27 de jan. de 2014

Unidade da Igreja - parte VII

O pecado dos confessores

[* Os confessores eram os cristão que afirmavam a fé perante os perseguidores, e por um motivo ou outro, não eram condenados a morte. ].

Não deveis estranhar, irmãos diletíssimos, que até entre os confessores haja alguns que caíram nestes crimes (apostasia). Acontece também que alguns deles cometam outros pecados graves e vergonhosos. A confissão da fé não torna uma pessoa imune das ciladas do demônio. A quem ainda vive neste mundo ela não comunica uma perpétua segurança contra as tentações, os perigos e o ímpeto dos ataques mundanos. Se assim fosse, não veríamos, em confessores, os roubos, os estupros e os adultérios, que agora, com imensa tristeza, devemos lamentar em alguns deles.
Catedral de São Sebastião, Rio de Janeiro

Quem quer que seja um confessor, ele não poderá ser maior, melhor e mais amigo de Deus que Salomão. Entretanto, este, durante o tempo em que se manteve nos caminhos do Senhor, conservou a benevolência com que o mesmo Senhor o tinha favorecido, mas quando se desviou destes caminhos, perdeu também a benevolência do Senhor (3Rs 11,9).

Por isto diz a Escritura: "Segura o que tens, para que um outro não tome a tua coroa" (Ap 3,11). Se lá o Senhor ameaça tirar a alguém a coroa da justiça, é sinal que quem renuncia à justiça fica privado também da coroa.

A honra da confissão aumenta o dever do bom exemplo

A confissão da fé é um preâmbulo da glória, mas não é ainda a posse da coroa. Não é a glória definitiva, mas só o início do mérito. Está escrito: "O que perseverar até o fim, este será salvo" (Mt 10,22). Tudo pois o que fazemos antes do fim é só um passo com o qual vamos subindo ao monte da salvação, mas só ao fim da subida chegaremos à posse perfeita do cume.

Trata-se de um confessor? Ora, depois da confissão da fé, o perigo torna-se maior, porque o adversário está mais enraivecido contra ele.

É confessor? Por isto, mais do que nunca, deve permanecer fiel ao Evangelho do Senhor, ele que pelo Evangelho conseguiu esta honra. Diz o Senhor: "A quem muito é dado, muito será pedido e a quem é concedida maior dignidade, deste exigem-se maiores serviços" (Lc 12,48). Ninguém se deixe levar à perdição pelo mau exemplo de algum confessor. Ninguém aprenda, do seu modo de proceder, a injustiça, a arrogância ou a perfídia.

É confessor? Seja humilde e tranqüilo em todo o seu comportamento, seja disciplinado e modesto, de modo que, como é chamado confessor de Cristo, imite também aquele Cristo que confessa "Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado" (Lc 18,14). Assim disse ele, e foi exaltado pelo Pai, porque, sendo ele a Palavra, a Virtude e a Sabedoria de Deus Pai, se humilhou a si mesmo na terra. E como poderia amar a altivez, ele que, com a sua lei nos preceituou a humildade, e, em prêmio da sua humildade, recebeu do Pai o nome mais sublime? (Fl 2,9)

Alguém foi confessor de Cristo? Muito bem, mas, depois, por sua culpa, não sejam blasfemadas a majestade e a santidade do próprio Cristo. A língua que confessou a Cristo não seja maldizente nem sediciosa, não se ouça vociferando em altercações e brigas; depois de palavras tão divinas de louvor não vá vomitando veneno de serpente contra os irmãos e contra os sacerdotes de Deus.

Em suma, se alguém, depois da confissão, se tornou culpável e detestável, se aviltou a sua confissão com maus comportamentos, se manchou a sua vida com torpezas indignas, se, afinal, abandonou a Igreja, na qual se tornara confessor, e, quebrando a harmonia da unidade, trocou a fé de então com a perfídia, um tal homem não pode lisonjear-se, presumindo da sua confissão, de ser como que predestinado ao prêmio da glória. Ao contrário, por isto mesmo, aumentaram seus títulos para o castigo.

Elogio dos confessores

Catedral do Bom Pastor, San Sebastian,
Espanha.
Vemos também que chamou a Judas entre os Apóstolos, e este Judas, em seguida, traiu o Senhor. A fé e a perseverança dos Apóstolos não esmoreceram pelo fato que Judas traidor tinha pertencido ao seu grupo. Igualmente em nosso caso: a santidade e a dignidade dos confessores não ficam destruídas, se naufragou a fé em alguns deles.

O bem-aventurado apóstolo Paulo diz numa das suas cartas: "Se alguns decaíram da fé, será que a sua infidelidade tornou vã a fidelidade de Deus? De modo algum. De fato, Deus é verídico e todo homem é mentiroso" (Rom 3,3-4; Sl 115,11).

A maioria e a parte melhor dos confessores mantém-se no vigor da sua fé e na verdade da lei e da disciplina do Senhor. Lembrando-se de ter alcançado a graça e a benevolência de Deus na Igreja, não se afastam da paz da mesma Igreja. Nisto merecem mais amplo louvor pela sua fé, porque, desligando-se da perfídia daqueles que já foram seus companheiros na confissão, resistiram ao contágio do mal. Iluminados pela luz verdadeira do Evangelho, brilhando na pura e cândida claridade do Senhor, mostram-se tão dignos de encômio na conservação da paz de Cristo, quanto o foram no combate, quando se tornaram vencedores do demônio.

-- São Cipriano de Cártago (século III)

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