é uma biografia no sentido clássico. Segundo as ideias do seu tempo, ele pretende ilustrar mediante o exemplo de um homem concreto precisamente de São Bento a subida aos cumes da contemplação, que pode ser realizada por quem se abandona a Deus. Portanto, tem-se um modelo da vida humana como subida para o vértice da perfeição. São Gregório Magno narra também, neste livro dos Diálogos, de muitos milagres realizados pelo Santo, e também aqui não quer narrar simplesmente algo de estranho, mas demonstrar como Deus, admoestando, ajudando e também punindo, intervenha nas situações concretas da vida do homem. Quer mostrar que Deus não é uma hipótese distante colocada na origem do mundo, mas está presente na vida do homem, de cada homem.

Esta perspectiva do "biógrafo" explica-se também à luz do contexto geral do seu tempo: entre os séculos V e VI o mundo estava envolvido por uma tremenda crise de valores e de instituições, causada pela queda do Império Romano, pela invasão dos novos povos e pela decadência dos costumes. Com a apresentação de São Bento como "astro luminoso", Gregório queria indicar nesta situação atormentada, precisamente aqui nesta cidade de Roma, a saída da "noite escura da história" (cf. João Paulo II, Insegnamenti, II/1, 1979, p. 1158). De facto, a obra do Santo e, de modo particular, a sua Regra revelaram-se portadoras de um autêntico fermento espiritual, que mudou no decorrer dos séculos, muito além dos confins da sua Pátria e do seu tempo, o rosto da Europa, suscitando depois da queda da unidade política criada pelo império romano uma nova unidade espiritual e cultural, a da fé cristã partilhada pelos povos do continente. Surgiu precisamente assim a realidade à qual nós chamamos "Europa".

O nascimento de São Bento é datado por volta de 480. Provinha, assim diz São Gregório, "ex provincia Nursiae" da região da Núrsia. Os seus pais abastados enviaram-no para Roma para a sua formação nos estudos. Mas ele não permaneceu por muito tempo na Cidade eterna. Como explicação plenamente credível, Gregório menciona o facto de que o jovem Bento sentia repugnância pelo estilo de vida de muitos dos seus companheiros de estudos, que viviam de modo dissoluto, e não queria cair nos mesmos erros deles. Desejava aprazer unicamente a Deus; "soli Deo placere desiderans" (II Dial., Prol. 1). Assim, ainda antes da conclusão dos seus estudos, Bento deixou Roma e retirou-se na solidão dos montes a leste da cidade. Depois de uma primeira estadia na aldeia de Effide (actualmente Affile), onde durante um certo período se associou a uma "comunidade religiosa" de monges, fez-se eremita na vizinha Subiaco. Ali viveu durante três anos completamente sozinho numa gruta que, a partir da Alta Idade Média, constitui o "coração" de um mosteiro beneditino chamado "Sagrada Espelunca". O período em Subiaco, marcado pela solidão com Deus, foi para Bento um tempo de maturação. Ali tinha que suportar e superar as três tentações fundamentais de cada ser humano: a tentação da auto-suficiência e do desejo de se colocar no centro, a tentação da sensualidade e, por fim, a tentação da ira e da vingança. De facto, Bento estava convencido de que, só depois de ter vencido estas tentações, ele teria podido dizer aos outros uma palavra útil para as suas situações de necessidade. E assim, tendo a alma pacificada, estava em condições de controlar plenamente as pulsões do eu, para deste modo ser um criador de paz em seu redor. Só então decidiu fundar os seus primeiros mosteiros no vale do Anio, perto de Subiaco.

No ano de 529 Bento deixou Subiaco para se estabelecer em Montecassino. Alguns explicaram esta transferência como uma fuga das maquinações de um invejoso eclesiástico local. Mas esta tentativa de explicação revelou-se pouco convincente, dado que Bento não regressou para lá depois da morte repentina do mesmo (II Dial. 8). Na realidade, esta decisão impôs-se-lhe porque tinha entrado numa nova fase da sua maturação interior e da sua experiência monástica. Segundo Gregório Magno, o Êxodo do vale remoto do Anio para Monte Cassio uma altura que, dominando a vasta planície circunstante, se vê ao longe reveste um carácter simbólico: a vida monástica no escondimento tem uma sua razão de ser, mas um mosteiro tem também uma sua finalidade pública na vida da Igreja e da sociedade, deve dar visibilidade à fé como força de vida. De facto, quando, em 21 de Março de 574, Bento concluiu a sua vida terrena, deixou com a sua Regra e com a família beneditina por ele fundada um património que deu nos séculos passados e ainda hoje continua a dar frutos em todo o mundo.

Em todo o segundo livro dos Diálogos Gregório ilustra-nos como a vida de São Bento estivesse imersa numa atmosfera de oração, fundamento portante da sua existência. Sem oração não há experiência de Deus. Mas a espiritualidade de Bento não era uma interioridade fora da realidade. Na agitação e na confusão do seu tempo, ele vivia sob o olhar de Deus e precisamente assim nunca perdeu de vista os deveres da vida quotidiana e o homem com as suas necessidades concretas. Ao ver Deus compreendeu a realidade do homem e a sua missão. Na sua Regra ele qualifica a vida monástica "uma escola ao serviço do Senhor" (Prol. 45) e pede aos seus monges que "à Obra de Deus [ou seja, ao Ofício Divino ou à Liturgia das Horas] nada se anteponha" (43, 3). Mas ressalta que a oração é em primeiro lugar um acto de escuta (Prol. 9-11), que depois se deve traduzir em acção concreta. "O Senhor aguarda que nós respondamos todos os dias com os factos aos seus ensinamentos", afirma ele (Prol. 35). Assim a vida do monge torna-se uma simbiose fecunda entre acção e contemplação "para que em tudo seja glorificado Deus" (57, 9). Em contraste com uma auto-realização fácil e egocêntrica, hoje com frequência exaltada, o primeiro e irrenunciável compromisso do discípulo de São Bento é a busca sincera de Deus (58, 7) sobre o caminho traçado pelo Cristo humilde e obediente (5, 13), ao amor do qual ele nada deve antepor (4, 21; 72, 11) e precisamente assim, no serviço do outro, se torna homem do serviço e da paz. Na prática da obediência realizada com uma fé animada pelo amor (5, 2), o monge conquista a humildade (5, 1), à qual a Regra dedica um capítulo inteiro (7). Desta forma o homem torna-se cada vez mais conforme com Cristo e alcança a verdadeira auto-realização como criatura à imagem e semelhança de Deus.

À obediência do discípulo deve corresponder a sabedoria do Abade, que no mosteiro desempenha "as funções de Cristo" (2, 2; 63, 13). A sua figura, delineada sobretudo no segundo capítulo da Regra, com um perfil de espiritual beleza e de compromisso exigente, pode ser considerada como um auto-retrato de Bento, porque como escreve Gregório Magno "o Santo não pôde de modo algum ensinar de uma forma diferente da qual viveu" (Dial. II, 36). O Abade deve ser ao mesmo tempo terno e mestre severo (2, 24), um verdadeiro educador. Inflexível contra os vícios, é contudo chamado sobretudo a imitar a ternura do Bom Pastor (27, 8), a "ajudar e não a dominar" (64, 8), a "acentuar mais com os factos do que com as palavras tudo o que é bom e santo" e a "ilustrar os mandamentos divinos com o seu exemplo" (2, 12). Para ser capaz de decidir responsavelmente, também o Abade deve ser homem que escuta "os conselhos dos irmãos" (3, 2), porque "muitas vezes Deus revela ao mais jovem a solução melhor" (3, 3). Esta disposição torna surpreendentemente moderna uma Regra escrita há quase quinze séculos! Um homem de responsabilidade pública, e também em pequenos âmbitos, deve ser sempre também um homem que sabe ouvir e aprender de quanto ouve.

Bento qualifica a Regra como "mínima, traçada só para o início" (73, 8); mas na realidade ela pode oferecer indicações úteis não só para os monges, mas também para todos os que procuram uma guia no seu caminho rumo a Deus. Pela sua ponderação, a sua humanidade e o seu discernimento entre o essencial e o secundário na vida espiritual, ele pôde manter a sua força iluminadora até hoje. Paulo VI, proclamando a 24 de Outubro de 1964 São Bento Padroeiro da Europa, pretendeu reconhecer a obra maravilhosa desempenhada pelo Santo mediante a Regra para a formação da civilização e da cultura europeia. Hoje a Europa que acabou de sair de um século profundamente ferido por duas guerras mundiais e depois do desmoronamento das grandes ideologias que se revelaram como trágicas utopias está em busca da própria identidade. Para criar uma unidade nova e duradoura, são sem dúvida importantes os instrumentos políticos, económicos e jurídicos, mas é preciso também suscitar uma renovação ética e espiritual que se inspire nas raízes cristãs do Continente, porque de outra forma não se pode reconstruir a Europa. Sem esta linfa vital, o homem permanece exposto ao perigo de sucumbir à antiga tentação de se querer remir sozinho utupia que, de formas diferentes, na Europa do século XX causou, como revelou o Papa João Paulo II, "um regresso sem precedentes ao tormento histórico da humanidade" (Insegnamenti, XIII/1, 1990, p. 58). Procurando o verdadeiro progresso, ouvimos também hoje a Regra de São Bento como uma luz para o nosso caminho. O grande monge permanece um verdadeiro mestre em cuja escola podemos aprender a arte de viver o humanismo verdadeiro.

Papa Bento XVI - Audiência Geral - Quarta-feira, 9 de Abril de 2008

9 de jul. de 2012

Como seguir o blog

Um recurso interessante do blog é a possibilidade de receber por email cada texto postado por nós. Na direita, ao alto, tem um espação para digitar o seu endereço de email. Depois basta clicar no botão "Submit". Uma mensagem pedindo confirmação será enviada para o endereço indicado. Siga as instruções da mensagem e você srá mais um seguidor do blog.


7 de jul. de 2012

O oitavo artigo do Creio (Compêndio da Doutrina Católica)

Que nos ensina o oitavo artigo: Creio no Espírito Santo?

- Que o Espírito Santo é a terceira pessoa da Santíssima Trindade, que é Deus Eterno, Onipotente, Criador e Senhor de todas as coisas, como o Pai e o Filho.

De quem procede o Espírito Santo?

- Procede do Pai e do Filho por via de vontade e amor.

Se o Filho procede do Pai e do Filho, parece que o Pai existia antes do Filho, e os dois antes do Espírito Santo. Como pois se diz ser eternas todas as três pessoas?

- Porque desde a eternidade o Pai tem gerado o Filho, e o Pai e o Filho tem produzido o Espírito Santo; pelo que todos os três são eternos e tem sempre existido sem diferença de tempo.

Se tanto a primeira quanto a segunda Pessoas são puríssimas e santíssimas, porque só à terceira pessoa se atribui o nome de Espírito Santo?

- Porque a primeira pessoa tem o seu próprio nome: Pai; e a segunda é Filho e por isso se atribui à terceira o nome comum de Espírito Santo, para distingui-la das demais; nome que lhe é muito próprio, pois a ela se atribui a obra de santificação.

Pode-se dizer que os Anjos e Almas no céu são também "Espíritos Santos"?

- As criaturas são santas porque são santificadas pelo Espírito Santo, mas somente o Espírito Santo é santo por si mesmo e é ele que nos santifica, por esta razão chama-se Espírito Santo por excelência.

O Pai e o Filho nos santificam também?

- Todas as três pessoas nos santificam igualmente.

Se é assim, porque se atribui ao Espírito Santo papel especial na santificação das almas?

- Porque a santificação das almas é obra de amor; e as obras de amor se atribuem ao Espírito Santo.

 -- Compêndio da Doutrina Cristã, por São Roberto Belarmino (século XVI)

Outros artigos do Creio:
  • Primeiro artigo: Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra;
  • Segundo artigo: e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,
  • Terceiro artigo: que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;
  • Quarto artigo: padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
  • Quinto artigo: desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia;
  • Sexto artigo: subiu aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso,
  • Sétimo artigode onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.


Sacrifício para Deus é um espírito contrito


Rei Davi em oração, por Pieter de Grebber

Reconheço o meu pecado, diz Davi. Se eu o reconheço, perdoa-me, Senhor! Mesmo procurando viver bem, de modo algum tenhamos a presunção de ser sem pecado. Que  demos valor à vida em que se pede perdão. Os homens sem esperança, quanto menos  atentam para os próprios pecados, com tanto maior curiosidade espreitam os alheios.  Procuram não o que corrigir, mas o que morder. Não podendo escusar-se, estão prontos  a acusar. Não foi este o exemplo de rogar e de satisfazer a Deus que Davi nos deu,  dizendo: Porque reconheço meu crime e meu pecado está sempre diante de mim. Davi  não estava atento aos pecados alheios. Caía em si, não se desculpava, mas em si mesmo  penetrava e descia cada vez mais profundamente. Não se poupava, e por isso podia  confiadamente pedir para si o perdão.

Queres reconciliar-te com Deus? Repara como procedes contigo, para que Deus te seja  propício. Presta atenção ao salmo, onde lemos: Porque se quisesses um sacrifício, eu o  faria certamente; não te causam prazer os holocaustos. Então ficarás sem sacrifício  para oferecer? Nada oferecerás? Com nenhuma oblação tornarás Deus propício? Que  disseste? Se quisesses um sacrifício, eu o faria certamente; não te causam prazer os  holocaustos. Continua, escuta e dize: Sacrifício para Deus é o espírito contrito; o  coração contrito e humilhado Deus não o despreza. Rejeitado aquilo que oferecias,  encontraste o que oferecer. Como os antepassados, oferecias vítimas de animais, ditos  sacrifícios: Se quisesses um sacrifício, eu o faria certamente. Não queres mais este  gênero de sacrifícios, no entanto, procuras um sacrifício.

Não te causam prazer os holocaustos. Se não tens prazer com os holocaustos, ficarás  sem sacrifício? De modo algum. Sacrifício para Deus é o espírito contrito; o coração  contrito e humilhado Deus não o despreza. Tens o que oferecer. Não examines o  rebanho, não aprestes navios e não atravesses as mais longínquas regiões em busca de  perfumes. Procura em teu coração aquilo de que Deus gosta. O coração deve ser  esmagado. Por que temes que o esmagado pereça? Lê-se aqui: Cria em mim, ó Deus, um  coração puro. Para que seja criado o coração puro, esmague-se o impuro.

Sintamos aborrecimento por nós mesmos quando pecamos, porque os pecados  aborrecem a Deus. Já que não estamos sem pecado, ao menos nisto sejamos  semelhantes a Deus: o que lhe desagrada, desagrade também a nós. Em parte tu te unes  à vontade de Deus, por te desagradar em ti aquilo mesmo que odeia aquele que te fez.

-- Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (século V)

5 de jul. de 2012

Santo Antônio Maria Zacarias


MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II 
AOS CLÉRIGOS REGULARES DE SÃO PAULO 
NO V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO SEU
 SANTO FUNDADOR SANTO ANTÓNIO MARIA ZACARIAS

Ao Rev.do Pe. GIOVANNI MARIA VILLA
Superior-Geral dos Clérigos Regulares de São Paulo

1. Por ocasião do quinto centenário do nascimento de Santo António Maria Zacarias, desejo unir-me espiritualmente à alegria desta Congregação, bem como à das Religiosas Angélicas de São Paulo e do Movimento dos Leigos de São Paulo, e elevar ao Senhor ardentes acções de graças por ter dado à Igreja, na pessoa deste Santo, um incansável imitador do Apóstolo das Nações e um luminoso modelo de caridade pastoral. Formulo os mais sinceros bons votos a fim de que estas solenes celebrações jubilares constituam uma ocasião preciosa para pôr em evidência o dom da santidade resplandecente na Igreja de todos os tempos e que, no século XVI, encontrou em Santo António Maria Zacarias uma singular testemunha. Além disso, faço votos para que o Rev.do Padre, os seus colaboradores e toda a Família espiritual de Santo António Maria Zacarias sigam fidelmente os passos deste Santo. Ele conquistou numerosas almas para a "ciência do amor de Jesus Cristo", suscitando uma variedade de carismas de vida consagrada. Indicava constantemente a meta da santidade, não apenas aos seus religiosos orientados para o caminho da "reforma" ou da "renovação" espiritual, mas a todos os fiéis, a quem recordava que eram chamados a tornar-se "não pequenos... mas grandes santos" (Carta XI).

As celebrações do quinto centenário do nascimento do vosso Fundador representam uma preciosa oportunidade para aprofundar a actualidade da sua mensagem. Estou persuadido de que a reflexão sobre o seu amor ardente por Jesus, "exaltado na Cruz e escondido sob as Espécies eucarísticas", e sobre o seu zelo incansável pelas almas constituirá para os seus filhos espirituais um convite a dedicar-se com renovado ardor à educação humana e cristã das jovens gerações, que representam o futuro da Igreja e da sociedade em geral.

2. Procurando este objectivo, Santo António Maria Zacarias inspirou-se no Apóstolo das Nações e, por este motivo, gostava de se definir como um "Sacerdote do Apóstolo Paulo", indicando este mesmo modelo às Famílias religiosas e ao Movimento laical por ele fundados. E costumava recomendar aos seus seguidores:  "Então, estai persuadidos e certos de que, sobre o fundamento de Paulo, edificareis não o feno nem a lenha, mas o ouro e as margaridas; sobre vós e os vossos entes queridos, abrir-se-ão os céus e os seus tesouros" (Carta VI).

Na escola de São Paulo, ele aprendeu a lei fundamental da vida espiritual como um "crescimento de momento a momento" (Carta X), até alcançar a estatura do homem perfeito em Jesus Cristo, despojando-se incessantemente do  homem  velho,  para  se  revestir  do homem  novo,  na  justiça  e  santidade (cf. Ef 4, 22-24).

Durante a sua vida, ele teve que enfrentar obstáculos e perseguições, mas mostrou sempre coragem e confiança indómitas no Senhor. Hoje, estes mesmos sentimentos devem alimentar quantos fazem parte da sua Família espiritual. Com efeito, é necessário enfrentar com a audácia que nasce do amor a difícil situação em que se encontram não poucas das vossas beneméritas e seculares instituições educativas, para continuar a pôr a riqueza da vossa tradição pedagógica ao serviço dos jovens, das suas famílias e de toda a sociedade.

Da mesma forma, é necessário cuidar com singular zelo da formação cristã das novas gerações, através do anúncio da Palavra de Deus, da pontual e devota celebração dos Sacramentos, de maneira especial do sacramento da Reconciliação, da direcção espiritual, dos retiros e dos exercícios espirituais. Tudo aquilo que constituiu, desde o princípio, um aspecto específico do carisma barnabita exige dos Clérigos Regulares de São Paulo um impulso apostólico audacioso e constante. O Povo de Deus tem mais necessidade do que nunca de guias autorizados e de um alimento abundante, para acolher e viver a ""medida alta" da vida cristã ordinária", através de uma oportuna "pedagogia da santidade" (cf. Novo millennio ineunte, 31).

3. As palavras e o exemplo do Fundador continuam a impelir os seus filhos para uma renovada fidelidade ao impulso missionário, que se alimenta de orações ardentes e se fundamenta sobre uma sólida preparação teológica e cultural. Com efeito, somente assim é possível levar a toda a parte um anúncio incisivo e um testemunho credível do Evangelho (cf. Novo millennio ineunte, 42-57) e contribuir para uma vasta acção da nova evangelização, que diz respeito a toda a Comunidade eclesial. Possa esta benemérita Congregação, haurindo do fecundo património espiritual do seu Fundador, percorrer com decisão o caminho de Deus (cf. Sermão VI), em ordem a dar "vida espiritual" (Carta V) ao povo cristão.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, não tenhais medo de vos empenhardes num combate aberto contra a mediocridade, o compromisso e qualquer forma de tibieza, que o Santo Fundador definia como "nociva e a maior inimiga de Cristo crucificado, que reina com tanta força nos tempos modernos" (Carta V). Cada um tenha a preocupação de fazer frutificar os dons recebidos e perseverar na oração e nas obras de amor, mantendo viva em cada circunstância a confiança da Providência divina.

4. Santo António Maria Zacarias preocupava-se não apenas em recordar constantemente aos leigos a vocação universal à santidade, mas procurava empenhá-los também na evangelização. Imitando o seu exemplo, também vós, queridos Barnabitas, juntamente com as Religiosas Angélicas de São Paulo, não hesiteis em encorajar quantos se sentem chamados a testemunhar o carisma do Fundador nos vários âmbitos da vida social. Além disso, promovei uma atenta e actualizada pastoral vocacional para acompanhar e sustentar aqueles que o Senhor  chama  para  abraçar  a  vida consagrada.

Desta maneira a tríplice Família espiritual fundada por Santo António Maria Zacarias, que segundo o seu exemplo volta a percorrer os passos de São Paulo, crescerá na comunhão de intenções e de corações, e será capaz de propor de novo, com um espírito sempre renovado, o caminho da santidade aos homens e às mulheres do nosso tempo. O Senhor, por intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, de quem Santo António Maria Zacarias foi terno e fiel devoto, suscite em cada um dos membros deste Instituto o entusiasmo e a coragem do bem ao serviço de Deus e dos irmãos mais necessitados.

Com estes bons votos concedo de coração à sua pessoa, Rev.do Padre, aos seus Irmãos Barnabitas, às Religiosas Angélicas e aos membros do Movimento laical de São Paulo, uma especial Bênção apostólica, propiciadora de graças e de  um  renovado  ardor  espiritual  e apostólico.

Vaticano, 5 de Julho de 2002

4 de jul. de 2012

Santa Catarina Drexel




* Uma santa americana para o o 4 de Julho!

Nascida na Filadélfia, estado de Pensilvânia, Estados Unidos da América, em 26 de Novembro de 1858, Katherine Drexel era a segunda filha de Francis Drexel e Hannah Langstroth. Seu pai era um conhecido banqueiro e filantropista. Os pais instilaram em suas filhas a idéia que a riqueza da família era um simples empréstimo de Deus e que deveria ser compartilhada com outros.

Quando a família viajou para o Oeste do país, Katherine, na época uma jovem adolescente, viu a pobreza e miseria que viviam os poucos índios americanos que sobreviveram. Esta experiência despertou o desejo de fazer algo específico para ajudá-los, sendo o início de sua jornada pessoal e ajuda financeira a numerosas missões e missionários que se dedicavam a evangelização dos indígenas. Em 1887 ela estabeleceu a primeira escola para índios, chama Escola Indígina Santa Catarina, na cidade de Santa Fé, Novo México.

Mais tarde, quando visitava o Papa Leão XIII em Roma, pediu que enviasse missionários que ela se responsabilizaria por todos os custos. Foi então que, para sua grande surpresa, o Papa pediu que ela mesma fosse como missionária para aquela região. Após conversar com o seu diretor espiritual, Bispo James O'Connor, tomou a decisão de dedicar-se totalmente a Deus, bem como investir seus bens em favor dos índios e negros americanos.

Tomada a decisão, transformou sua vida radicalmente, gastando para si apenas o mínimo necessário, vivendo na pobreza. Em 12 de Fevereiro de 1891 professou seus votos como religiosa e fundou a Ordem da Irmãs do Santíssimo Sacramento, dedicada a levar a mensagem do Evangelho e a Eucaristia para índios e negros.

Sempre uma mulher de oração, Katherine encontrou na Eucaristia uma fonte que alimentava seu amor pelos pobres e forças para combater o racismo. Sabendo que muitos negros viviam em situação precária, longe de serem realmente livres, pois continuavam trabalhando nas fazendas ou sub-empregos, sem educação e direitos constitucionais, sentia-se especialmente chamada a mudar a mentalidade racista do país. Por exemplo, nos estados do Sul, restrições legais quase impediam os negros de cursarem o ensino básico. 

Em vista disto, fundar e organizar escolas para índios e negros tornou-se uam prioridade para ela e sua congregação. Durante a sua vida, financiou diretamente 60 escolas e missões, especialmente no Oeste e Sul do país. O ápice foi a fundação da Universidade Xavier na Louisiana, a única instituição predominantemente negra e índia de ensino superior. Além disso, dedicava-se também a visitar as famílias, hospitais e prisões. 

Combinando uma vida de oração silenciosa e um determinado ativismo, iluminada pelo Espírito Santo, superou diversos obstáculos e facilitou grandes avanços na justiça social. Através de seu exemplo, reformulou a Igreja Americana, tornando-a consciente que sua missão não se restringia unicamente aos tradicionais católicos, em especial imigrantes italianos e irlandeses. 

Nos últimos 18 anos de sua vida permaneceu quase imóvel devido a uma séria doença. Dedicou-se totalmente a uma vida de adoração e contemplação, como sempre desejara desde a juventude. Faleceu em 3 de março de 1955, aos 96 anos. Foi beatificada pelo Papa João Paulo II, em 20 de Novembro de 1988; e canonizada em 01 de Outubro de 2000 pelo mesmo Papa. Algumas reliquias estão expostas no altar da Capela de Maria na Igreja de São Rafael Arcanjo, em Raleigh, Carolina do Norte; e na Paróquia Katherine Drexel, em Sugar Grove, Illinois. 





3 de jul. de 2012

Meu Senhor e meu Deus!

A Incredulidade de São Tomé - Caravaggio
3 de Julho - Festa de São Tomé
Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio (Jo 20,24). Era o único discípulo que estava ausente. Ao voltar, ouviu o que acontecera, mas negou-se a acreditar. Veio de novo o Senhor, e mostrou seu lado ao discípulo incrédulo para que o pudesse apalpar; mostrou-lhe as mãos e, mostrando-lhe também a cicatriz de suas chagas, curou a chaga daquela falta de fé. Que pensais, irmãos caríssimos, de tudo isto? Pensais ter acontecido por acaso que aquele discípulo estivesse ausente naquela ocasião, que, ao voltar, ouvisse contar, que, ao ouvir, duvidasse, que, ao duvidar, apalpasse, e que, ao apalpar, acreditasse?

Nada disso aconteceu por acaso, mas por disposição da providência divina. A clemência do alto agiu de modo admirável a fim de que, ao apalpar as chagas do corpo de seu mestre, aquele discípulo que duvidara curasse as chagas da nossa falta de fé. A incredulidade de Tomé foi mais proveitosa para a nossa fé do que a fé dos discípulos que acreditaram logo. Pois, enquanto ele é reconduzido à fé porque pôde apalpar, o nosso espírito, pondo de lado toda dúvida, confirma-se na fé. Deste modo, o discípulo que duvidou e apalpou tornou-se testemunha da verdade da ressurreição.

Tomé apalpou e exclamou: Meu Senhor e meu Deus! Jesus lhe disse: Acreditaste, porque me viste? (Jo 20,28-29). Ora, como diz o apóstolo Paulo: A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se vêem (Hb 11,1). Logo, está claro que a fé é a prova daquelas realidades que não podem ser vistas. De fato, as coisas que podemos ver não são objeto de fé, e sim de conhecimento direto. Então, se Tomé viu e apalpou, por qual razão o Senhor lhe disse: Acreditaste, porque me viste? É que ele viu uma coisa e acreditou noutra. A divindade não podia ser vista por um mortal. Ele viu a humanidade de Jesus e proclamou a fé na sua divindade, exclamando: Meu Senhor e meu Deus! Por conseguinte, tendo visto, acreditou. Vendo um verdadeiro homem, proclamou que ele era Deus, a quem não podia ver.

Alegra-nos imensamente o que vem a seguir: Bem-aventurados os que creram sem ter visto (Jo 20,29). Não resta dúvida de que esta frase se refere especialmente a nós. Pois não vimos o Senhor em sua humanidade, mas o possuímos em nosso espírito. É a nós que ela se refere, desde que as obras acompanhem nossa fé. Com efeito, quem crê verdadeiramente, realiza por suas ações a fé que professa. Mas, pelo contrário, a respeito daqueles que têm fé apenas de boca, eis o que diz São Paulo: Fazem profissão de conhecer a Deus, mas negam-no com a sua prática (Tt 1,16). É o que leva também São Tiago a afirmar: A fé, sem obras, é morta (Tg 2,26).

-- Das Homilias sobre os Evangelhos, de São Gregório Magno, papa.

Se quisesse agradar aos homens, não seria servo de Cristo


É esta a nossa glória: o testemunho de nossa consciência. Há homens de juízo temerário, detratores, maldizentes, murmuradores, suspeitosos do que não vêem, procurando acusar o que nem mesmo suspeitam.Contra gente assim, o que nos resta a não ser o testemunho de nossa consciência? Mas, irmãos, também em relação àqueles a quem queremos agradar, não procuramos nossa glória nem a devemos buscar, mas a salvação deles, de modo que não se extraviem aqueles que nos seguem, se andarmos bem. Sejam nossos imitadores, se o formos de Cristo. Se não formos imitadores de Cristo, que eles o sejam! Pois o Senhor apascenta o seu rebanho e junto com todos os bons pastores, ele é o único, porque todos estão nele.

Por isso, não temos em vista nosso proveito quando buscamos agradar aos homens, mas queremos alegrar-nos com eles, alegrarmo-nos por sentirem prazer com o bem, para vantagem deles, não para nossa honra. Claramente se percebe contra quem disse o Apóstolo: Se quisesse agradar aos homens, não seria servo de Cristo (Gl 1,10). Também se percebe a favor de quem ele disse: Agradai a todos em tudo, assim como também eu lhes agrado em tudo. Ambas as coisas puras, ambas sem perturbação. Quanto a ti, come e bebe tranqüilamente; mas não pises os pastos, nem turves as águas.

Na verdade, também ouviste nosso Senhor Jesus Cristo, o Mestre dos apóstolos: Brilhem vossas obras diante dos homens, para que vejam o bem que fazeis e glorifiquem vosso Pai que está nos céus (Mt 5,16). Ele vos fez assim: Nós, gente de suas pastagens e ovelhas de suas mãos (cf Mt 10,1-5). Louvor a ele que te fez bom, se és bom, e não a ti que, por ti mesmo só poderias ser mau. Por que queres torcer a verdade, de modo que quando fazes algum bem, queres ser elogiado e, quando fazes o mal, queres que o Senhor seja criticado? De fato, aquele que disse: Brilhem vossas obras diante dos homens, é o mesmo que, na mesma exortação, declarou: Não façais vossa justiça diante dos homens (Mt 6,1). Como no Apóstolo, também no Evangelho estes ditos te parecem contraditórios. Se, porém, não turvares a água de teu coração, aí encontrarás o acordo das Escrituras e terás paz também com elas.

Esforcemo-nos, pois, irmãos, não apenas para sermos bons, mas ainda para convivermos bem com os homens. Não procuremos apenas ter uma boa consciência, mas, na medida em que permitirem nossas limitações, vigilantes sobre a fragilidade humana, empenhemo-nos em nada fazer que levante dúvidas para o irmão mais fraco. Não aconteça que, comendo ervas boas e bebendo águas límpidas espezinhemos as pastagens de Deus e as ovelhas fracas comam a erva pisada e bebam a água turva.


-- Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (século V)

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