27 de abr. de 2013

Salmo 42: Anseio pelo Senhor e pelo seu Templo


Caríssimos Irmãos e Irmãs:

Como a corça suspira / pelas correntes de água,
assim minha alma suspira / por ti, meu Deus.
Minha alma tem sede de Deus, / do Deus vivo:
quando entrarei para ver / a face de Deus? [Sal 42(41)2-3]


Uma corça sequiosa, com a garganta seca, lança o seu grito perante a aridez do deserto, ansiosa pelas águas frescas de um riacho. Esta célebre imagem abre o Salmo 41, que há pouco foi cantado. Podemos ver nela como que um símbolo da espiritualidade profunda desta composição, verdadeira jóia de fé e de poesia. Na realidade, segundo os estudiosos do Saltério, o nosso Salmo deve unir-se estreitamente ao seguinte, o 42, do qual foi separado quando os Salmos foram ordenados para formar o livro de oração do Povo de Deus. De fato, ambos os Salmos para além de estarem ligados pelo tema e pelo desenvolvimento são marcados pela mesma antífona:  "Porque estás triste, ó minha alma, e te perturbas dentro de mim? Espera em Deus:  ainda o poderei louvar, a Ele, salvação do meu rosto e meu Deus" (Sl 41, 6. 12; 42, 5). Este apelo, repetido duas vezes no mesmo Salmo, e uma terceira vez no Salmo seguinte, é um convite dirigido pelo que reza a si mesmo, com vista a afastar a tristeza por meio da confiança em Deus, que certamente se manifestará de novo como Salvador.

Mas voltemos à imagem de partida do Salmo, que gostaria de meditar com o fundo musical do canto gregoriano ou daquela obra-prima polifónica que é o Sicut cervus de Pierluigi da Palestrina. A corça sequiosa é, de fato, o símbolo do que reza e que se dirige com todo o seu ser, corpo e alma, para o Senhor, sentido como longínquo e ao mesmo tempo necessário:  "A minha alma tem sede do Senhor, do Deus vivo" (Sl 41, 3). No hebraico a mesma palavra, nefesh, indica ao mesmo tempo a "alma" e a "garganta". Por isso, podemos dizer que a alma o corpo do orante estão envolvidos no desejo primário, espontâneo e substancial de Deus (cf Sl 62, 2). Por alguma razão, há uma longa tradição que descreve a oração como "respiração":  ela é original, necessária, fundamental como a respiração vital.

Orígenes, grande autor cristão do terceiro século, dizia que a procura de Deus por parte do homem é uma empresa jamais terminada, porque são sempre possíveis e necessários novos progressos. Numa das suas homilias sobre o livro dos Números escreve:  "Aqueles que percorrem o caminho da busca da sabedoria de Deus não constroem casas estáveis, mas tendas móveis, porque vivem em viagens contínuas caminhando sempre em frente, descobrindo um horizonte que se perde na imensidade" (Homilia XVII).

Procuremos agora descobrir a trama desta súplica, que poderemos imaginar dividida em três atos, dois dos quais estão no interior do nosso salmo, enquanto o último se abrirá no Salmo seguinte, o 42, que olharemos em seguida. A primeira cena (cf. Sl 41, 2-6) exprime a profunda nostalgia suscitada pela recordação de um passado tornado feliz por belas celebrações litúrgicas, agora inacessíveis:  "Ao recordar-me destas coisas, a minha alma derrete-se dentro de mim, unir-me-ei com o meu povo, guiá-lo-ei até à casa do Senhor entre vozes de alegria e de louvor da multidão em festa" (v. 5).

"A casa de Deus" com a sua liturgia é o templo de Jerusalém, que o fiel outrora frequentava, mas é também o lugar da intimidade com Deus, "fonte de água viva", como canta Jeremias (2, 13). Ora, a única água que aflora às suas pupilas é a das lágrimas (Sl 41, 4) pela distância da fonte da vida. A oração festiva de então, elevada para o Senhor durante o culto no templo, é agora substituída pelas lágrimas, pelo lamento, pela súplica.

Infelizmente, opõe-se um presente triste àquele passado alegre e sereno. O Salmista encontra-se, agora, longe de Sião:  o horizonte que o circunda é o da Galileia, a região setentrional da Terra Santa, como sugere a menção das nascentes do Jordão, do cume do Hermon de onde brota este rio e de uma alta montanha desconhecida para nós, o Mizar (cf. v. 7). Estamos, pois, mais ou menos na área em que se encontram as cataratas do Jordão, as cascatas com que começa o percurso deste rio que atravessa toda a Terra prometida. Estas águas, porém, não matam a sede como as de Sião. Aos olhos do Salmista são, pelo contrário, semelhantes às águas caóticas do dilúvio que destruiram tudo. Ele sente-as cair sobre os ombros como uma torrente impetuosa que destrói a vida:  "todas as vossas vagas e torrentes passaram sobre mim" (v. 8). Na Bíblia, de facto, o caos e o mal, ou o próprio juízo divino, são representados como um dilúvio que provoca destruição e morte (Gn, 6, 5-8; Sl 68, 2-3).

Esta irrupção é definida logo a seguir no seu valor simbólico:  são os perversos, os adversários do orante, talvez também os pagãos que habitam nesta remota região onde o fiel está desterrado. Eles desprezam o justo e escarnecem da sua fé, perguntando-lhe ironicamente:  "onde está o teu Deus?" (v. 11; cf. v. 4). E ele dirige a Deus o seu pedido angustioso:  "porque vos esqueceis de mim?" (v. 10). O "porque" dirigido ao Senhor, que parece ausente no dia da provação, é típico das súplicas bíblicas.

Frente a estes lábios ressequidos que gritam, frente a esta alma atormentada, a este rosto que está prestes a ser submergido por um mar de lodo, poderá Deus permanecer mudo? Certamente que não! O orante anima-se de novo na esperança (cf. vv. 6. 12). O terceiro ato, contido no Salmo seguinte, o 42, será uma invocação confiante dirigida a Deus (Sl 42, 1. 2a. 3a. 4b) e usará expressões alegres e reconhecidas:  "Então, entrarei no altar de Deus, o Deus da minha alegria, do meu júbilo"

-- Papa João Paulo II, na audiência de 16 de Janeiro de 2002

26 de abr. de 2013

Pela bondade de Deus o mundo inteiro foi salvo


Sendo muitos, nós formamos um só corpo e somos membros uns dos outros; e é Cristo quem nos une pelo vínculo da caridade, como está escrito: Do que era dividido, ele fez uma unidade, destruiu o muro de separação, a inimizade, e aboliu a Lei com seus mandamentos e decretos (cf. Ef 2,14-15). Convém, portanto, que tenhamos os mes­mos sentimentos uns para com os outros; se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se um membro é honrado, os demais se alegrem com ele.

Acolhei-vos uns aos outros, como Cristo também vos acolheu, para a glória de Deus (Rm 15,7). Para pôr em prática este acolhimento recíproco, devemos ter os mesmos sentimentos, carregando os fardos uns dos outros e guardan­do a unidade do espírito pelo vínculo da paz (Ef 4,3). Foi assim que Deus também nos acolheu em Cristo. Falou a verdade quem disse: Deus tanto amou o mundo, que deu seu Filho Unigênito (Jo 3,16). De fato, ele foi dado em resgate pela vida de todos nós, e assim fomos arrebatados da morte e libertados da morte e do pecado. 

E ilustra a finalidade deste desígnio ao dizer que Cristo se tornou ministro da circuncisão, para demonstrar a fidelidade de Deus. Com efeito, Deus prometera aos patriarcas do povo judeu que abençoaria toda sua descendência e a multiplicaria como as estrelas do céu. Por isso se revestiu da carne, tornando-se homem, ele o próprio Deus e Verbo que conserva todas as coisas criadas e lhes dá a salvação. Veio, porém, a este mundo na sua carne não para ser servido por ele, mas ao contrário, como ele mesmo afirma, para servi-lo e dar a sua vida pela redenção de todos.

Dizia claramente ter vindo ao mundo de modo visível para cumprir as promessas feitas a Israel: Eu fui enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt 15,24). Por esta razão, Paulo não mente quando afirma que Cristo f foi o ministro da circuncisão, para confirmar as promessas feitas aos patriarcas e, com esse fim, foi entregue por Deus Pai; mas foi para que também os pagãos obtivessem misericórdia e assim o glorificassem como criador, autor, salva­dor e redentor de todos os seres humanos. Assim, pela bondade de Deus, extensiva a toda a humanidade, os pagãos foram recebidos e o mistério da sabedoria em Cristo não se desviou do seu desígnio de bondade. Efetivamente, em vez daqueles que se afastaram, o mundo inteiro foi salvo pela misericórdia de Deus.

-- Do Comentário sobre a Carta aos Romanos, de São Cirilo de Alexandria, bispo (século V)

22 de abr. de 2013

A dignidade do trabalho

Quanto aos deserdados da fortuna, aprendam da Igreja que, segundo o juízo do próprio Deus, a pobreza não é uma desonra e que não se deve corar por ter de ganhar o pão com o suor do seu rosto. É o que Jesus Cristo Nosso Senhor confirmou com o Seu exemplo. Ele, que de muito rico que era, Se fez indigente (2 Cor 8,9) para a salvação dos homens; que, Filho de Deus e Deus Ele mesmo, quis passar aos olhos do mundo por filho dum artesão; que chegou até a consumir uma grande parte da Sua vida em trabalho de marcenária: Não é Ele o carpinteiro, o Filho de Maria? (Mc 6,3). 

Quem tiver na sua frente o modelo divino, compreenderá mais facilmente o que Nós vamos dizer: que a verdadeira dignidade do homem e a sua excelência reside nos seus costumes, isto é, na sua virtude; que a virtude é o património comum dos mortais, ao alcance de todos, dos pequenos e dos grandes, dos pobres e dos ricos; só a virtude e os méritos, seja qual for a pessoa em quem se encontrem, obterão a recompensa da eterna felicidade. 

Mais ainda: é para as classes desafortunadas que o coração de Deus parece inclinar-se mais. Jesus Cristo chama aos pobres bem-aventurados (Mt 5,3): convida com amor a virem a Ele, a fim de consolar a todos os que sofrem e que choram(Mt 5,11-18); abraça com caridade mais terna os pequenos e os oprimidos. 

Estas doutrinas foram, sem dúvida alguma, feitas para humilhar a alma altiva do rico e torná-lo mais condescendente, para reanimar a coragem daqueles que sofrem e inspirar-lhes resignação. Com elas se acharia diminuído um abismo causado pelo orgulho, e se obteria sem dificuldade que as duas classes se dessem as mãos e as vontades se unissem na mesma amizade.

-- Papa Leão XIII, na Carta Encíclica Rerum Novarum (15 de Maio de 1891)

20 de abr. de 2013

Quarto Domingo de Páscoa


Este é o Domingo do Bom Pastor, pois no quarto domingo do Tempo de Páscoa é proclamado o trecho do Evangelho em que Jesus afirma ser o pastor que cuida de suas ovelhas. 

Mas antes, na Primeira Leitura, temos os apóstolos proclamarem a boa notícia, o Kerigma, a salvação de Jesus Cristo para todos, não apenas para os judeus; a humanidade, inclusive nossos irmãos judeus, são convidados a louvar a Deus Salvador e proclamar a sua palavra até dos altos dos telhados. Uma multidão imensa de todas as nações, povos e línguas é convidada para prestar culto ao Deus Pai vivo e eterno, a nossa Igreja atual. Um pouquinho disso certamente veremos na Jornada Mundial da Juventude, jovens de todo mundo reunidos em torno do nosso Papa, para louvar a Deus.

Quanto ao Bom Pastor, é interessante destacar dois aspectos desta conhecidíssimo trecho. Em primeiro lugar deve-se falar do auto-sacrifício, Cristo é aquele que dá a vida pelas suas ovelhas. O dono do rebanho não é como o funcionário, as ovelhas são suas e ele cuida que ninguém as roube, com uma dedicação permanente. O funcionário cumpre as ordens, não arrisca a vida para salvá-las dos lobos. 

Em segundo lugar, o pastor conhece suas ovelhas e elas o reconhecem, a um laço unindo-os. As ovelhas são do Pai, estão sob responsabilidade do Filho, que é um Pai. Reconhecer a Jesus Cristo como Salvador é, neste sentido, reconhecer a Deus. E nós somos filhos, ovelhas de Deus, que jamais nos abandona.

Finalmente o Bom Pastor deseja que todas as ovelhas sejam do seu rebanho, que possam se identificar com Ele, que todos formem um só rebanho sob os seus cuidados. Este é o tema que perspassa todas leituras,  uma só Igreja sob um só Pastor. 

Mas este não é apenas o Domingo do Bom Pastor, é também o Domingo das Vocações. A Igreja reunida reza pelos seus pastores, bispos e Papa, todos que estão a anunciar a bom nova pelo mundo. Mas não fiquemos apenas nisto, que já é importante. As vezes temos uma compreensão muito restrita de "vocação"e pensamos apenas em padres e monges quando deveríamos entender que todos temos uma vocação, sermos testemunhas do Evangelho, cada um pode perguntar a si mesmo: estou plenamente exercendo minha vocação? 

-- autoria própria

18 de abr. de 2013

A cruz de Cristo, salvação para o gênero humano


Nosso Senhor foi calcado pela morte mas, por sua vez, esmagou-a como quem soca com os pés o pó da estrada. Sujeitou-se à morte e aceitou-a voluntariamente, para destruir aquela morte que não queria morrer. Nosso Senhor saiu para o Calvário carregando a cruz, para satisfazer as exigências da morte; mas, ao soltar um brado do alto da cruz, fez sair os mortos dos sepulcros, vencendo a oposição da morte.

A morte o matou no corpo que assumira; mas ele, com as mesmas armas, saiu vitorioso da morte. A divindade ocultou-se sob a humanidade e assim aproximou-se da morte, que matou, mas também foi morta. A morte matou a vida natural e, por sua vez, foi morta pela vida sobrenatural.
 
Ícone de Santo Éfrem. 
A morte não poderia devorá-lo se ele não tivesse um corpo nem o inferno tragá-lo se não tivesse carne. Foi por isso que desceu ao seio de uma Virgem para tomar um corpo que o conduzisse à mansão dos mortos. Com o corpo que assumira, lá entrou para destruir suas riquezas e arruinar seus tesouros.

A morte foi ao encontro de Eva, a mãe de todos os viventes. Ela é como uma vinha cuja cerca foi aberta pela morte, por meio das próprias mãos de Eva, para que pudesse provar de seus frutos. Então Eva, mãe de todos os viventes, tornou-se fonte da morte para todos os viventes.

Floresceu, porém, Maria, a nova videira, em lugar de Eva, a antiga videira; nela habitou Cristo, a nova vida, a fim de que, ao aproximar-se a morte com sua habitual segurança para alimentar a fome devoradora, encontrasse ali escondida, no seu fruto mortal, a Vida destruidora da morteQuando, pois, a morte engoliu sem temor o fruto mortal, ele libertou a vida e com ela, multidões.

O admirável filho do carpinteiro, que levou sua cruz até os abismos da morte que tudo devoravam, também levou o gênero humano para a morada da vida. E uma vez que o gênero humano, por causa de uma árvore, tinha se precipitado no reino das sombras, sobre outra árvore passou para o reino da vida. Na mesma árvore em que fora enxertado um fruto amargo, foi enxertado depois um fruto doce, para que reconheçamos o Senhor a quem criatura alguma pode resistir.

Glória a vós, que lançastes a cruz como uma ponte sobre a morte, para que através dela as almas possam passar da região da morte para a vida!

Glória a vós, que assumistes um corpo de homem mortal, para transformá-lo em fonte de vida para todos os mortais!

Vós viveis para sempre! Aqueles que vos mataram, trataram vossa vida como os agricultores: enterraram-na como o grão de trigo; mas ela ressuscitou e, junto com ela, fez ressurgir uma multidão de seres humanos.

Vinde, ofereçamos o grande e universal sacrifício do nosso amor. Entoemos com grande alegria cânticos e orações àquele que se ofereceu a Deus no sacrifício da cruz, para nos enriquecer por meio dela com a abundância de seus dons.

-- Dos Sermões de Santo Efrém, diácono (século IV)

17 de abr. de 2013

Salmo 150: Todo o ser vivo louve o Senhor

Queridos irmãos e irmãs,

O hino que agora acompanhou a nossa oração é o último cântico do Saltério, o Salmo 150. A derradeira palavra que ressoa no livro da prece de Israel é o aleluia, ou seja, o puro louvor a Deus e, por isso, o Salmo é proposto duas vezes na Liturgia das Laudes, no segundo e no quarto domingo.
O breve texto é cadenciado por uma série de dez imperativos que repetem a palavra "hallelû","louvai"! Como música e canto perene, parece que nunca terminam, como acontece também no célebre aleluia do Messias de Haendel. O louvor a Deus torna-se uma espécie de respiro da alma, que não conhece trégua. Como se descreveu, "esta é uma das recompensas do fato de ser homem:  a exaltação silenciosa, a capacidade de celebrar. É bem expressa numa frase  que  o rabino  Akiba  ofereceu aos  seus  discípulos:  cada  dia  um  cântico / um cântico para cada dia" (A. J. Heschel,  Chi  è  l'uomo?).

O Salmo 150 parece desenvolver-se num tríplice momento. Na abertura, nos primeiros dois versículos, o olhar fixa-se no "Senhor", no "seu santuário", no "seu poder", nas "suas obras poderosas" e na "sua grandeza". Depois semelhante a um verdadeiro e próprio movimento musical no louvor insere-se a orquestra do templo de Sião (cf. vv. 3-5 b), que acompanha o cântico e a dança sagrada. Em seguida, no último versículo do Salmo (cf. v. 6) aparece o universo, representado por "todos os seres vivos" ou, se quisermos corroborar ainda mais o original hebraico, por "tudo o que respira". É a própria vida que se faz louvor, um louvor que sobe das criaturas até ao Criador.

Agora nós, neste nosso primeiro encontro com o Salmo 150, contentar-nos-emos com uma análise do primeiro e do último momento deste hino. Eles servem, por assim dizer, de moldura para o segundo momento, que ocupa a parte central da composição e que examinaremos no futuro, quando o Salmo for novamente proposto pela Liturgia das Laudes.

A primeira figura em que se desenvolve o fio musical e orante é a do "santuário" (cf. n. 1). O original hebraico fala da área "sagrada", pura e trascendente, a morada de Deus. Depois, há uma referência ao horizonte celeste e paradisíaco onde, como especificará o Livro do Apocalipse, se celebra a eterna e perfeita liturgia do Anjo (cf., por exemplo, Ap 5, 6-14). O mistério de Deus, onde os santos são recebidos na plena comunhão, constitui um âmbito de luz e de alegria, de revelação e de amor. Não é sem motivo que, mesmo com uma certa liberdade, a antiga tradução grega dos Setenta e a própria tradução latina da Vulgata propuseram, em vez de "santuário", a palavra "santos""Louvai o Senhor no meio dos seus santos".

Do céu, o pensamento passa implicitamente para a terra, sublinhando as "suas obras poderosas" realizados por Deus, que manifestam "todas as suas grandezas" (v. 2). Estas obras poderosas são descritas no Salmo 104, que convida os Israelitas a "considerar o Seu poder" (cf. 105 [104], 4), a "lembrar-se das maravilhas que fez, dos Seus prodígios e das sentenças da Sua boca" (Ibid., v. 5); então, o salmista recorda "a aliança que estabeleceu com Abraão" (Ibid., vv. 8-9), a história extraordinária de José, os milagres da libertação do Egito e da travessia do deserto e, enfim, a dádiva da terra. Outro Salmo fala de situações angustiantes, das quais o Senhor liberta aqueles que lhe "clamam"; as pessoas libertadas são incessantemente convidadas a dar graças pelos prodígios realizados por Deus:  "Dêem graças ao Senhor pelos seus favores e pelas suas maravilhas a favor dos homens" (Sl 107 [106], 8.15.21 e 31).

Assim, no nosso Salmo é possível compreender a referência às "obras poderosas", como afirma o original hebraico, isto é, os "prodígios potentes" (cf. v. 2), que Deus semeia ao longo da história da salvação. O louvor torna-se uma profissão de fé em Deus Criador e Redentor, uma celebração festiva do amor divino, que se desenvolve criando, salvando, dando a vida e a libertação.

Assim, chegamos ao último versículo do Salmo 150 (cf. v. 6). O vocábulo hebraico utilizado para indicar os "seres vivos" que louvam a Deus remete para o respiro, como se dizia, mas também para algo de íntimo e profundo, inerente ao homem.

Se é possível pensar que toda a vida das criaturas consiste num hino de louvor ao Criador, é contudo mais exacto considerar que neste coro se reserva uma posição de primazia à criatura humana. Através do ser humano, porta-voz da criação inteira, todos os seres vivos louvam o Senhor. O nosso respiro de vida, que significa também autoconsciência, compreensão e liberdade (cf. Pr 20, 27), torna-se cântico e oração de toda a vida que pulsa no universo.

Por isso, todos nós recitamos "salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor" nos nossos corações (Ef 5, 19).

Transcrevendo os versículos do Salmo 150, os manuscritos hebraicos reproduzem com frequência a Menorah, o famoso candelabro com sete braços, colocado no Santo dos Santos do templo de Jerusalém. Assim, sugerem uma bonita interpretação deste Salmo, um verdadeiro e próprio Amen na oração de sempre, dos nossos "irmãos maiores":  cada homem, com todos os instrumentos e as formas musicais que o seu próprio génio inventou "trombeta, harpa, cítara, tambores, danças, instrumentos de corda, flautas, címbalos sonoros e címbalos retumbantes", como afirma o Salmo mas também "tudo o que respira" é convidado a arder como a Menorah, diante do Santo dos Santos, em constante oração de louvor e de acção de graças.

Unidos ao Filho, voz perfeita do mundo inteiro, por Ele criado, tornemo-nos nós também uma prece incessante perante o trono de Deus.

-- Papa João Paulo II, na audiência de 9 de Janeiro de 2002

16 de abr. de 2013

Posse e uso das riquezas


Sobre o uso das riquezas, já a pura filosofia pôde delinear alguns ensinamentos de suma excelência e extrema importância; mas só a Igreja no-los pode dar na sua perfeição, e fazê-los descer do conhecimento à prática. O fundamento dessa doutrina está na distinção entre a justa posse das riquezas e o seu legítimo uso.

A propriedade particular é de direito natural para o homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a quem vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária. Agora, se se pergunta em que é necessário fazer consistir o uso dos bens, a Igreja responderá sem hesitação: A esse respeito o homem não deve ter as coisas exteriores por particulares, mas sim por comuns, de tal sorte que facilmente dê parte delas aos outros nas suas necessidades. É por isso que o Apóstolo disse: Ordena aos ricos do século... dar facilmente, comunicar as suas riquezas (São Tomás de Aquino)).

Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou do de sua família; nem mesmo a nada suprimir do que as conveniências ou decência Impõem à sua pessoa: "Ninguém com efeito deve viver contrariamente às conveniências" (São Tomás de Aquino). Mas, desde que haja suficientemente satisfeito à necessidade e ao decoro, é um dever lançar o supérfluo no seio dos pobres: "Do supérfluo dai esmolas" (Lc 11,41). 

É um dever, não de estrita justiça, exceto nos casos de extrema necessidade, mas de caridade cristã, um dever cujo cumprimento se não pode conseguir pelas vias da justiça humana. Mas, acima dos juízos do homem e das leis, há a lei e o juízo de Jesus Cristo, nosso Deus, que nos persuade de todas as maneiras a dar habitualmente esmola: "É mais feliz", diz Ele, "aquele que dá do que aquele que recebe" (At 20,35), e o Senhor terá como dada ou recusada a Si mesmo a esmola que se haja dado ou recusado aos pobres: "Todas as vezes que tenhais dado esmola, a um de Meus irmãos, é a Mim que a haveis dado" (Mt 25,40). 

Eis, aliás, em algumas palavras, o resumo desta doutrina: Quem quer que tenha recebido da divina Bondade maior abundância, quer de bens externos e do corpo, quer de bens da alma, recebeu-os com o fim de os fazer servir ao seu próprio aperfeiçoamento, e, ao mesmo tempo, como ministro da Providência, ao alívio dos outros. E por isso, que quem tiver o talento da palavra tome cuidado em se não calar; quem possuir superabundância de bens, não deixe a misericórdia entumecer-se no fundo do seu coração; quem tiver a arte de governar, aplique-se com cuidado a partilhar com seu irmão o seu exercício e os seus frutos (São Gregório Magno).

-- Papa Leão XIII, na Carta Encíclica Rerum Novarum (15 de Maio de 1891)

14 de abr. de 2013

Afirmação da fé monoteísta e trinitária


Admitimos um só Deus, não-criado, eterno, e invisível, impassível, incompreensível e imenso, compreensível à razão só pela inteligência, rodeado de luz, beleza, espírito e poder inenarrável, pelo qual tudo foi feito através do Verbo que dele vem, e pelo qual tudo foi ordenado e se conserva. 

De fato, reconhecemos também um Filho de Deus. E que ninguém considere ridículo que, para mim, Deus tenha um Filho. Com efeito, nós não pensamos sobre Deus, e também Pai, e sobre seu Filho como fantasiam vossos poetas, mostrando-nos deuses que não são em nada melhores do que os homens, mas que o Filho de Deus é o Verbo do Pai em idéia e operação, pois conforme a ele e por seu intermédio tudo foi feito, sendo o Pai e o Filho um só. Estando o Filho no Pai e o Pai no Filho por unidade e poder do espírito, o Filho de Deus é inteligência e Verbo do Pai. Se, por causa da eminência de vossa inteligência, vos ocorre perguntar o que quer dizer “filho,” eu o direi livremente: o Filho é o primeiro broto do Pai, não como feito, pois desde o princípio Deus, que é inteligência eterna, tinha o Verbo em si mesmo; sendo eternamente racional, mas como procedendo de Deus, quando todas as coisas materiais eram natureza informe e terra inerte e estavam misturadas as coisas mais pesadas com as mais leves, para ser sobre elas idéia e operação.

E o Espírito profético concorda com o nosso raciocínio, dizendo: “O Senhor me criou como princípio de seus caminhos para suas obras.” Com efeito, dizemos que o mesmo Espírito Santo, que opera nos que falam profeticamente, é uma emanação de Deus, emanando e voltando como um raio de sol. Portanto, quem não se surpreenderá ao ouvir chamar de ateus indivíduos que admitem um Deus Pai, um Deus Filho e um Espírito Santo, que mostram seu poder na unidade e sua distinção na ordem?[1] E a nossa doutrina teológica não pára aqui, mas dizemos que existe uma multidão de anjos e ministros, aos quais Deus Criador e Artífice do mundo, por meio do Verbo que dele procede, distribuiu e ordenou, para que estivessem em torno dos elementos, dos céus, do mundo, do que há no mundo, e cuidassem de sua boa ordem.

Não vos maravilheis de que eu exponha tão detalhadamente nossa doutrina, pois todo o meu afã de exatidão se orienta a que não vos deixeis arrastar pela opinião vulgar e irracional, mas que tenhais o meio de conhecer a verdade. É assim que, pelos mesmos preceitos aos quais aderimos e que não são humanos, mas ditos por Deus e por Deus ensinados, podemos persuadir-vos de que não somos ateus. 

Quais são essas doutrinas com as quais nos nutrimos? “Eu vos digo: amai os vossos inimigos, bendizei aqueles que vos amaldiçoam, orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus, que faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e chover sobre justos e injustos.” 

Permiti-me aqui, pois este discurso foi ouvido com grandes aplausos, que prossiga com confiança, como quem pronuncia a sua defesa diante de imperadores filósofos. Com efeito, quem, dentre os que analisam os silogismos, solucionam os equívocos, esclarecem as etimologias, ou que ensinam os homônimos e sinônimos, os categoremas, os axiomas, o que é o sujeito e o que é predicado; quais desses prometem fazer felizes os seus discípulos por essas ou semelhantes doutrinas? Quais desses têm almas tão purificadas que amem os seus inimigos ao invés de odiá-los, e abençoem a quem primeiro os amaldiçoou – coisa naturalíssima –, e roguem contra aqueles que atentam contra a sua própria vida? 

Ao contrário, eles passam a vida aprofundando com má intenção seus próprios mistérios, estão sempre desejando fazer algum mal, pois professam não uma demonstração de obras, mas uma arte de palavras. Entre nós, porém, é fácil falar a pessoas simples, artesãos e velhinhas que, se não são capazes de manifestar a utilidade da sua religião, a demonstram pela prática. Com efeito, não aprendem discursos de cor, e sim manifestam boas ações: não ferir a quem os fere, não perseguir na justiça a quem os despoja, dar a todo aquele que lhes pede e amar ao próximo como a si mesmos.


-- Da Petição em Favor dos Cristãos, de Atenágoras de Atenas (século II)

12 de abr. de 2013

Divórcio ou união homossexual: o que é mais grave?

Tendo em vista acontecimentos recentes aqui nos Estados Unidos, há uma discussão sobre qual seria a maior ameaça ao casamento nos termos da Igreja Católica: divórcio ou união homossexual. Um dos argumentos é que o divórcio ocorre em cerca de 50% dos casamentos, milhões de famílias a cada ano, enquanto uniões homossexuais são restritas a uma minoria. Neste caso, o divórcio seria mais perigoso.

O Catecismo da Igreja Católica (CIC) (parágrafos 2380-2391) relaciona ofensas à dignidade do casamento: adultério, divórcio, poligamia, incesto e união livre. A união homossexual não é sequer citada.

O divórcio, em alguns casos, pode não constituir ofensa moral, por exemplo, na defesa dos filhos, da própria integridade física ou até mesmo defesa do patrimônio. Pode também ser o caso que um dos cônjuges seja vítima inocente da iniciativa do outro. Portanto, ainda há situações que a Igreja aceita que divórcio tenha ocorrido. Mas nunca o segundo casamento.

Já a união homossexual é um atentado aos princípios da Igreja que define casamento como sendo "um consórcio permanente entre um homem e uma mulher, ordenado à procriação de filhos, mediante alguma cooperação sexual" (Código Canônico, 1096). Não há no catecismo nenhuma possibilidade de  aceitação, nenhuma hipótese ou circunstância. Não há na tradição da Igreja, em 2000 anos, defesa do homossexualismo, muito menos da união homossexual. Muito pelo contrário, defender esta idéia é se colocar em grave oposição à doutrina da Igreja Católica. 

Comparando, qual seria o maior problema: a má nutrição que atinge milhões ou eventuais assassinatos? Claro que a má nutrição é um problema grave que merece atenção (vide o maravilhoso trabalho da Pastoral da Criança), mas assassinato é pecado gravíssimo, de natureza bem mais profunda e consequências muito claras no Direito Canônico. Enfim, não é a "popularidade" do pecado que o torna mais ou menos grave.

-- Autoria própria.


10 de abr. de 2013

Cântico de Daniel: Todas as criaturas louvem ao Senhor

Queridos irmãos e irmãs,

O cântico que acabou de ser proclamado é constituído pela primeira parte de um longo e bonito hino que se encontra inserido na tradução grega do livro de Daniel. Cantam-no três jovens hebreus lançados numa fornalha por terem recusado adorar a estátua do rei de Babilónia, Nabucodonosor. Outra parte do mesmo cântico é proposto pela Liturgia das Horas para as Laudes do domingo, na primeira e na terceira semana do Saltério litúrgico.

O livro de Daniel, como se sabe, reflete as esperanças e expectativas apocalípticas do povo eleito, o qual, na época dos Macabeus (II século a. C.) lutava para poder viver de acordo com a Lei dada por Deus.

Na fornalha, os três jovens, milagrosamente preservados das chamas, cantam um hino de louvor dirigido a Deus. Este hino é semelhante a uma ladainha, repetitiva e, ao mesmo tempo, nova:  as suas invocações elevam-se até Deus como espirais de incenso, que percorrem o espaço em formas semelhantes mas nunca iguais. A oração não teme a repetição, como o apaixonado não hesita declarar infinitas vezes à amada todo o seu afecto. Insistir nas mesmas questões é sinal de intensidade e de numerosas formas nos sentimentos, nas pulsações interiores e nos afetos.

Ouvimos proclamar o início deste hino  cósmico,  contido  no  terceiro  capítulo  de  Daniel,  nos  versículos  52-57. É  a  introdução,  que  precede  o  grandioso  desfile  das  criaturas  envolvidas no  louvor.  Um  olhar  panorâmico para todo  o  cântico  no  seu  prolongamento litânico,  faz-nos  descobrir  uma  sucessão de elementos que constituem o enredo de todo o hino. Ele começa com seis invocações dirigidas diretamente a Deus; a elas, segue-se um apelo universal a "todas as obras do Senhor", para que abram os seus lábios imaginários ao louvor (cf. v. 57).

É esta a parte sobre a qual hoje refletimos e que a liturgia propõe para as Laudes do domingo da segunda semana. Logo a seguir, o cântico prolonga-se convocando todas as criaturas do céu e da terra para louvar e engrandecer o seu Senhor.

O nosso trecho inicial será retomado outra vez pela liturgia, nas Laudes do domingo da quarta semana. Por isso, escolheremos agora apenas alguns elementos para a nossa reflexão. O primeiro é o convite ao louvor:  "Bendito, sois, Senhor...", que, no final, se transforma em "Bendizei...!".

Existem na Bíblia duas formas de bênção, que se entrelaçam entre si. Por um lado, encontra-se a que vem de Deus:  o Senhor abençoa o seu povo (cf. Nm 6, 24-27). É uma bênção eficaz, fonte  de  fecundidade,  felicidade  e  prosperidade.  Por  outro,  encontra-se  o louvor que da terra se eleva para o céu. O homem, beneficiado pela generosidade  divina,  bendiz  a  Deus,  louvando-o, agradecendo-lhe, exclamando:  "Bendiz, ó minha alma, o Senhor!" (Sl 102, 1; 103, 1).

A  bênção  divina  é  muitas  vezes mediada  pelos  sacerdotes  (cf.  Nm  6, 22-23.27; Sir 50, 20-21)  através  da imposição  das  mãos;  ao  contrário, o louvor humano é expresso no hino litúrgico, que a assembleia dos fiéis eleva ao Senhor.

Outro elemento que consideramos no âmbito do trecho agora proposto à nossa meditação é constituído pela antífona. Poderíamos imaginar que o solista, no templo repleto de povo, entoasse o louvor:  "Bendito sois vós, Senhor...", enumerando as várias maravilhas divinas, enquanto a assembleia dos fiéis repetia constantemente a fórmula:  "Sois digno de louvor e de glória pelos séculos dos séculos". Era o que já acontecia com o Salmo 135, o chamado "Grande Hallel", ou seja, o grande louvor, onde o povo repetia:  "É eterna a vossa misericórdia", enquanto um solista enumerava os vários atos de salvação realizados pelo Senhor em favor do seu povo.

Objeto de louvor, no nosso Salmo, é em primeiro lugar o nome "glorioso e santo" de Deus, cuja proclamação ressoa no templo, também ele "santo glorioso". Os sacerdotes e o povo, enquanto contemplam, na fé, Deus que está sentado "no trono do Seu reino", sentem o Seu olhar sobre si, que "penetra os abismos" e esta consciência faz surgir do seu coração o louvor. "Bendito... bendito...". Deus, que "está sentado em cima dos querubins" e tem como habitação o "firmamento do céu", contudo está próximo do seu povo, que por isso se sente protegido e seguro.

A proposta deste cântico repetida na manhã de domingo, a Páscoa semanal dos cristãos, é um convite a abrir os olhos diante da nova criação que teve origem precisamente com a ressurreição de Jesus. Gregório de Nissa, um Padre da Igreja grega do quarto século, explica que com a Páscoa do Senhor "são criados um novo céu e uma nova terra... é plasmado um homem diferente renovado à imagem do seu criador através do nascimento do alto" (cf. Jo 3, 3.7). E continua:   "Assim  como  quem  olha para  o  mundo  sensível  deduz  por  meio das  coisas  visíveis  a  beleza  invisível... assim  quem  olha  para  este  novo mundo da criação eclesial vê nele Aquele que se tornou tudo em todos, orientando a mente pela mão, através das coisas compreensíveis da nossa natureza racional, isto é, para quem supera a compreensão humana" (Langerbeck H.,Gregorii Nysseni Opera, VI, 1-22 passim, pág. 385).

Por conseguinte, ao entoar este cântico, o crente cristão é convidado a contemplar o mundo da primeira criação, entrevendo nele o perfil da segunda, inaugurada com a morte e a ressurreição do Senhor Jesus. E esta contemplação conduz a todos pela mão, para entrarem, quase dançando de alegria, na única Igreja de Cristo.

-- Papa João Paulo II, na audiência de 12 de Dezembro de 2001

8 de abr. de 2013

Exulte o céu, Cristo está ressurgindo


Exulte o céu do alto,
aplaudam terra e mar;
o Cristo, ressurgindo,
a vida vem nos dar.

O tempo favorável
à terra já voltou;
felizes, contemplamos
o dia salvador,

no qual o mundo, salvo
no sangue do Cordeiro,
já brilha em meio às trevas
com brilho verdadeiro.

A morte mata a morte,
da culpa nos redime;
a força do vencido,
vencendo, apaga o crime.

É esta a nossa espera,
é este o nosso gozo:
também ressurgiremos,
com Cristo glorioso.

Por isso, celebremos
a Páscoa do Cordeiro,
repletos pela graça
do seu amor primeiro.

Jesus, sede a alegria
perene dos remidos;
uni na vossa glória
da graça os renascidos.

Louvor a vós, Jesus,
da morte vencedor,
reinando com o Pai
e o seu eterno Amor.

4 de abr. de 2013

São Vicente Ferrer, festa litúrgica em 5 de Abril


Brilhante e devoto, o espanhol Vicente Ferrer entrou na Ordem dos Dominicanos em 1367. Padre recém ordenado, ministrou aulas de filosofia nas universidades de Lérida e Barcelona. Em 1379 serviu como prior na casa dos dominicanos em Valencia, e este foi o único "cargo" que exerceu durante sua vida, pois durante a maior parte foi um  missionário bastante ativo. Era um renomado pregador, conhecido por realizar milagres, conselheiro de papas e reis; além de incansável trabalhador em favor da unidade cristã numa época em que a Igreja encontrava-se dividida com um Papa em Avignon, outro em Roma. Ainda assim, escreveu admiráveis textos espirituais, como este:

Você deve abrir os olhos interiores de sua alma para esta luz, para este paraíso que tens dentro de ti, um vasto horizonte que se expande muito além da compreensão humana, uma terra inexplorada pela maioria dos homens. Um observador comum vê no oceano apenas a chegada de tempestades e nunca vislumbra o que está a centímetros da superfície, fica sem saber que sobre a cintilante claridade encontra-se  maravilhosa diversidade de criaturas vivas e vegetação; e que nas profundidades misteriosas é onde a pérola forma-se. 

Pois esta é a profundidade da alma onde Deus habita e mostra-se a si mesmo para nós. E quando a alma vislumbra Deus, o que mais pode desejar? E se vier a possui-Lo, o que ou quem poderá fazê-la abandoná-Lo?

Portanto, a qualquer preço, mantenha-se naquela calma onde a alma vislumbra o Sol eternal. Esta visão de Deus irá também te descobrir. As alturas desta grandeza irão te mostrar a profundidade da tua miséria. Mas não temas nada... Quando compreenderes o teu real valor poderás julgar tuas faltas, teus crimes ficarão expostos a plena luz e os erros do teu próximo permanecerão nas sombras.

Em 1398, o santo estava doente em estado gravíssimo quando resolveu pedir a Deus pela sua recuperação com o objetivo de continuar pregando. Cristo apareceu, curou e deu-lhe sua missão: "Deves continuar pregando o arrependimento dos pecados através do mundo". Em vinte anos, São Vicente Ferrer cruzou a Europa quatro vezes a pé. Em todas as cidades multidões acorriam para ouvi-lo, milhares converteram-se, também muitíssimos milagres foram realizados.

Morreu em 5 de Abril de 1419; foi canonizado pelo Papa Calisto III em 3 de Junho de 1445.

-- Tradução própria

3 de abr. de 2013

Demonstração racional do monoteísmo


Que o Deus Criador de todo este universo seja um só desde o princípio, considerai-o do seguinte modo, a fim de que saibais também o motivo da nossa fé: 

Se, desde o princípio, tivesse havido dois ou mais deuses, certamente os dois teriam tido que estar em um só e mesmo lugar ou cada um, à parte, em seu lugar. Ora, é impossível que estivessem em um só e mesmo lugar, porque, sendo deuses, não seriam iguais, ou seja, seriam desiguais. De fato, o criado é semelhante a seus modelos, mas o não-criado não é semelhante a nada, pois não foi feito por ninguém, nem para ninguém. 

Considere o homem, sua mão, o olho e o pé são partes completivas de um só corpo, visto que deles se completa um só corpo; o homem, enquanto criado e corruptível, é composto e dividido em partes. Deus, porém, não foi criado, não é composto de partes, é indivisível. 

Se houvesse dois ou mais deuses,  cada um deles ocuparia seu próprio lugar, sendo aquele que criou o mundo mais alto que todas as coisas e estando acima do que ele fez e ordenou, onde estará o outro ou os outros? 

Com efeito, se o mundo, que tem forma esférica perfeita, é limitado pelos círculos do céu, o Criador desse mesmo mundo está acima de tudo o que foi criado, conservando tudo com a sua providência, que lugar resta para o outro ou outros deuses? 

Porque não está no mundo, já que pertence a outro; nem em torno do mundo, pois o Deus Criador do mundo está acima deste. E se não está no mundo, nem em torno do mundo (porque tudo o que rodeia este é mantido pelo Criador), onde está? Acima do mundo e de Deus, em outro mundo e em torno a outro mundo? 

Mas se está noutro e em torno de outro, já não está em torno de nós (pois não tem poder sobre este mundo), nem é grande em si mesmo, pois está em lugar limitado. E se não está em outro mundo, porque tudo é repleto pelo criador do mundo, nem em torno a outro, porque tudo é mantido por este, então, definitivamente, não existe, pois não existe lugar onde esteja. 

O que é que faz, tendo outro de quem é o mundo e estando ele acima do Criador do mundo, mas não estando nem no mundo, nem ao redor do mundo? Existe, porém, um ponto de apoio em que se apóie aquele que foi feito contra aquele que é? Acima dele, porém, está Deus e as obras de Deus. E qual será o lugar, visto que o Criador preenche o que está acima do mundo? Têm providência? Não! Não tem providência também, porque não fez nada. Por fim, se nada faz, não tem providência, nem outro lugar onde esteja, existe, desde o princípio, um único e só: o Deus Criador do mundo.

Se nos contentássemos com esses argumentos de razão, poder-se-ia pensar que a nossa doutrina é humana. Entretanto, nossos argumentos são confirmados pelas palavras dos profetas. Penso que vós, que sois amicíssimos do saber e instruidíssimos, não desconheceis os escritos de Moisés, nem de Isaías, Jeremias e outros profetas que, saindo de seus próprios pensamentos, por moção do Espírito divino, falaram o que neles se realizava, pois o Espírito se servia deles como flautista que sopra a flauta. 

Que dizem os profetas? “O Senhor é nosso Deus; não será contado nenhum outro com ele”. E ainda: “Eu sou Deus antes e depois, além de mim não há Deus.” Igualmente: “Antes de mim não existiu outro Deus, e depois de mim não existirá. Eu sou Deus e não outro além de mim.” E a respeito de sua grandeza: “O céu é o meu trono e a terra é o escabelo de meus pés. Que casa me edificarás, ou qual é o lugar do meu descanso?” Deixo para vós, inclinados sobre os livros deles, examinar mais suas profecias, a fim de que, através de um raciocínio conveniente, recuseis a calúnia contra nós.

Desse modo, fica suficientemente demonstrado que não somos ateus, pois acreditamos num só Deus, não-criado, eterno e invisível, imenso, compreensível à razão pela inteligência, rodeado de luz, beleza, espírito e poder inenarrável, pelo qual tudo foi feito através do Verbo que dele vem, e pelo qual tudo foi ordenado e se conserva.

-- Da Petição em Favor dos Cristãos, de Atenágoras de Atenas (século II)

2 de abr. de 2013

Salmo 117: Cântico de alegria e de vitória


Quando o cristão, em sintonia com a voz orante de Israel, canta o Salmo 117 que acabamos de ouvir entoar, sente dentro de si um particular frémito. De fato, ele encontra neste hino que se caracteriza por uma grande marca litúrgica duas frases que se repetem no Novo Testamento com uma nova tonalidade. A primeira é constituída pelo versículo 22:  "A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se pedra angular". Esta frase é citada por Jesus, que a aplica à sua missão de morte e de glória, depois de ter narrado a parábola dos vinhateiros (cf. Mt 21, 42). A frase é citada também por Pedro nos Atos dos Apóstolos:  "Ele é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se transformou em pedra angular. E não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome dado aos homens que nos possa salvar" (At 4, 11-12). Cirilo de Jerusalém comenta:  "Um só é o Senhor Jesus Cristo, para que a filiação seja única; proclamamos um só, para que não penses que haja outro... Com efeito, é chamado pedra, não inanimada nem cortada por mãos humanas, mas pedra angular, porque aquele que crê nela não ficará desiludido" .

A segunda frase que o Novo Testamento extrai do Salmo 117 é proclamada pela multidão na solene entrada messiânica de Cristo em Jerusalém:  "Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor!" (Mt 21, 9; cf. Sl 117, 26). A aclamação é envolvida por um "Hossana" que retoma a invocação hebraica hoshiana', "Ó Deus, salvai-nos!".

Este maravilhoso hino bíblico está situado no âmbito da pequena recolha de Salmos, do 112 ao 117, chamada o "Hallel pascal", ou seja, o louvor salmódico usado pelo culto hebraico para a Páscoa e também para as principais solenidades do ano litúrgico. O fio condutor do Salmo 117 pode ser considerado o rito da procissão, talvez marcado por cânticos para o solista e para o coro, tendo como fundo a cidade santa e o seu templo. Uma bonita antífona abre e encerra o texto:  "Louvai o Senhor porque Ele é bom, porque é eterno o Seu amor" (vv. 1. 29).

A palavra "misericórdia" traduz a palavra hebraica hesed, que designa a fidelidade generosa de Deus em relação ao seu povo aliado e amigo. São três as categorias de pessoas que cantam esta fidelidade:  Israel inteiro, a "casa de Aarão", isto é, os sacerdotes, e "quem teme Deus", uma expressão que indica os fiéis e sucessivamente também os prosélitos, ou seja, os membros das outras nações desejosos de aderir à lei do Senhor (cf. vv. 2-4).

Parece que a procissão se desenrola pelas ruas de Jerusalém, porque se fala das "tendas dos justos" (cf. v. 15). Contudo, eleva-se um hino de agradecimento (cf. vv. 5-18), cuja mensagem é fundamental:  mesmo quando estamos angustiados é necessário manter alta a chama da confiança, porque a mão poderosa do Senhor conduz o seu fiel à vitória sobre o mal e à salvação.

O poeta sagrado usa imagens fortes e vivazes:  os adversários cruéis são comparados com um enxame de abelhas ou a uma frente de chamas que progride reduzindo tudo a cinzas (cf. v. 12). Mas a reação do justo, apoiado pelo Senhor, é veemente; é repetida três vezes:  "No nome do Senhor esmagá-las-ei" e o verbo hebraico evidencia uma intervenção destruidora em relação ao mal (cf. vv. 10.11.12). De fato, na base encontra-se a direita poderosa de Deus, ou seja, a sua obra eficaz, e, indubitavelmente, não a mão débil e incerta do homem. E é por isto que a alegria pela vitória sobre o mal se abre a uma profissão de fé muito sugestiva:  "O Senhor é a minha fortaleza e o meu cantar, é a minha salvaçao" (v. 14).

Parece que a procissão chegou ao templo, às "portas da justiça" (v. 19), à porta santa de Sião. Entoa-se aqui um segundo cântico de agradecimento, que é aberto por um diálogo entre a assembleia e os sacerdotes para serem admitidos ao culto. "Abri-me as portas da justiça, desejo entrar para dar graças ao Senhor", diz o solista em nome da assembleia em procissão. "Esta é a porta do Senhor; por ela entram os justos" (vv. 19-20), respondem outros, provavelmente os sacerdotes.

Depois  de  terem  entrado,  podem dar  voz  ao  hino  de  gratidão  ao  Senhor, que no templo se oferece como "pedra" estável e certa sobre a qual se edifica a casa da vida (cf. Mt 7, 24-25). Desce uma benção sacerdotal sobre os fiéis, que entraram no templo para exprimir a sua fé, elevar a sua oração e celebrar o culto.

O último cenário que se apresenta aos nossos olhos é constituído por um rito jubiloso de danças sagradas, acompanhadas por um festivo agitar de ramos:  "Ordenai o cortejo com ramos de palmeiras, até aos ângulos do altar" (v. 27). A liturgia é alegria, encontro de festa, expressão de toda a existência que louva o Senhor. O rito dos ramos faz pensar na solenidade hebraica dos Tabernáculos, memória da peregrinação de Israel no deserto, solenidade na qual se realizava uma procissão com ramos de palmeiras, murta e salgueiro.

Este mesmo rito evocado pelo Salmo é reproposto ao cristão com a entrada de Jesus em Jerusalém, celebrado na liturgia do Domingo de Ramos. A Cristo são elevados "Hossanas" como "filho de Davi" (cf. Mt 21, 9) pela multidão que, "veio à Festa... tomou ramos de palmeira e saiu ao seu encontro, clamando:  "Hossana! Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel!"" (Jo 12, 12-13). Naquela celebração de festa que, contudo, anuncia o momento da paixão e morte de Jesus, realiza-se e compreende-se em sentido pleno também o símbolo da pedra angular, proposta na abertura, adquirindo um valor glorioso e pascal.

O Salmo 117 encoraja os cristãos a reconhecer no acontecimento pascal de Jesus "o dia que o Senhor fez", em que "a pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se pedra angular". Por conseguinte, eles podem cantar com o Salmo cheios de gratidão:  "O Senhor é a minha fortaleza e o meu cantar, é a minha salvação" (v. 14); "O Senhor actuou neste dia, cantemos e alegremo-nos n'Ele" (v. 24).

-- Papa João Paulo II, na audiência de 5 de Dezembro de 2001

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