8 de mai. de 2013

Eclesiástico 36: Oração pelo povo santo de Deus


Queridos irmãos e irmãs,

No interior do Antigo Testamento não existe só o livro oficial da oração do Povo de Deus, isto é, o Saltério. Muitas páginas bíblicas estão cheios de cânticos, hinos, salmos, súplicas, orações, invocações que se elevam para o Senhor, como resposta à sua palavra. A Bíblia revela-se, assim, um diálogo entre Deus e a humanidade, um encontro que é colocado sob o selo da palavra divina, da graça e do amor.

É o caso da súplica que agora dirigimos ao "Senhor Deus do Universo" (v.1). Está contida no livro do Eclesiástico, um sábio que recolhe as suas reflexões, os seus conselhos, os seus cantos provavelmente à volta de 190-180 a. C., nos limiares da epopéia de libertação vivida por Israel sob a orientação dos irmãos Macabeus. Um neto deste sábio, em 138 a. C. traduziu para grego, como se narra no prólogo acrescentado ao volume, a obra do avô como que a oferecer estes ensinamentos para uma procura mais ampla dos leitores e discípulos.

O livro de Sirácide é chamado "Eclesiástico" pela tradição cristã. Não tendo sido acolhido no cânone hebraico, este livro acaba por caracterizar, juntamente com outros, a chamada "veritas christiana" [verdade cristã]. Os valores propostos por esta obra sapiencial entraram de tal modo na educação cristã da era patrística, sobretudo no âmbito monástico, que se tornaram como um manual do comportamento dos discípulos de Cristo.

A invocação do capítulo 36 do Eclesiástico, assumida como oração das Laudes pela Liturgia das Horas de uma forma simplificada, move-se ao longo de algumas linhas deste tema.

Encontramos, antes de mais, o pedido de que Deus intervenha em favor de Israel e contra as nações estrangeiras que o oprimem. No passado, Deus mostrou a sua santidade quando castigou as culpas do seu povo, entregando-o nas mãos dos seus inimigos. Agora, o orante pede a Deus que mostre a sua grandeza, reprimindo a prepotência dos opressores e instaurando uma nova era a partir dos matizes messiânicos.

Certamente, a súplica reflecte a tradição orante de Israel e, na realidade, está repleta de reminiscências bíblicas. Por estes versos, ela pode considerar-se como um modelo de oração para usar durante o tempo da perseguição e da opressão, como era aquele em que vivia o autor, sob o domínio mais áspero e severo dos soberanos estrangeiros sírio-helenísticos.

A primeira parte desta oração é aberta por um apelo ardente dirigido ao Senhor para que tenha piedade e guarde (cf.v 1). Mas a atenção depressa é dirigida para a ação divina, que é exaltada através de uma série de verbos muito sugestiva:  "tem piedade... guarda... infunde o temor... levanta a mão... mostra-te grande... renova os sinais... realiza prodígios... glorifica a tua mão e o teu braço direito..."

O Deus da Bíblia não é indiferente nos confrontos com o mal. E mesmo se os seus caminhos não são os nosos caminhos, os seus tempos e projetos são diversos dos nossos (cf. Is. 55, 8-9), todavia Ele alinha do lado das vítimas e apresenta-se como juiz severo dos violentos, dos opressores, dos triunfadores que não têm piedade.

Mas esta sua intervenção não se estende à destruição. Mostrando o seu poder e a sua fidelidade no amor, Ele pode gerar ainda na consciência do malvado um estremecimento que o leve à conversão. "Para que reconheçam, como  também  nós  reconhecemos  que fora  de  Vós,  Senhor,  não há outro Deus" (v. 4).

A segunda parte do hino abre uma perspectiva mais positiva. De fato, enquanto a primeira parte pede uma intervenção de Deus contra os inimigos, a segunda não fala mais de inimigos, mas pede os favores de Deus para Israel, implora a sua piedade em favor do povo eleito e da sua cidade santa, Jerusalém.

O sonho do regresso de todos os exilados, compreendendo os do reino do Norte, torna-se objeto da oração:  "reuni todas as tribos de Jacó, tomai-as como vossa herança, como o foram desde o princípio" (v. 10). É pedida como que uma espécie de renascimento de todo o Israel, como nos tempos felizes da ocupação de toda a Terra Prometida.

Para tornar a oração mais premente, o orante insiste sobre a relação que une Deus a Israel e Jerusalém. Israel aparece designado como "o povo que foi chamado pelo vosso nome", aquele "que tratastes como filho primogénito"; Jerusalém é a "vossa cidade santa", a "vossa morada". O desejo expresso, depois, é que a relação se torne ainda mais estreita e, por isso, mais gloriosa.:  "enchei Sião com as vossas palavras inefáveis e o vosso povo com a vossa glória" (v. 13). Pelo encher com a sua majestade o Templo de Jerusalém, que atrairá a si todas as nações (cf. Is 2, 2-4;Miq 4, 1-3), o Senhor encherá o seu povo com a sua glória.

Na Bíblia, o lamento dos que sofrem nunca leva ao desespero, antes é sempre aberto à esperança. Na base, está a certeza de que o Senhor não abandona os seus filhos, não deixa cair das suas mãos aqueles que ele formou.

A seleção feita pela Liturgia omitiu uma expressão feliz na nossa oração. Ela pede a Deus que dê "testemunho em favor daqueles que, desde o princípio, são vossas criaturas" (v. 14). Desde a eternidade, Deus tem um projeto de amor e de salvação destinado a todas as criaturas, chamadas a tornar-se seu povo. É um desígnio que São Paulo reconhecerá "revelado, pelo Espírito, aos Seus santos Apóstolos e Profetas... conforme  o  desígnio  eterno  que  Deus realizou em Cristo Jesus, Nosso Senhor" (Ef 3, 5. 11).

-- Papa João Paulo II, na audiência de 23 de Janeiro de 2002

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