31 de mar. de 2013

Homilia do Papa Francisco na Vigilia Pascal


Amados irmãos e irmãs!

No Evangelho desta noite luminosa da Vigília Pascal, encontramos em primeiro lugar as mulheres que vão ao sepulcro de Jesus levando perfumes para ungir o corpo d’Ele (cf. Lc 24, 1-3). Vão cumprir um gesto de piedade, de afeto, de amor, um gesto tradicionalmente feito a um ente querido falecido, como fazemos nós também. Elas tinham seguido Jesus, ouviram-No, sentiram-se compreendidas na sua dignidade e acompanharam-No até ao fim no Calvário e ao momento da descida do seu corpo da cruz. Podemos imaginar os sentimentos delas enquanto caminham para o túmulo: tanta tristeza, tanta pena porque Jesus as deixara; morreu, a sua história terminou. Agora se tornava à vida que levavam antes. Contudo, nas mulheres, continuava o amor, e foi o amor por Jesus que as impelira a irem ao sepulcro. Mas, chegadas lá, verificam algo totalmente inesperado, algo de novo que lhes transtorna o coração e os seus programas e subverterá a sua vida: vêem a pedra removida do sepulcro, aproximam-se e não encontram o corpo do Senhor. O caso deixa-as perplexas, hesitantes, cheias de interrogações: Que aconteceu?, Que sentido tem tudo isto? (cf. Lc 24, 4). Porventura não se dá o mesmo também conosco, quando acontece qualquer coisa de verdadeiramente novo na cadência diária das coisas? Paramos, não entendemos, não sabemos como enfrentá-la. Frequentemente mete-nos medonovidade, incluindo a novidade que Deus nos traz, a novidade que Deus nos pede. Fazemos como os apóstolos, no Evangelho: muitas vezes preferimos manter as nossas seguranças, parar junto de um túmulo com o pensamento num defunto que, no fim de contas, vive só na memória da história, como as grandes figuras do passado. Tememos as surpresas de Deus. Queridos irmãos e irmãs, na nossa vida, temos medo das surpresas de Deus! Ele não cessa de nos surpreender! O Senhor é assim.

Irmãos e irmãs, não nos fechemos à novidade que Deus quer trazer à nossa vida! Muitas vezes sucede que nos sentimos cansados, desiludidos, tristes, sentimos o peso dos nossos pecados, pensamos que não conseguimos? Não nos fechemos em nós mesmos, não percamos a confiança, não nos demos jamais por vencidos: não há situações que Deus não possa mudar; não há pecado que não possa perdoar, se nos abrirmos a Ele.

Mas voltemos ao Evangelho, às mulheres, para vermos mais um ponto. Elas encontram o túmulo vazio, o corpo de Jesus não está lá… Algo de novo acontecera, mas ainda nada de claro resulta de tudo aquilo: levanta questões, deixa perplexos, sem oferecer uma resposta. E eis que aparecem dois homens em trajes resplandecentes, dizendo: Porque buscais o Vivente entre os mortos? Não está aqui; ressuscitou! (Lc 24, 5-6). E aquilo que começara como um simples gesto, certamente cumprido por amor – ir ao sepulcro –, transforma-se em acontecimento, e num acontecimento tal que muda verdadeiramente a vida. Nada mais permanece como antes, e não só na vida daquelas mulheres mas também na nossa vida e na nossa história da humanidade. Jesus não é um morto, ressuscitou, é o Vivente! Não regressou simplesmente à vida, mas é a própria vida, porque é o Filho de Deus, que é o Vivente (cf. Nm 14, 21-28; Dt 5, 26, Js 3, 10). Jesus já não está no passado, mas vive no presente e lança-Se para o futuro; Jesus é o «hoje» eterno de Deus. Assim se apresenta a novidade de Deus diante dos olhos das mulheres, dos discípulos, de todos nós: a vitória sobre o pecado, sobre o mal, sobre a morte, sobre tudo o que oprime a vida e lhe dá um rosto menos humano. E isto é uma mensagem dirigida a mim, a ti, amada irmã, a ti amado irmão. Quantas vezes precisamos que o Amor nos diga: Porque buscais o Vivente entre os mortos? Os problemas, as preocupações de todos os dias tendem a fechar-nos em nós mesmos, na tristeza, na amargura… e aí está a morte. Não procuremos aí o Vivente! Aceita então que Jesus Ressuscitado entre na tua vida, acolhe-O como amigo, com confiança: Ele é a vida! Se até agora estiveste longe d’Ele, basta que faças um pequeno passo e Ele te acolherá de braços abertos. Se és indiferente, aceita arriscar: não ficarás desiludido. Se te parece difícil segui-Lo, não tenhas medo, entrega-te a Ele, podes estar seguro de que Ele está perto de ti, está contigo e dar-te-á a paz que procuras e a força para viver como Ele quer.

Há ainda um último elemento, simples, que quero sublinhar no Evangelho desta luminosa Vigília Pascal. As mulheres se encontram com a novidade de Deus: Jesus ressuscitou, é o Vivente! Mas, à vista do túmulo vazio e dos dois homens em trajes resplandecentes, a primeira reação que têm é de medo: amedrontadas – observa Lucas –, voltaram o rosto para o chão, não tinham a coragem sequer de olhar. Mas, quando ouvem o anúncio da Ressurreição, acolhem-no com fé. E os dois homens em trajes resplandecentes introduzem um verbo fundamental: lembrai. Lembrai-vos de como vos falou, quando ainda estava na Galiléia (...) Recordaram-se então das suas palavras (Lc24, 6.8). Este é o convite a fazer memória do encontro com Jesus, das suas palavras, dos seus gestos, da sua vida; e é precisamente este recordar amorosamente a experiência com o Mestre que faz as mulheres superarem todo o medo e levarem o anúncio da Ressurreição aos Apóstolos e a todos os restantes (cf. Lc 24, 9). Fazer memória daquilo que Deus fez e continua a fazer por mim, por nós, fazer memória do caminho percorrido; e isto abre de par em par o coração à esperança para o futuro. Aprendamos a fazer memória daquilo que Deus fez na nossa vida.
Nesta Noite de luz, invocando a intercessão da Virgem Maria, que guardava todos os acontecimentos no seu coração (cf. Lc 2, 19.51), peçamos ao Senhor que nos torne participantes da sua Ressurreição: que nos abra à sua novidade que transforma, às surpresas de Deus, que são tão belas; que nos torne homens e mulheres capazes de fazer memória daquilo que Ele opera na nossa história pessoal e na do mundo; que nos torne capazes de O percebermos como o Vivente, vivo e operante no meio de nós; que nos ensine, queridos irmãos e irmãs, cada dia a não procurarmos entre os mortos Aquele que está vivo. Assim seja.

-- Papa Francisco, na Vigilia Pascal em 30 de Marco de 2013

29 de mar. de 2013

Exsultet - o Pregão Pascal

O Exsultet ou Pregão (Proclamação) Pascal é um hino de louvor cantado durante a Vigília Pascal, na parte inicial, imediatamente após o padre chegar ao altar, vindo da procissão do Círio Pascal. Idealmente deve ser entoado por um diácono ou padre, mas com a devida benção, pode ser um cantor.

É um dos mais antigos hinos da tradição romana pois existem testemunhos de sua existência desde os fins do século IV. 
Com certeza, o Exsultet já compunha o rito ambrosiano no século V. O Papa Inocêncio III atualizou e consolidou uma versão composta em duas partes no século XII.

O texto é um resumo de toda celebração e é peça central na liturgia pascal, pois anuncia que esta é a noite, a noite em que toda humanidade será salva pela Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo Ressuscitado, retornando vitorioso do Inferno. E isto num contexto histórico, que remonta ao povo de Israel saindo do Egito, atravessando o mar e celebrando a primeira Páscoa. 

Abaixo três versões bastante diferentes, tanto musicalmente, quanto idioma: português, espanhol e inglês.




28 de mar. de 2013

O poder do sangue de Cristo


Queres conhecer o poder do sangue de Cristo? Voltemos às figuras que o profetizaram e recordemos a narrativa do Antigo Testamento: Imolai, disse Moisés, um cordeiro de um ano e marcai as portas com o seu sangue (cf. Ex 12,6-7). Que dizes, Moisés? O sangue de um cordeiro tem poder para libertar o homem dotado de razão? É claro que não, responde ele, não porque é sangue, mas por ser figura do sangue do Senhor. Se agora o inimigo, ao invés do sangue simbólico aspergido nas portas, vir brilhar nos lábios dos fiéis, portas do templo dedicado a Cristo, o sangue verdadeiro, fugirá ainda mais para longe.


Queres compreender mais profundamente o poder deste sangue? Repara de onde começou a correr e de que fonte brotou. Começou a brotar da própria cruz, e a sua origem foi o lado do Senhor. Estando Jesus já morto e ainda pregado na cruz, diz o evangelista, um soldado aproximou-se, feriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu água e sangue: a água, como símbolo do batismo; o sangue, como símbolo da eucaristia. O soldado, traspassando-lhe o lado, abriu uma brecha na parede do templo santo, e eu, encontrando um enorme tesouro, alegro-me por ter achado riquezas extraordinárias. Assim aconteceu com este cordeiro. Os judeus mataram um cordeiro e eu recebi o fruto do sacrifício.

De seu lado saiu sangue e água (Jo 19,34). Não quero, querido ouvinte, que trates com superficialidade o segredo de tão grande mistério. Falta-me ainda explicar-te outro significado místico e profundo. Disse que esta água e este sangue são símbolos do batismo e da eucaristia. Foi destes sacramentos que nasceu a santa Igreja, pelo banho da regeneração e pela renovação no Espírito Santo, isto é, pelo batismo e pela eucaristia que brotaram do lado de Cristo. Pois Cristo formou a Igreja de seu lado traspassado, assim como do lado de Adão foi formada Eva, sua esposa.

Por esta razão, a Sagrada Escritura, falando do primeiro homem, usa a expressão osso dos meus ossos e carne da minha carne (Gn 2,23), que São Paulo refere, aludindo ao lado de Cristo. Pois assim como Deus formou a mulher do lado do homem, também Cristo, de seu lado, nos deu a água e o sangue para que surgisse a Igreja. E assim como Deus abriu o lado de Adão enquanto ele dormia, também Cristo nos deu a água e o sangue durante o sono de sua morte.

Vede como Cristo se uniu à sua esposa, vede com que alimento nos sacia. Do mesmo alimento nos faz nascer e nos nutre. Assim como a mulher, impulsionada pelo amor natural, alimenta com o próprio leite e o próprio sangue o filho que deu à luz, também Cristo alimenta sempre com o seu sangue aqueles a quem deu o novo nascimento.

-- Das Catequeses de São João Crisóstomo, bispo (século IV)

25 de mar. de 2013

Creio em Deus Pai Todo-Poderoso


A. Fé

A  Fé
Estátua que compõe o Monumento ao Papa
Inocêncio XI, Basílica de São Pedro, Vaticano 
A primeira coisa que um cristão necessita é fé, sem a qual nenhum homem pode se dizer Cristão. A fé confere quatro benefícios:

1. A fé une a alma a Deus, por que pela fé a alma é como que desposada pelo Senhor, conforme Os 2,22: "Desposar-te-ei com fidelidade, e conhecerás o Senhor". Por esta razão, no batismo confessamos nossa fé quando perguntados: "Acreditas em Deus Pai Todo-Poderoso?"; pois o batismo é o primeiro dos sacramentos da fé. Assim diz o Senhor: "Quem crer e for batizado será salvo" (Mc 16,16); sem fé o Batismo é inútil.

Devemos entender que sem fé nenhum homem é aceitável para Deus: "Ora, sem fé é impossível agradar a Deus, pois para se achegar a ele é necessário que se creia primeiro que ele existe" (Hb 11,6).  Comentando Rm 14,23 ("Tudo o que não procede da fé é pecado"), Santo Agostinho afirma: "Sem o reconhecimento da verdade eterna e imutável, toda virtude humana é mera impostura, até para o melhor dos homens"

2. A fé introduz a vida eterna em nós, pois a vida eterna não é nada mais que conhecer a Deus, pois assim diz Jesus: "a vida eterna consiste em que conheçam a um só Deus verdadeiro". Este conhecimento de Deus inicia pela fé e torna-se perfeito na vida eterna, quando O conheceremos como Ele é: "A fé é o fundamento da esperança" (Hb 11,1). Logo, nenhum homem pode alcançar a felicidade dos céus - que é o verdadeiro conhecimento de Deus - se não conhecê-lO pela fé, como Jesus disse a São Tomé: "Creste, porque me viste. Felizes aqueles que crêem sem ter visto!"(Jo 20,29)

3. A fé é nosso guia na vida presente, pois para viver uma vida correta o homem deve saber o que é necessário para ser um justo. Se o homem tiver que valer-se de seus esforços para descobrir o necessário, talvez nunca chegue a fazê-lo ou consiga apenas após muitíssimos anos. Mas a fé nos ensina tudo que é preciso para uma vida justa, pois aprendemos pela fé que há somente um Deus que recompensa os justos e pune os malfeitores; que há uma vida eterna após esta; e todas as verdades para distinguir entre o bem e o mal. "O justo deve viver na fé" (Hab 2,4). 

Isto fica claro quando observamos que antes da vinda de Jesus nenhum dos filósofos pode identificar, mesmo com grande esforço, a verdade sobre Deus ou como alcançar a vida eterna; e após a vinda de Cristo, qualquer pessoa, por mais simples e sem cultura que seja, é capaz de conhecer a Deus e alcançar a vida eterna. Como foi dito por Isaias (11,9): "a terra esta cheia de ciência do Senhor".

4. A fé nos ajuda a resistir às tentações, pois todas tentações são frutos do Demônio, do mundo ou da carne. Através da fé os santos foram capazes de conquistar o mundo.

  • O Demônio nos tenta a desobedecer a Deus e a não nos sujeitarmos a Deus. A tentação é removida pela fé, pois Deus é Senhor sobre todas as coisas, por isso devemos obedecer a Ele: "Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar" (1Pe 5,8-9). 
  • O mundo nos tenta atrair pela prosperidade ou medo da adversidade. Superamos estas tentações pela fé porque ela nos assegura a vida eterna e o desprezo das coisas do mundo, sem temores e aflições. Também superamos as tentações pois a fé nos ensina que há males muitos maiores no Inferno que os deste mundo.
  • A carne nos tenta através dos prazeres da vida. Mas a fé nos ensina que se procurarmos os prazeres do mundo perderemos a felicidade eterna: "Em todas as coisas colocamos o escudo da fé" (Ef 6,16). Então entendemos como é lucrativo deixar-se guiar pela fé. 


-- Catecismo de São Tomás de Aquino, capítulo I, parte 1.
-- Tradução própria



23 de mar. de 2013

Bendito o que vem em nome do Senhor, o rei de Israel


Vinde, subamos juntos ao monte das Oliveiras e corramos ao encontro de Cristo, que hoje volta de Betânia e se encaminha voluntariamente para aquela venerável e santa Paixão, a fim de realizar o mistério de nossa salvação.

Caminha o Senhor livremente para Jerusalém, ele que desceu do céu por nossa causa – prostrados que estávamos por terra – para elevar-nos consigo bem acima de toda autoridade, poder, potência e soberania ou qualquer título que se possa mencionar (Ef 1,21), como diz a Escritura.

O Senhor vem, mas não rodeado de pompa, como se fosse conquistar a glória. Ele não discutirá, diz a Escritura, nem gritará, e ninguém ouvirá sua voz (Mt 12,19; cf. Is 42,2). Pelo contrário, será manso e humilde, e se apresentará com vestes pobres e aparência modesta. 

Acompanhemos o Senhor, que corre apressadamente para a sua Paixão e imitemos os que foram ao seu encontro. Não para estendermos à sua frente, no caminho, ramos de oliveira ou de palma, tapetes ou mantos, mas para nos prostrarmos a seus pés, com humildade e retidão de espírito, a fim de recebermos o Verbo de Deus que se aproxima, e acolhermos aquele Deus que lugar algum pode conter.

Alegra-se Jesus Cristo, porque deste modo nos mostra a sua mansidão e humildade, e se eleva, por assim dizer, sobre o ocaso (cf. Sl 67,5) de nossa infinita pequenez; ele veio ao nosso encontro e conviveu conosco, tornando-se um de nós, para nos elevar e nos reconduzir a si. 

Diz um salmo que ele subiu pelo mais alto dos céus ao Oriente (cf. Sl 67,34), isto é, para a excelsa glória da sua divindade, como primícias e antecipação da nossa condição futura; mas nem por isso abandonou o gênero humano, porque o ama e quer elevar consigo a nossa natureza, erguendo-a do mais baixo da terra, de glória em glória, até torná-la participante da sua sublime divindade.

Portanto, em vez de mantos ou ramos sem vida, em vez de folhagens que alegram o olhar por pouco tempo, mas depressa perdem o seu verdor, prostremo-nos aos pés de Cristo. Revestidos de sua graça, ou melhor, revestidos dele próprio, – vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo (Gl 3,27) – prostremo-nos a seus pés como mantos estendidos.

Éramos antes como escarlate por causa dos nossos pecados, mas purificados pelo batismo da salvação, nos tornamos brancos como a lã. Por conseguinte, não ofereçamos mais ramos e palmas ao vencedor da morte, porém o prêmio da sua vitória.

Agitando nossos ramos espirituais, o aclamemos todos os dias, juntamente com as crianças, dizendo estas santas palavras: “Bendito o que vem em nome do Senhor, o rei de Israel”.

-- Dos Sermões de Santo André de Creta, bispo (século XI)

Domingo de Ramos

Então o povo foi ao encontro de Cristo que entrava na cidade carregando palmas e aclamando: Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor, o rei de Israel! (Jo 12,13). Neste domingo comemoramos a entrada gradiosa de Cirsto em Jerusalem para completar o mistério Pascal. No antigo calendário, anterior ao Vaticano II, o evangelho da Paixão era lido duas semanas antes da Páscoa e o Domingo de Ramos marcava o início solene da Semana Santa. 


A Igreja combinou as duas celebrações neste domingo paa reforçar a solenidade da Semana Santa. Jesus é um sinal de contradição, amado por alguns, perseguido por outros. E a queda de Cristo é, na verdade, vitória para a humanidade. Por isso seguimos o exemplo dos judeus, aclamando Cristo, Filho de Deus, Rei da Igreja, na certeza da sua Ressurreição.

Quanto a liturgia, a cor é a vermelha e há uma entrada especial, um pouco mais solene, que inclui a benção das palmas. Uma menção especial sobre as palmas: agora abençoadas passam a ter um valor especial, não devem ser jogadas no lixo ou menosprezadas de alguma maneira. É comum as pessoas levar para suas casas, onde pode-se colcoar por exemplo próximo a uma imagem de Cristo ou santo de devoção. Não são amuletos que possam ser utilizados para curar doenças ou espantar espíritos, assumindo um caráter supersticioso; são testemunhas da fé em Cristo e sua vitória Pascal. O ideal é mantê-las até o próximo ano, quando podem ser devolvidas na Igreja antes da Quarta-Feira de Cinzas. As palmas serão queimadas e suas cinzas utilizadas na liturgia. 


19 de mar. de 2013

Salmo 116: Convite a louvar a Deus pelo seu amor

Queridos irmãos e irmãs,

Este é o Salmo mais curto, composto no original hebraico apenas por dezessete palavras, das quais nove são particularmente relevantes. É uma pequena doxologia, isto é, um cântico essencial de louvor, que em pensamento poderia fazer as vezes de fecho a orações hínicas mais amplas. Assim se verificou por vezes na liturgia, um pouco como acontece com o nosso Gloria Patri, com o qual concluímos a recitação de qualquer Salmo.

Na verdade, estas poucas palavras de oração revelam-se significativas e profundas para exaltar a aliança entre o Senhor e o seu povo, no âmbito de uma perspectiva  universal.  Nesta  luz,  o primeiro  versículo  do  Salmo  é  tomado pelo  apóstolo  Paulo  para  convidar todos os povos do mundo a glorificar Deus. De fato, ele escreve aos cristãos de  Roma:   "os  gentios  dão  glória  a Deus, pela sua misericórdia, como está escrito... Nações, louvai todas ao Senhor; e que todos os povos o celebrem" (Rm 15, 9.11).

Por conseguinte, o breve hino que estamos a meditar começa, como acontece muitas vezes a este género de Salmos, com um convite ao louvor, que não se destina só a Israel, mas a todos os povos da terra. Um aleluia deve brotar dos corações de todos os justos que procuram e amam Deus com o coração sincero. Mais uma vez o Saltério reflete uma visão de amplo alcance, provavelmente alimentada pela experiência vivida por Israel durante o exílio na Babilónia no sexto século a.C.:  o povo hebraico encontrou então outras nações e culturas e sentiu a necessidade de anunciar a própria fé àqueles entre os quais ele vivia. Encontra-se no Saltério a consciência de que o bem floresce em tantos terrenos e pode ser como que canalizado e dirigido para o único Senhor e Criador.

Por isso, poderíamos falar de um "ecumenismo" da oração, que inclui num único abraço povos diferentes por origem, história e cultura. Encontramo-nos na linha da grande "visão" de Isaías que descreve "no final dos tempos" a afluência de todas as nações para "o monte do templo do Senhor". Então, cairão das mãos as espadas e as lanças, e serão transformadas em relhas de arados  e  foices,  para  que  a  humanidade viva em paz, cantando o seu louvor ao único Senhor de todos, ouvindo a sua palavra e observando os seus mandamentos (cf. Is 2, 1-5).

Israel, o povo da eleição, tem neste horizonte universal uma missão a cumprir. Deve proclamar duas grandes virtudes divinas, que conheceu ao viver a aliança com o Senhor (cf. v. 2). Estas duas virtudes, que são as duas feições fundamentais do rosto divino, o "bom binômio" de Deus, para dizer com São Gregório de Nissa (cf. Sobre os títulos dos Salmos, Roma 1994, p. 183), são expressas com igual número de palavras hebraicas que, nas traduções, não conseguem brilhar em toda a sua riqueza de significado.

A primeira é hésed, uma palavra usada repetidas vezes pelo Saltério e sobre a qual já falei noutra ocasião. Ela indica a rede dos sentimentos profundos que existem entre duas pessoas, ligadas por um vínculo autêntico e constante. Por isso, abraça valores como o amor, a fidelidade, a misericórdia, a bondade, a ternura. Por conseguinte, existe ente nós e Deus uma relação que não é fria, como a que pode existir entre um imperador e o seu súbdito, mas palpitante, como a que se desenvolve entre dois amigos, entre dois esposos, entre pais e filhos.

A segunda palavra é 'emét que é quase sinónimo da primeira. Também ela é querida ao Saltério, que a repete quase metade de todas as vezes em que ressoa no resto do Antigo Testamento.
Em si, a palavra exprime a "verdade", ou seja, a genuinidade de uma relação, a sua autenticidade e lealdade, que se conserva apesar dos obstáculos e das provas; é a fidelidade pura e jubilosa que não conhece faltas. Não é sem motivo que o Salmista declara que ela "dura eternamente" (v. 2). O amor fiel de Deus nunca faltará e não nos abandonará a nós próprios ou à obscuridade do contra-senso, de um destino cego, do vazio e da morte.

Deus ama-nos com um amor incondicionado, que não se cansa, que nunca esmorece. Eis a mensagem do nosso Salmo, breve como uma ladainha, mas intenso como um cântico grande.

As palavras que ele nos sugere são como um eco do cântico que ressoa na Jerusalém celeste, onde uma grande multidão de todas as línguas, povos e nações, canta a glória divina diante do trono de Deus e do Anjo (cf. Ap 7, 9). A este cântico a Igreja peregrina une-se com infinitas expressões de louvor, muitas vezes moldadas pelo génio poético e pela arte musical. Pensamos dando um exemplo no Te Deum, do qual se serviram gerações de cristãos ao longo dos séculos, para louvar o Senhor e agradecer-Lhe:  "Te Deum Laudamos, te Dominum confitemur, te aeternum Patrem omnis terra veneratur". Por seu lado, o pequeno Salmo que hoje estamos a meditar é uma síntese eficaz da perene liturgia de louvor com que a Igreja se faz voz no mundo, unindo-se ao louvor perfeito que o próprio Cristo dirige ao Pai.

Por conseguinte, louvamos o Senhor! Louvamos sem nos cansarmos. Mas o nosso louvor exprime-se com a vida, mais do que com as palavras. De fato, seríamos muito pouco credíveis, se com o nosso Salmo convidássemos os povos a  glorificar  o  Senhor,  e  não  levássemos a sério a admoestação de Jesus:  "Brilhe a vossa luz diante dos homens de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está nos Céus" (Mt 5, 16). Ao cantar o Salmo 116, como todos os Salmos dirigidos ao Senhor, a Igreja, Povo de Deus, esforça-se por se tornar, ela mesma, um cântico de louvor.

-- Papa João Paulo II, na audiência de 28 de Novembro de 2001

18 de mar. de 2013

Era necessário que Cristo sofresse


Cristo, por suas palavras e ações, revelou que era verdadeiro Deus e Senhor do universo. Ao subir para Jerusalém com seus discípulos, dizia-lhes: Eis que estamos subindo para Jerusalém, 
e o Filho do Homem será entregue aos gentios, aos sumos sacerdotes e aos mestres da Lei, 
para ser escarnecido, flagelado e crucificado (Mt 20,18.19). Fazia, na verdade, estas 
afirmações em perfeita consonância com as predições dos profetas, que haviam anunciado sua morte em Jerusalém. 

Desde o princípio, a Sagrada Escritura havia predito a morte de Cristo com os sofrimentos que a precederiam, e também tudo quanto aconteceu com seu corpo depois da morte; predisse igualmente que aquele a quem tudo isto sucedeu é Deus impassível e imortal. De outro modo, nunca poderíamos afirmar que era Deus se, ao contemplarmos a verdade da encarnação, não encontrássemos nela razões para proclamar, com clareza e justiça, uma e outra coisa, ou seja, seu sofrimento e sua impassibilidade. O motivo pelo qual o Verbo de Deus, e portanto impassível, se submeteu à morte é que, de outra maneira, o homem não podia salvar-se. Este motivo somente ele o conhece e aqueles aos quais revelou. De fato, o Verbo conhece tudo o que é do Pai, como o Espírito que esquadrinha tudo, mesmo as profundezas de Deus (1Cor 2,10). 

Realmente, era preciso que Cristo sofresse. De modo algum a paixão podia deixar de acontecer. Foi o próprio Senhor quem declarou, quando chamou de insensatos e lentos de coração os que ignoravam ser necessário que Cristo sofresse, para assim entrar em sua glória. Por isso, veio ao encontro do seu povo para salvá-lo, deixando aquela glória que tinha junto do Pai, antes da criação do mundo. Mas a salvação devia consumar-se por meio da morte do autor da nossa vida, como ensina São Paulo: Consumado pelos sofrimentos, ele se tornou o princípio da vida (cf. Hb 2,10). 

Deste modo se vê como a glória do Filho unigênito, glória esta que por nossa causa ele havia deixado por breve tempo, foi-lhe restituída por meio da cruz, na carne que tinha assumido. É o que afirma São João, no seu evangelho, ao indicar qual era aquela água de que falava o Salvador: Aquele que crê em mim, rios de água viva jorrarão do seu interior. Falava do 
Espírito, que deviam receber os que tivessem fé nele; pois ainda não tinha sido dado o Espírito, 
porque Jesus ainda não tinha sido glorificado (Jo 7,38-39); e chama glória a morte na cruz. Por 
isso, quando o Senhor orava, antes de ser crucificado, pedia ao Pai que o glorificasse com aquela glória que tinha junto dele, antes da criação do mundo. 

16 de mar. de 2013

Quinto Domingo de Quaresma - Ano C

O acontecimento histórico desta semana, a eleição do Papa Francisco, o primeiro Papa das Américas, o primeiro jesuíta, o primeiro a chamar-se Francisco, talvez o primeiro a ter apenas um pulmão, lembra-nos claramente que Deus inclui todos na sua Igreja, e todos tem um papel a desempenhar. 

A primeira leitura deste Domingo é tirada do livro Isaias (Is 43,16-21). Na semana passada ouvimos a conclusão da saída do Egito e a primeira Páscoa na terra prometida. Hoje começamos a olhar para um novo êxodo que Deus promete através do profeta Isaias, um êxodo que promete ser ainda mais maravolhoso que o primeiro, pois Deus promete restaurar toda grandeza de Israel após o retorno da Babilônia.

A segunda leitura da Carta de São Paulo aos Filipenses (Fp 3,8-14) é uma advertência ao povo sob os falsos mestres, judeus que tentam manter as velhas tradições enquanto dizem ser cristãos. Segundo eles, para ser cristão, era necessário ser judeu, ser circuncidado, obedecer as leis do Velho Mandamento. Esta questão, se os gentios convertidos ao Cristianismo devem aceitar os ritos judaicos precipitou o primeiro Concílio de Jerusalem. O Apóstolo responde que é necessário olhar para a frente, abandonar o passado, mirar Cristo Ressucitado na cruz.

O Evangelho de São João (8,1-11) é sobre uma mulher surpreendida em adultério, segundo a antiga lei sujeita a morte por apredejamento. “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. Assim Jesus clama por misericórdia, e eles acabam se afastar reconhecendo também serem pecadores. 

Quando fica a sós com a mulher, a mulher talvez esteja assustada por que Jesus não tem pecados e, segundo a condição que Ele mesmo impôs, poderia puni-la. Mas olhando para ela, diz-lhe: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou? Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais”. Como ressalta Santo Agostinho, Jesus condena o pecado, não a mulher. Com cantamos no Salmo: "Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!" 

Cristo inclui a mulher adúltera na sua Igreja, foi misericordioso. Como aconselhou o Papa Francisco ao confessores na Basílica de Santa Maria Maior, na sua primeira visita após a eleição: "Sejam piedosos com as almas que lhes procuram, estas pessoas precisam de vós", lembrem-se sempre, emfatizou "misericórida, misericórdia, misericórdia".  

14 de mar. de 2013

Homília de Páscoa, 2012 - Cardeal Bergoglio


Na madrugada saíram em direção ao sepulcro. Antes haviam comprado perfumes para ungir o corpo de Jesus. Preparando tudo, praticamente haviam passado a noite em vigília, esperando que houvesse luz suficiente para irem tão logo tivesse saído o Sol. Nós também estamos nesta noite vigilantes, preparando-nos para ungir o corpo do Senhor enquanto recordamos as maravilhas de Deus na história da humanidade. Principalmente recordemos que Jesus naquela mesma noite também passou orando: "Foi uma noite de vigília para o Senhor, a fim de tirá-los do Egito" (Ex 12, 42a). Esta vigília é uma resposta a um mandado de gratidão: "essa mesma noite é uma vigília a ser celebrada de geração em geração por todos os israelitas, em honra do Senhor" (Ex 12, 42b). 

Assim como as crianças israelitas fazem, é possível que nossos filhos ou amigos perguntem porque passamos a noite em vigília. A resposta surge do mais profundo da nossa memória de povo eleito pelo Senhor: "é que o Senhor nos tirou do Egito com sua mão poderosa, da casa da servidão" (Ex 13,14). Assim é: "esta é a noite em que o Senhor nos tirou do Egito, nossos pais, a nós filhos de Israel, e nos fez passar a pé enxuto o Mar Vermelho", "esta é a noite em que dissipou as trevas dos pecados com o resplendor da coluna de fogo" (cf Ex 13,21).; "a noite em que nós, pecadores, fomos restituídos à graça de Deus", "a noite em que Cristo rompeu as ataduras da morte e surgiu vitorioso dos abismos". Esta é a noite em que se consolida a liberdade. Por isto, esta noite é clara como o dia. 

Com a luz que celebramos esta vigília seguirá adiante nossa vida e o que aconteceu aos nossos pais no deserto, também ocorrerá conosco. Muitas vezes as dificuldades, as distrações do caminho, as dores e problemas obscurecem nossa alegria e, inclusive, a certeza desta liberdade; e podemos, até mesmo, chegar a  suspirarmos pelas "coisas lindas" que tínhamos na escravidão, os alhos e cebolas do Egito (cf Num 11,4-6); inclusive pode nos dominar a impaciência e optarmos pelo imediatismo dos ídolos (cf. Ex 32,1-6). Nestes momentos parece que o Sol se esconde, retorna a noite e a liberdade entra em eclipse. 

Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé, com o dia já amanhecido, lhes caiu outra noite, a noite do medo e saíram correndo do sepulcro (cf Mc 16,8). Saíram correndo sem dizer nada a ninguém. O medo as fez esquecer o que haviam escutado a pouco: "Buscais Jesus de Nazaré, que foi crucificado. Ele ressuscitou, já não está aqui". (Mc 16, 6). O medo as emudeceu, não podiam proclamar a boa notícia. O medo paralisou o coração e preferiram um fracasso seguro à esperança, essa que lhes dizia: "Vão a Galiléia, ali O verão" (cf. Mc 16,7). Assim também acontece conosco, como elas temos medo da esperança e preferimos nos resguardar em nossos limites, mesquinharias e pecados, nas dúvidas e negações que, bem ou mal, podemos manejar. Ela vinham tristes, vinham para ungir um cadáver.. e lhes ocorre isto; e assim como os discípulos de Emaús se fecham na desilusão (cf. Lc 24,13-24). No fundotinham medo da alegria.

A história se repete. Nas nossas noites, noites de medo, noites de tentação e provas, noites em que preferimos a escravidão vencida, o Senhor segue vigiando como fez naquela noite no Egito; com palavras doces e paternais nos diz: "Vede minhas mãos e meus pés, sou eu mesmo; apalpai e vede: um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que tenho."(Lc 24,39). Ou, as vezes, com um pouco mais de energia: "Ó gente sem inteligência! Como sois tardos de coração para crerdes em tudo o que anunciaram os profetas! Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória?" (Lc 24,25-26).

Cada vez que Deus se manifestava a um israelita procurava dissipar-lhe o medo: "Não temeis", lhes dizia. O mesmo faz Jesus: "não tenham medo",. É o que anjo dizia às três mulheres cujo medo impelia a optar pelo velório. Nesta noite de vigília digamos uns aos outros: "não tenhas medo",  não nos esquivemos da certeza de Deus, não rechacemos a esperança. Não optemos pela segurança do sepulcro, do vazio e da imundície cheia de pecados e egoísmo. Abramo-nos ao dom da esperança. Não temamos a alegria da Ressureição de Cristo.

Esta noite também Maria estava velando. Suas entranhas lhe faziam intuir a proximidade do fim desta vida que concebera em Nazaré e sua fé confirmava a intuição. A Maria pedimos que, como primeira discípula, nos ensine a perserverar em vigília, nos acompanhe na paciência, nos fortaleça na esperança, pedimos que nos leve ao encontro de seu Filho Ressucitado; pedimos que nos livre do medo, de tal maneira que possamos escutar o anúncio do anjo e também sair correndo...  não de susto, mas sim para anunciar a outras pessoas, pois Buenos Aires necessita muito. 

* tradução própria

12 de mar. de 2013

A misericórdia do Senhor para com os pecadores que se convertem

São Máximo, o Confessor (c.580-662)

Os pregadores da verdade e os ministros da graça divina, todos os que, desde o princípio até os nossos dias, cada um a seu tempo, expuseram a vontade salvífica de Deus, dizem que nada lhe é tão agradável e conforme a seu amor como a conversão dos homens a ele com sincero arrependimento.

E para dar a maior prova da bondade divina, o Verbo de Deus Pai (ou melhor, o primeiro e único sinal de sua bondade infinita), num ato de humilhação que nenhuma palavra pode explicar, num ato de condescendência para com a humanidade, dignou-se habitar no meio de nós, fazendo-se homem. E realizou, padeceu e ensinou tudo o que era necessário para que nós, seus inimigos e adversários, fôssemos reconciliados com Deus Pai e chamados de novo à felicidade eterna que havíamos perdido.

O Verbo de Deus não curou apenas nossas enfermidades com o poder dos milagres. Tomou sobre si as nossas fraquezas, pagou a nossa dívida mediante o suplício da cruz, libertando-nos dos nossos muitos e gravíssimos pecados, como se ele fosse o culpado, quando na verdade era inocente de qualquer culpa. Além disso, com muitas palavras e exemplos, exortou-nos a imitá-lo na bondade, na compreensão e na perfeita caridade fraterna. 

Por isso dizia o Senhor: Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores para a conversão (Lc 5,32). E também: Aqueles que têm saúde não precisam de médicos, mas sim os doentes (Mt 9,12). Disse ainda que viera procurar ao velha desgarrada e que fora enviado às ovelhas perdidas da casa de Israel.

Do mesmo modo, pela parábola da dracma perdida, deu a entender mais veladamente que viera restaurar no homem a imagem divina que estava corrompida pelos mais repugnantes pecados. E afirmou: Em verdade eu vos digo, haverá alegria no céu por um só pecador que se converte (cf. Lc 15,7).

Por esse motivo, contou a parábola do bom samaritano: àquele homem que caíra nas mãos dos ladrões, e fora despojado de todas as vestes, maltratado e deixado semimorto, atou-lhe as feridas, tratou-as com vinho e óleo e, tendo colocado em seu jumento, deixou-o numa hospedaria para que cuidassem dele; pagou o necessário para o seu tratamento e ainda prometeu, dar na volta, o que porventura se gastasse a mais.

Mostrou-nos ainda a condescendência e bondade do pai que recebeu afetuosamente o filho pródigo que voltava, como o abraçou porque retornara arrependido, revestiu-o de novo com as insígnias de sua nobreza familiar e esqueceu todo o mal que fizera. Pela mesma razão, reconduziu ao redil a ovelhinha que se afastara das outras cem ovelhas de Deus e fora encontrada vagueando por montes e colinas. Não lhe bateu nem a ameaçou nemextenuou de cansaço; pelo contrário, colocando-a em seus próprios ombros, cheio de compaixão, trouxe-a sã e salva para o rebanho.

E deste modo exclamou: Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo (Mt 11,28-29). Ele chamava de jugo os mandamentos ou a vida segundo os preceitos evangélicos; e quanto ao peso, que pela penitência parecia ser grande e mais penoso, acrescentou: O meu jugo é suave e o meu fardo é leve (Mt 11,30). 

Outra vez, querendo nos ensinar a justiça e a bondade de Deus, exortava-nos com estas palavras: Sede santos, sede perfeitos, sede misericordiosos, como também vosso Pai celeste é misericordioso (cf. Mt 5,48; Lc 6,36). E: Perdoai, e sereis perdoados (Lc 6,37). Tudo quanto quereis que os outros vos façam, fazei também a eles (Mt 7,12).

-- Das Cartas de São Máximo, o Confessor, abade (século VII)

10 de mar. de 2013

Como será o conclave


* todos horários citados são os de Roma. Brasilia, São Paulo, Rio de Janeiro estão 4 horas atrás; Nova Iorque e Washington, 5 horas atrás. 

O conclave iniciará nesta terça-feira, quando às 3:45 da tarde os cardeais sairão da Casa Domus Santa Marta para o Palácio Apostólico. As 4:30 entrarão na Capela Sistina em procissão, farão um juramento e o Mestre de Cerimônias promulgará a ordem "Extra omnes", para que todos não participantes diretos do Conclave retirem-se. Cardeal Grech fará uma meditação sobre a grave incubência dos cardeais e a necessidade de agirem com reta intenção para o bem da Igreja Universal. Após, ocorrerá a primeira votação. As 7:00 celebrarão as Vésperas e, após, retornarão à Domus Santa Marta.

Iniciando na quarta-feira, 13 de Março, o dia de atividades iniciará com a celebração de uma Santa Missa às 8:15. Os cardeais devem entrar na Capela Sistina às 9:30, rezar a Liturgia das Horas e iniciar o processo de votação. Em torno de meio-dia há uma pausa para almoço e retorno à Capela Sistina às 4:00, uma breve oração e votações. 

São previstas duas votações pela manhã, duas pela tarde. Os votos são queimados ao final de cada sessão ou imediatamente após a eleição do Papa, ou seja, se na primeira votação o Papa for eleito, veremos a fumaça branca. Em caso contrário, podemos esperar fumaça negra em torno do meio-dia e 7:00 da noite. Se até sexta-feira à noite o Papa ainda não tiver sido eleito, o Sábado será reservado para um dia de orações. 

Tendo por base o histórico dos últimos conclaves, é razoável esperar que o Papa seja eleito a partir de quarta-feira, sendo quinta-feira o dia mais provável. Os fiéis podem e devem participar de maneira indireta, através de orações e jejuns em favor da uma eleição inspirada pelo Espírito Santo, para o bem de toda Igreja. 

Os últimos 11 conclaves

Apenas para termos um mínimo de referência histórica, vejamos os dados básicos dos últimos 11 conclaves para eleição de um Papa, a iniciar pelos mais recentes.

1. Bento XVI, 2005 - 115 eleitores - 4 votações - 18 e 19 de Abril
2. João Paulo II, 1978 - 111 eleitores - 8 votações - 14 a 16 de Outubro
3. João Paulo I, 1978 - 111 eleitores - 4 votações - 25 e 26 de Agosto
4. Paulo VI, 1963 - 80 eleitores - 6 votações - 19 a 21 de Junho
5. João XXIII, 1958 - 51 eleitores - 11 votações - 25 a 28 de Outubro
6. Pio XII, 1939 - 62 eleitores - 3 votações - 1 e 2 de Março
7. Pio XI, 1922 - 53 eleitores - 14 votações - 2 a 6 de Fevereiro
8. Bento XV, 1914 - 57 eleitores - 10 votações - 31 de Agosto a 3 de Setembro
9. Pio X, 1903 - 64 eleitores - 7 votações - 31 de Julho a 4 de Agosto
10. Leão XII, 1878 - 50 eleitores - 18 a 21 de Fevereiro
11. Pio IX, 1846 - 50 eleitores - 14 a 16 de Junho

Os conclaves anteriores, com regras totalmente diferentes, tendiam a durar semanas, qualquer comparação é quase irrelevante.


9 de mar. de 2013

Quarto Domingo da Quaresma - Ano C

O Filho Pródigo, Rembrandt

O quarto domingo da Quaresma é um tanto único pois é chamado de "Laetare", da alegria, quebrando um pouco o tempo penitencial e já anunciando a Páscoa que se aproxima. As vestes são da cor rosa e flores podem adornar o altar. De acordo com o RICA (Rito para Iniciação de Cristãos Adultos), é o dia indicado para o segundo escrutínio dos batizandos.

A primeira leitura relembra a celebração da primeira Páscoa na Terra Prometida. A intervenção direta de Deus, o maná, já não era necessário, pois o povo havia recebido uma terra que emanava frutos e mel. 

Na segunda leitura, uma carta de São Paulo aos Coríntios, o apóstolo anuncia o Kerygma brevemente: Jesus Cristo trouxe a salvação para os homens, pelo amor que o Pai nutre por cada um de nós, nossos pecados estão perdoados, é possível nos reconcialiarmos com Deus. Esta é a justiça de Deus.

O Evangelho conta a história do Filho Pródigo, a terceira de uma sequência chamada de Parábolas da Misericórdia: a ovelha perdida, a moeda perdida e o filho pródigo. Essencialmente ela nos mostra um Deus que é um Pai amoroso. Inicia com o Filho pedindo a parte dele na herança pois já não acredita no Pai, quer distância da família. Esta é a escolha do filho: o mundo com suas extravagâncias, ganâncias e falsas promessas. Enquanto deixou-se guiar pelo seu orgulho, porque sabia desde sempre que seu pai tinha muitos bens, o jovem persistiu no mundo, não com Deus; experimentou claramente a futilidade da sua vida, tristeza e humilhação, 

Até que deixou seu orgulho quebrar-se, preparou-se para ser humilhado pelo pai e irmão; retornou para seu Deus Pai. Reconheceu-se pecador e orgulhoso e rumou para casa. O pai corre em sua direção, da mesma forma que o pastor busca a ovelha perdida e a mulher procura a moeda perdida. É um Deus vigilante, esperando pelo seu filho, cada um de nós, dia e noite, de maneira perfeita, sem desesperar ou desistir. Este pai não apenas acolhe o jovem, como lhe dá presentes e prepara uma festa. Na parábola temos a figura do pai perfeito, que não diz uma palavra para recriminar seu filho, não sai de sua boca sequer um "eu te avisei", ou algo do tipo. 

Por fim, há o filho mais velho, nem por isso mais sábio ou menos orgulhoso. Manteve-se com o Pai, mas talvez visando a herança que teria. E quando ela está ameaçada porque o pai consome o melhor dela para receber o irmão, reclama. O Pai é obrigado a corrigi-lo, pois ainda não enxergou o seu erro, mas já duvida do seu Pai. 

Deus é um pai amoroso, atento aos filhos, que alimentou o povo no deserto, atendeu suas dificuldades no momento difícil; enviou Cristo para nos trazer a salvação; e aguarda ansioso que a aceitemos. Alegremo-nos!

8 de mar. de 2013

Hino de vitória pela travessia do Mar Vermelho

Caríssimos Irmãos e Irmãs:

Este hino de vitória (cf. Êx 15, 1-18), proposto para as Laudes do sábado da primeira semana, conduz-nos a um momento-chave da história da salvação:  ao acontecimento do Êxodo, quando Israel foi salvo por Deus numa situação humanamente desesperada. Os fatos são conhecidos: depois de uma longa escravidão no Egito, já a caminho para a terra prometida, os Hebreus tinham sido alcançados pelo exército do faraó, e nada os subtrairia à destruíção, se o Senhor não tivesse intervindo com a sua mão poderosa. O hino tarda a descrever a arrogância dos desígnios do inimigo armado:  "Corramos, alcancemo-los! Repartamos os despojos!..." (Êx 15, 9).

Mas que poder tem o maior dos exércitos, diante da omnipotência divina? Deus ordena que o mar abra um carreiro para deixar passar o povo atacado e que o feche quando passam os agressores:  "Mandaste o teu sopro. O oceano engoliu-os:  afundaram-se como o chumbo nas águas majestosas" (Ibid. 15, 10).
São imagens fortes, que querem mostrar a medida da grandeza de Deus, enquanto exprimem a admiração de um povo  que  quase  não  acredita  no  que vê, e se abandona em uníssono num cântico comovido:  "O Senhor é a minha força e a minha glória, foi Ele que me salvou. Ele é o meu Deus, glorificá-Lo-ei; é o Deus de meu pai, louvá-Lo-ei" (Ibid., 15, 2).

O cântico não fala apenas da libertação obtida; indica também a sua finalidade positiva, ou seja, a entrada na casa de Deus para viver em comunhão com Ele:  "Tu guias, pela Tua misericórdia, este povo que libertaste; e com o Teu poder o diriges para a Tua santa morada" (Ibid., 15, 13).

Compreendido desta forma, este acontecimento não esteve só na base da aliança entre Deus e o seu povo, mas tornou-se o "símbolo" de toda a história da salvação. Em muitas outras ocasiões Israel conhecerá situações análogas, e o Êxodo atualizar-se-á pontualmente. De maneira especial, aquele acontecimentio prefigura a grande libertação que Cristo realizará com a sua morte e ressurreição.

Por isso o nosso hino é cantado de modo especial na liturgia da Vigília pascal, para ilustrar com a intensidade das suas imagens o que se realizou em Cristo. N'Ele fomos salvos não só de um opressor humano, mas daquela escravidão de satanás e do pecado, que desde as origens pesa sobre o destino da humanidade. Com Ele a humanidade põe-se de novo a caminho, pelas estradas que conduzem à casa do Pai.

Esta libertação, já realizada no mistério e presente no Batismo como uma semente de vida destinada a crescer, alcançará a sua plenitude no fim dos tempos, quando Cristo voltar glorioso e entregar "o Reino a Deus Pai" (1 Cor. 15, 24). A Liturgia das Horas convida-nos a olhar precisamente para este horizonte final, escatológico, introduzindo o nosso Cântico com uma citação do Apocalipse:  "os que venceram a Besta...cantavam o cântico de Moisés, servo de Deus" (Ap15, 2.3).

No final dos tempos, realizar-se-á plenamente para todos os que foram salvos aquilo que o acontecimento do Êxodo prefigurava e a Páscoa de Cristo realizou de maneira definitiva, mas aberto ao futuro. De fato, a nossa salvação é real e profunda, mas situa-se entre o "já" e o "ainda não" da condição terrena, como nos recorda o apóstolo Paulo:  "Porque na esperança é que fomos salvos" (Rm 8, 24).

"Cantemos ao Senhor, que é solenemente grande" (Êx 15, 1). Pondo nos nossos lábios estas palavras do antigo hino, a Liturgia das Laudes convida-nos a orientar o nosso dia para o horizonte da história da salvação. Esta é a forma cristã de compreender o passar do tempo. Nos dias que se acumulam não há uma fatalidade que nos oprime, mas um desígnio que se desvenda lentamente, e que os nossos olhos devem aprender a ler como em filigrana.

Os Padres da Igreja eram particularmente sensíveis a esta perspectiva histórico-salvífica, e gostavam de ler os factos relevantes do Antigo Testamento do dilúvio do tempo de Noé à chamada de Abraão, da libertação do Êxodo ao regresso dos Hebreus depois do exílio em Babilónia como "prefigurações" de acontecimentos futuros, reconhecendo naqueles fatos um valor "arquétipo":  neles eram prenunciadas as características fundamentais que se iriam repetir, de certa forma, durante toda a história humana.

Contudo, já os profetas tinham lido os acontecimentos da história da salvação, mostrando o seu sentido sempre atual e indicando a sua realização plena no futuro. Desta forma, ao meditar sobre o mistério da aliança estabelecida por Deus com Israel, eles falam de uma "nova aliança" (Jr 31, 31; cf. êx 36, 26-27), na qual a lei de Deus teria sido escrita no próprio coração do homem. Não é difícil ver nesta profecia a nova aliança estabelecida no sangue de Cristo e realizada através do dom do Espírito. Ao recitar este hino de vitória do antigo Êxodo à luz do Êxodo pascal, os fiéis podem viver a alegria de se sentirem Igreja peregrina no tempo, rumo à Jerusalém celeste.

Por conseguinte, trata-se de contemplar com admiração sempre renovada tudo o que Deus dispôs para o seu Povo:  "Tu o introduziste e o estabeleceste no monte da Tua herança, no lugar que reservaste para Tua morada, Senhor! Santuário preparado pelas Tuas mãos, ó meu Deus!"(Êx 15, 17). O hino de vitória não exprime o triunfo do homem, mas o triunfo de Deus. Não é um cântico de guerra, é um cântico de amor.

Deixando que os nossos dias sejam invadidos por este estremecimento de louvor dos antigos Hebreus, nós caminhamos pelas estradas do mundo, cheias de insídias, de perigos e de sofrimentos, com a certeza de estarmos envolvidos pelo olhar misericordioso de Deus:  nada pode resistir ao poder do seu amor.

-- Papa João Paulo II, na audiencia de 21 de Novembro de 2001

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...