3 de jun. de 2013

Salmo 42: Desejo do Templo de Deus

Queridos irmãos e irmãs,

Numa Audiência geral de há algum tempo, ao comentar o Salmo que antecede o que acabamos de cantar, dissemos que ele se ligava intimamente com o Salmo seguinte. De fato, os Salmos 41 e 42 constituem um único cântico, dividido em três partes pela própria antífona:  "Porque estás abatida, ó minha alma, e te perturbas dentro de mim? Confia no Senhor, que ainda o hei-de louvar. Ele é a alegria do meu rosto. Ele é o meu Deus" (Sl 41, 6.12; 42, 5).

Estas palavras, semelhantes a um solilóquio, exprimem os sentimentos profundos do Salmista. Ele está longe de Sião, ponto de referência da sua existência porque é sede privilegiada da presença divina e do culto dos fiéis. Por isso, sente uma solidão feita de incompreensão e até de agressividade por parte dos incrédulos, agravada pelo isolamento e pelo silêncio por parte de Deus. Mas o Salmista reage contra a tristeza com um convite à confiança, que ele dirige a si mesmo, e com uma bonita afirmação de esperança:  ele espera poder louvar ainda a Deus, "salvação do seu rosto".

No Salmo 42, em vez de falar só a si próprio como no Salmo anterior, o Salmista dirige-se a Deus e suplica-Lhe que o defenda dos adversários. Repetindo quase literalmente uma invocação anunciada no outro Salmo (cf. 41, 10), o orante dirige desta vez efectivamente a Deus o brado de desconforto:  "Por que é que então me repelis? Por que ando eu triste sob a pressão do meu inimigo?" (Sl 42, 2).

Contudo ele já sente o intervalo obscuro da distância que está para terminar e exprime a certeza da volta a Sião para encontrar a casa divina. A cidade santa já não é a pátria perdida, como acontecia na lamentação do Salmo anterior (cf. Sl 41, 3-4), mas tornou-se a meta jubilosa, rumo à qual se está a caminho. A orientação da vinda para Sião será a "verdade" de Deus e a sua "luz" (cf. Sl 42, 3). O próprio Senhor será o fim último da viagem. Ele é invocado como juiz e defensor (cf. vv. 1-2). Três verbos realçam a sua implorada intervenção:  "fazei-me justiça", "defendei a minha causa", "livrai-me" (v. 1). São como que três estrelas de esperança, que se  acendem  no  céu  tenebroso  da prova  e  marcam  a  aurora  iminente  da salvação.

É significativa a leitura que Santo Ambrósio faz desta experiência do Salmista, aplicando-a a Jesus que reza no Getsémani:  "Não quero que te admires se o profeta diz que a sua alma estava abatida, visto que o próprio Senhor Jesus disse:  agora a minha alma está abatida. De fato, quem assumiu as nossas debilidades, assumiu também a nossa sensibilidade, o que fez com que ficasse entristecido até à morte, mas não pela morte. Não teria podido causar melancolia uma morte voluntária, da qual dependia a felicidade de todos os homens... Portanto estava triste até à morte, na esperança de que a graça fosse realizada. Demonstra isto o seu próprio testemunho, quando diz da sua morte:  há um batismo com o qual devo ser batizado:  e como me sinto angustiado enquanto não for realizado! "

Agora, na continuação do Salmo 42, diante dos olhos do Salmista está para se abrir a solução tão desejada:  o regresso à fonte da vida e da comunhão com Deus. A "verdade", ou seja a fidelidade amorosa do Senhor, e a "luz", isto é, a revelação da sua benevolência, são descritas como mensageiras que o próprio Deus enviará do céu a fim de tomar pela mão o fiel e conduzi-lo à meta desejada (cf. Sl 42, 3).

É muito eloquente a sequência das etapas de aproximação de Sião e do seu centro espiritual. Primeiro aparece "o monte santo", a colina na qual se eleva o templo e a fortaleza de David. Depois, vêm "as habitações", ou seja, o santuário de Sião com todos os seus espaços e edifícios que o compõem. Segue-se, depois, "o altar de Deus", a sede dos sacrifícios e do culto oficial de todo o povo. A meta última e decisiva é o Deus da alegria, é o abraço, a intimidade reencontrada com Ele, que antes estava longe e silencioso.

A este ponto, tudo é cântico, júbilo, festa (cf. v. 4). No original hebraico fala-se do "Deus que é alegria do meu júbilo". Trata-se de uma maneira de dizer para exprimir o superlativo:  o Salmista quer realçar que o Senhor é a raiz de qualquer felicidade, é a alegria suprema, é a plenitude da paz.

A tradução grega dos Setenta parece ter recorrido a uma palavra aramaica equivalente que indica a juventude e traduziu "ao Deus que alegra a minha juventude", introduzindo, desta forma, a idea do vigor e da intensidade da alegria dada pelo Senhor. O saltério latino da Vulgata, que é uma tradução feita com base no grego, diz assim:  "ad Deum qui laetificat juventutem meam". Desta forma, o Salmo era recitado aos pés do altar, na anterior liturgia eucarística, como invocação introdutória ao encontro com o Senhor.


A lamentação inicial da antífona dos Salmos 41-42 ressoa pela última vez no final (cf. Sl 42, 5). O orante ainda não alcançou o templo de Deus, ainda está envolvido pela obscuridade da provação; mas já brilha aos seus olhos a luz do encontro futuro e os seus lábios já conhecem a tonalidade do cântico de alegria. O apelo é, a este ponto, mais marcado pela esperança. De facto, observa Santo Agostinho comentando o nosso Salmo:  "Espera em Deus, responderá à sua alma aquele que por ela está perturbado... Entretanto vive na esperança. A esperança que se vê não é esperança; mas se esperamos no que não vemos é pela paciência que nós a aguardamos (cf. Rm 8, 24-25)".

Então, o Salmo torna-se a oração de quem é peregrino na terra e ainda está em contacto com o mal e com o sofrimento, mas tem a certeza de que o ponto de chegada da história não é um abismo de morte, mas o encontro salvífico com Deus. Esta certeza é ainda mais forte para os cristãos, aos quais a Carta aos Hebreus proclama:  "Vós, porém, aproximastes-vos do monte de Sião, da cidade do Deus vivo, da Jerusalém celeste, das miríades de anjos, da assembleia dos primogénitos que estão inscritos nos Céus, do juiz que é o Deus de todos, dos espíritos dos justos que atingiram a perfeição, de Jesus, o mediador da Nova Aliança, e de um sangue de aspersão que fala melhor do que o de Abel" (Hb 12, 22-24).

-- Papa João Paulo II, na audiência de 6 de Fevereiro de 2002

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