31 de mai. de 2014

Adão, onde estás?

Na recente viagem do Papa Francisco à Terra Santa, um dos pontos importantes foi a visita ao Museu do Holocausto. Pois lá o Papa proferiu um discurso/oração/salmo que é a uma resposta não apenas ao extermínio de judeus mas também a todas atrocidades, grandes e pequenas, que o homem é capaz de perpretar. Vale a pena ler com atenção:
Papa Francisco beija a mão de um sobrevivente dos campos de
concentração durante sua visita ao Museu do Holocausto em Jerusalem.

Adão, onde estás? (cf. Gen 3, 9).
Onde estás, ó homem? Onde foste parar?
Neste lugar, memorial do Shoah*, ouvimos ressoar esta pergunta de Deus: Adão, onde estás?.
Nesta pergunta, há toda a dor do Pai que perdeu o filho.
O Pai conhecia o risco da liberdade; sabia que o filho teria podido perder-se… mas talvez nem mesmo o Pai podia imaginar uma tal queda, um tal abismo!
Aquele grito "onde estás?" ressoa aqui, perante a tragédia incomensurável do Holocausto, como uma voz que se perde num abismo sem fundo…
Homem, quem és? Já não te reconheço.
Quem és, ó homem? Quem te tornaste?
De que horrores foste capaz?
Que foi que te fez cair tão baixo?
Não foi o pó da terra, da qual foste tirado. O pó da terra é coisa boa, obra das minhas mãos.
Não foi o sopro de vida que insuflei nas tuas narinas. Aquele sopro vem de Mim, é algo muito bom (cf. Gen 2, 7).
Não, este abismo não pode ser somente obra tua, das tuas mãos, do teu coração… Quem te corrompeu? Quem te desfigurou?
Quem te contagiou a presunção de te apoderares do bem e do mal?
Quem te convenceu que eras deus? Não só torturaste e assassinaste os teus irmãos, mas ofereceste-los em sacrifício a ti mesmo, porque te erigiste em deus.
Hoje voltamos a ouvir aqui a voz de Deus: Adão, onde estás?
Da terra, levanta-se um gemido submisso: Tende piedade de nós, Senhor!
Para Vós, Senhor nosso Deus, a justiça; para nós, estampada no rosto a desonra, a vergonha (cf. Bar 1, 15).
Veio sobre nós um mal como nunca tinha acontecido sob a abóbada do céu (cf. Bar 2, 2). Agora, Senhor, escutai a nossa oração, escutai a nossa súplica, salvai-nos pela vossa misericórdia. Salvai-nos desta monstruosidade.
Senhor, todo-poderoso, uma alma, na sua angústia, clama por Vós. Escutai, Senhor, tende piedade!
Pecamos contra Vós. Vós reinais para sempre (cf. Bar 3, 1-2).
Lembrai-Vos de nós na vossa misericórdia. Dai-nos a graça de nos envergonharmos daquilo que, como homens, fomos capazes de fazer, de nos envergonharmos desta máxima idolatria, de termos desprezado e destruído a nossa carne, aquela que Vós formastes da lama, aquela que vivificastes com o vosso sopro de vida.
Nunca mais, Senhor, nunca mais!
Adão, onde estás?
Eis-nos aqui, Senhor, com a vergonha daquilo que o homem, criado à vossa imagem e semelhança, foi capaz de fazer.
Lembrai-Vos de nós na vossa misericórdia! 

-- Papa Francisco, em 26 de Maio de 2014

* Shoah = Holocausto em hebraico

Maria da Cruz, o crescimento da escola e da ordem

O desejo de Mary pela vida religiosa com sua resposta às necessidades das crianças pobres de Penola resultou na fundação de uma nova forma de vida religiosa.

A escola em Pinola foi aberta com a idéia de educar a todas crianças, sem distinção, tanto os que poderiam pagar quanto os que não poderiam, algo inovador na época. Era o início de um modelo de educação católica inédito na Austrália. Certa vez o governador
solicitou que seu neto fosse aluno da escola, mas exigiu uma separação dos alunos pobres. Mary não concordou, todas as criannças são filhos de Deus e recebiam o mesmo tratamento e importância. O menino jamais estudou na escola.

Os primeiros 33 alunos tiveram oportunidade de aprender a ler, escrever e matemática, sempre pensando em aplicações práticas. Por exemplo, a escrever a lista de compras e calcular o preço a pagar. Isto acompanhado de orações e cantos religiosos.

Após estabelecer a escola, Mary declarou sua intenção de servir a Deus. Em de 15 de Agosto de 1867, na pequena capela na Grote Street, em Adelaide, Mary MacKillop declarou seus votos e tornou-se Maria da Cruz. Em uma carta para a mãe escreveu: "Quando saí de casa não poderia imaginar que teria a felicidade de ver minha profissão de fé aceita. Graças a bondade de Deus e gentileza do Padre Woods, foi permitido que entrasse na vida religiosa.".  Em outra carta, afirmou: "A Cruz é minha porção; é meu suave descanso e suporte". Nesta época, Padre Woods auxiliou-a muitíssimo como diretor espiritual.

Após uma reunião dos bispos da Austrália, ao tomar conhecimento da escola de Pinola,  o Bispo de Queensland James Quinn solicitou que as Irmãs de São José estabelecesse uma escola em Brisbane. Mas, ao chegarem an diocese, perseguições e fofocas políticas quase impediram a criação da escola. Foi um ano muito difícil, mas também em que, de acordo com a própria santa, ela pode amadurecer e fortalecer sua fé e organização da Ordem.

Em Agosto de 1871, a Ordem já tinha 120 irmãs, com uma idade média de apenas 23 anos, a Ordem era não apenas nova, mas tentando a inexperiência. No entanto já eram chamadas à várias dioceses do país. Irmã Mechtilde relata que algumas vezes eram insultadas devido ao voto de pobreza, passavam necessidades, mas, em geral, eram bem recebidas pelo povo. Nesta época, Maria da Cruz não apenas sabia o nome de cada irmã como escrevia regularmente a cada uma delas. 

Ao final do ano, uma crise ocorreu em Adelaide. Alertada por cartas do Padre Woods, retornou imediatamente a casa inicial da Ordem pois duas irmãs alegavam ter visões místicas e não auxiliavam nas tarefas diárias, além de contestarem abertamente as orientações do Padre Woods e os regulamentos da Ordem. O assunto já era do conhecimento de outros padres e obrigou Maria da Cruz a chamas as duas irmãos à obediência. Era apenas o início de vários desafios que viriam no futuro com o crescimento da Ordem e sua dispersão pelo país.



27 de mai. de 2014

O início da vida de Santa Maria da Cruz

O início difícil da vida de Santa Maria da Cruz (Mary MacKillop) até a criação de uma escola num estábulo em Penola, sua vida já demonstra o desejo de ajudar aos necessitados e seguir a vontade de Deus.

Seu pai, Alexander MacKillop nasceu em uma família católica nas Highlands da Escócia. Aoos 14 anos foi enviado para o Colégio Scots em Roma para prepara-se para o sacerdócio. Seus professores o descreviam como um excelente estudante e grande debatedor. Ela ficou por seis anos, quando teve que retornar a Escócia por questões de saúde. Recuperado, recomeçou os estudos em Aberdeen por mais dezessete meses. Quando estava próximo a ordenação, decidiu por outra vida e em Janeiro de 1838 embarcou no navio Brilliant rumo a Austrália. 

Flora MacDonald chegou na Austrália em Abril de 1849 a bordo do Glen Huntly, tendo partido da Escócia junto com sua mãe e irmão. Ao chegar, ficaram em quarentena devido a ameaças de febre tifóide. Ao chegarem, foram ajudados por Alexander, que já estave melhor adaptado ao país. Três meses após, Alexander e Flora casaram-se em 14 de Julho.  Em Abril de 1841,Alexander adquiriu uma pequena casa em Melbourne. Mary MacKillop, a primira de oito filhos, nasceu em 15 de Janeiro de 1842.

Sendo a mais velha, Mary logo assumiu a responsabilidade por muitas tarefas caseiras dentro de casa. 

O pai era mau negociante e colocava a familia em dificuldades financeiras, mas compensava largamente educando os filhos na fé e educação geral, pois não havia dinheiro para pagar escolas. Muitas casas foram adquiridas e perdidas durante a infância de Mary. Todos aprenderam a confiar na providência de Deus, uma experiência que carregou por toda vida. 

Aos 14 anos, Mary começou a trabalhar e, logo, tornou-se a principal provedora da casa, respondendo pelas necessidades da família. 

Quatro anos após, Mary mudou-se para a cidade de Penola, Sul da Austrália, para trabalhar como governanta dos seus tios, Alexander e Margaret Cameron. Sua principal atividade era educar as crianças.

Percebendo que os filhos de outros empregados e vizinhos também não tinham acesso à educação, começou a ensiná-los a ler e escrever, usando o Catecismo como texto principal. Logo seu trabalho chamou a atenção do Padre Julian Woods, pároca da igreja na cidade.

Padre Woods tornou-se seu diretor espiritual, com quem compartilhava seus ideias de educação para os pobres. Percebendo que com a chegada de imigrantes pobres, isto tornava-se um problema mais importante, ele também desejava fazer algo. 

Para iniciar, adaptou um estábulo para tornar-se a escola e convidou Mary e suas irmãs Annie e Lexie para serem as professoras.  Aos 24 anos, Mary tornava-se diretora de uma escola e começava a servir a Igreja.

Na Festa de São José, 1o. de Maio de 1866, Mary apareceu usando um vestido muito simples, todo preto. A todos ficou evidente a sua opção. Em 21 de Novembro, sua irmã Lexie também optou pelas vestes de uma postulante a vida religiosa.

Nesta mesma época, Padre Woods tornou-se secretário do Bispo de Adelaide e logo após, Diretor de Educação da Diocese, que abrangia o Sul da Austrália. Este trabalho afastou-o de Penola, mas permitiu que aprovasse a construção de uma escola adequada na cidade. 

Padre Woods e o Bispo, com a intenção de fundarem uma ordem de religiosas na Austrália, criaram as regras da ordem:

1. Pobreza
2. Depender da Providência Divina
3. Não possuir bens materias, nem para fins pessoais.
4. Ir onde for chamada.

Em 1867, Mary tornou a primeira irmã e superiora da Ordem das Irmãs de São José do Sagrado Coração. Até o final do ano, outras dez irmãs haviam se juntado a ordem.

* em Março publiquei uma lista das 10 mais influentes mulheres na história da Igreja e comentei que não conhecia algumas e precisava ler um pouco antes de escrever. Santa Maria da Cruz é uma destas
"desconhecidas". 


-- autoria própria.


26 de mai. de 2014

São Filipe Neri - filme

Belo filme que nos coloca em contato com a personalidade encantadora de São Filipe Neri, conhecido como o Apóstolo de Roma.

Leia o post anterior sobre a vida do santo

Sinopse:
Filipe Néri, o santo da alegria e do entusiasmo, sonhou ser missionário na longínqua Índia. Logo, porém, descobriu que a sua Índia estava nas ruas de Roma, cuidando das crianças pobres. Sua simplicidade contagiava a todos, motivando-os com o lema "sejam bons se puderem" e ensinando-os, através do trabalho, canto e dança, a "preferir o paraíso" e a serem responsáveis em tudo.

Parte 1
Parte 2

19 de mai. de 2014

O primogênito da nova criação

Começou o reino da vida e foi dissolvido o império da morte. Apareceu um novo nascimento, uma vida nova, um novo modo de viver; a nossa própria natureza foi transformada. Que novo nascimento é este? É o daqueles que não nasceram do sangue nem da vontade da carne nem da vontade do homem, mas de Deus mesmo (Jo 1,13).

Tu perguntas: como isto pode acontecer? Escuta-me, vou te explicar em poucas palavras.
 
Cristo Ressuscitado, de Boticelli. Instituto
de Artes de Detroit, USA
Este novo ser é concebido pela fé; é dado à luz pela regeneração do batismo; tem por mãe a Igreja que o amamenta com sua doutrina e tradições. Seu alimento é o pão celeste; sua idade adulta é a santidade; seu matrimônio é a familiaridade com a sabedoria; seus filhos são a esperança; sua casa é o reino; sua herança e riqueza são as delícias do paraíso; seu fim não é a morte, mas aquela vida feliz e eterna que está preparada para os que dela são dignos.

Este é o dia que o Senhor fez para nós (Sl 117,24), dia muito diferente daqueles que foram estabelecidos desde o início da criação do mundo e que são medidos pelo decurso do tempo. Este dia é o início de uma nova criação. Nele Deus faz um novo céu e uma nova terra, como diz o Profeta. Que céu é este? Seu firmamento é a fé em Cristo. E que terra é esta? O coração bom, de que fala o Senhor, é a terra que absorve a água das chuvas e produz frutos em abundância.

O sol desta nova criação é uma vida pura; as estrelas são as virtudes; a atmosfera é um comportamento digno; o mar é a profundidade da riqueza, da sabedoria e da ciência (Rm 11,33). As ervas e as sementes são a boa doutrina e a Escritura divina, onde o rebanho, isto é, o povo de Deus, encontra sua pastagem e alimento; as árvores frutíferas são a prática dos mandamentos.

Neste dia, o verdadeiro homem é criado à imagem e semelhança de Deus. Não é, porventura, um novo mundo que começa para ti neste dia que o Senhor fez? Não diz o Profeta que esse dia e essa noite não têm igual entre os outros dias e noites?

Mas ainda não explicamos o dom mais precioso que recebemos neste dia de graça. Ele destruiu as dores da morte e deu à luz o primogênito dentre os mortos.

Subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus (Jo 20,17), diz o Senhor Jesus. Que notícia boa e maravilhosa! O Filho Unigênito de Deus, que por nós se fez homem, a fim de nos tornar seus irmãos, apresenta-se como homem diante de seu verdadeiro Pai, para levar consigo todos os novos membros da sua família.

-- Dos Sermões de São Gregório de Nissa, bispo (século IV)

16 de mai. de 2014

Salmo 91: Louvor ao Senhor Criador

Queridos irmãos e irmãs,

A Antiga tradição hebraica reserva um lugar particular ao Salmo 91, que agora ouvimos como cântico do homem justo ao Deus criador. O título atribuído ao Salmo indica, de fato, que ele é destinado ao dia de sábado (cf. v. 1). É, pois, o hino que se eleva ao Senhor eterno e glorioso quando, ao pôr do sol de sexta-feira, se entra no santo dia da oração, da contemplação, do sereno repouso do corpo e do espírito.

No centro do Salmo, ergue-se, solene e grandiosa, a figura do Deus altíssimo (cf. v. 9), à volta do qual se esboça um mundo harmonioso e em paz. Perante ele é colocada também a pessoa do justo que, segundo uma concepção querida ao Antigo Testamento, está repleto de bem-estar, alegria e longa vida, como natural consequência da sua existência honesta e fiel. Trata-se da denominada "teoria da retribuição", pela qual todo o delito tem um castigo sobre a terra e todo o ato bom tem uma recompensa. Mesmo se há nesta visão uma componente de verdade, todavia como Jó fará pensar e como dirá Jesus (cf. Jo 9, 2-3) a realidade da dor humana é muito mais complexa e não pode ser simplificada tão facilmente. O sofrimento humano, de fato, deve ser considerado na perspectiva da eternidade.

Sarcófago do Bom Pastor, Catacumbas de Roma, cerca de 390,
relevo em mármore.
Mas examinemos agora este hino sapiencial através dos aspectos litúrgicos. Ele é constituído por um intenso apelo ao louvor, ao canto alegre da acção de graças, ao ar de festa da música, marcada pela harpa de dez cordas, pela lira e pela cítara (cf. vv. 2-4). O amor e a fidelidade do Senhor devem ser celebrados através do canto litúrgico que é conduzido "com arte" (cf. Sl 46, 8). Este convite vale também para as nossas celebrações, porque encontram sempre um resplendor não só nas palavras e nos ritos, mas também nas melodias que o animam.

Depois deste apelo a não extinguir mais o fio interior e exterior da oração, verdadeira respiração constante da humanidade fiel, o Salmo 91 propõe, em duas imagens, o perfil do ímpio (cf. vv. 7-10) e do justo (cf. vv. 13-16). O ímpio, porém, é posto perante o Senhor, "o excelso para sempre" (v. 9), que fará morrer os seus inimigos e dispersará todos os que fazem o mal (cf. v. 9). De fato, só à luz divina se consegue compreender em profundidade o bem e o mal, a justiça e a perversão.

A figura do pecador é delineada com uma imagem vegetal:  "os pecadores germinam como a erva e florescem todos os que fazem o mal" (v.8). Mas este florescer está destinado a secar e a desaparecer. O Salmista, efetivamente, multiplica os verbos e as palavras que descrevem a destruição:  "Espera-os uma ruína eterna... os teus inimigos, Senhor, perecerão, serão dispersos todos os que fazem o mal" (vv 8.10).

Na raiz deste êxito catastrófico está o mal profundo que ocupa o espírito e o coração do perverso:  "O homem insensato não compreende e o estulto não penetra nestas coisas" (v. 7). Os adjetivos aqui usados pertencem à linguagem sapiencial e denotam a brutalidade, a cegueira, a surdez de quem pensa poder tornar-se perverso sobre a face da terra, sem travões morais, com a ilusão de que Deus está ausente e indiferente. O orante, por outro lado, está certo de que o Senhor, mais cedo ou mais tarde, aparecerá no horizonte para fazer justiça e dobrar a arrogância do insensato (cf Sl 13).

Eis-nos, pois, diante da figura do justo, representada como uma grande pintura e cheia de cores. Também neste caso se recorre a uma imagem vegetal, fresca e verdejante (cf. Sl 91, 13-16). Diferente do ímpio que é como a erva dos campos, viçosa mas passageira, o justo ergue-se para o céu, sólido e majestoso como a palmeira e o cedro do Líbano. Por outro lado, os justos "estão plantados na casa do Senhor " (v. 14) isto é, têm uma relação muito mais sólida e estável com o templo e, por isso, com o Senhor,  que  nele  estabeleceu  a  sua morada.

A tradição cristã jogará também com o duplo significado da palavra grega phoinix, usada para traduzir o termo hebraico que indica a palmeira. Phoinix é o nome grego da palmeira, mas também o da ave que chamamos "fénix". Ora, é sabido que a fénix era símbolo da imortalidade, porque se imaginava que aquela ave renascia das próprias cinzas. O cristão faz uma experiência semelhante graças à sua participação na morte de Cristo, fonte de vida nova (cf. Rm 6, 3-4). "Deus... de mortos que estávamos pelos pecados, fez-nos reviver em Cristo" diz a Carta aos Efésios, "com ele também nos ressuscitou" (2, 5-6).

Uma outra imagem representa o justo e é de tipo animal, destinada a exaltar a força que Deus concede, mesmo quando chega a velhice:  "Tu me dás força como a de um búfalo, e me unges com óleo novo" (Sl, 91, 11). Por um lado, o dom da potência divina faz triunfar e dá segurança (cf. v. 12); por outro, a fronte gloriosa do justo é consagrada pelo óleo que dá uma energia e uma bênção protectora. O Salmo 91 é, pois, um hino de otimismo, fortalecido pela música e pelo canto. Ele celebra a confiança em Deus que é fonte de serenidade e paz, mesmo quando se assiste ao sucesso aparente do ímpio. Uma paz que é completa mesmo na velhice (cf. v. 15), estação vivida ainda na fecundidade e na segurança.

Concluímos com as palavras de Orígenes, traduzidas por São Jerónimo, que tiram a sua razão da frase em que o salmista diz a Deus:  "unges-me com óleo novo" (v. 11). Orígenes comenta:  "A nossa velhice tem necessidade do óleo de Deus. Como quando os nossos corpos estão cansados não se fortalecem senão ungindo-os com o óleo; como a chamazinha da lâmpada se extingue se não lhe acrescentamos óleo, assim também, a chamazinha da minha velhice tem necessidade, para crescer, do óleo da misericórdia de Deus. De resto, também os Apóstolos sobem ao monte das Oliveiras (cf. At 1, 12), para receber luz do óleo do Senhor, pois estavam cansados e as suas lâmpadas tinham necessidade do óleo do Senhor... Por isso, rezemos ao Senhor para que a nossa velhice, toda a nossa fadiga e todas as nossas trevas sejam iluminadas pelo óleo do Senhor" (74 Homilias sobre o Livro dos Salmos).

-- Santo João Paulo II, na audiência de 12 de Junho de 2002

11 de mai. de 2014

Ordenação, o casamento com a noiva Igreja

Vocês prepararam-se por muitos anos, muitos anos de oração. Vocês prepararam-se tão bem como a moça que está entrando em um casamento. Agora falemos da noiva com quem vocês estão casando-se hoje.

Ela é mais nova, ainda na sua primavera, mas ela conta sua idade em séculos. É uma noiva brilhantemente linda, mas também é deformada, desfigurada com muitas feridas, as cicatrizes do próprio Cristo. Está gasta pelos séculos, feia para aqueles que não a conhecem tão bem como vocês. 

Cardeal O'Connor, arcebispo de Nova Iorque entre
1984 e 2000. 
Ela será gentil, paciente e amável, mas também pode ser cabeça dura, discordar até irritar. Ela será fiel, mas, em certos momentos, parecerá que está dando as costas, até mesmo traindo-os. Será consoladora e reconfortante, mas também extraordinariamente exigente. Ela entregará sua vida a vocês, mas exigirá em troca a vida de vocês.

A noiva com que vocês estão unindo-se hoje não é a Igreja triunfante. Esta é a Igreja deste mundo, a Igreja do Povo de Deus. Povo de Deus que é forte e santo, fraco e pecador. Povo de Deus que é bom e generoso. Povo de Deus que é egoísta e exigente. Povo de Deus que irá amá-los além de qualquer amor imaginado, mas, às vezes, parecerá que os odeia, é ressentido, até mesmo os desprezará. Povo de Deus, sua noiva, vos dará incríveis alegrias e imensas dores, grandes alegrias e profundas tristezas. Este é o Povo de Deus, ainda não totalmente maduro, ainda imperfeito. E estas são as pessoas que tomas por esposa hoje, como padres.

Como seu bispo, vos dou um mandato: amem sua Igreja, amem o Povo de Deus. Amem ambos nos bons momentos, nos piores, na riqueza, na pobreza, na doença e na saúde. Amem até a morte, após a qual vocês e eles serão transfigurados em glória.

Vocês se tornaram íntimos do seu povo, mas as intimidades ocorrerão quando estiverem administrando os Santos Sacramentos. Vocês poderão curar, reconciliar, dar o seu amor. Irão batizar, visitar os doentes, enterrar os mortos e, acima de tudo, entrar na maior das intimidades com sua esposa no Santo Sacrifício Eucarístico. Nas missas devem colocar de lado a sua vida e erguer a de Cristo. Seus corpos estarão quebrados, mas Seu Corpo foi quebrado. Seu sangue pode ser derramado, assim como o Sangue de Cristo foi derramado. Maior amor que este não há, e, verdadeiramente, entregarás a tua vida para a noiva, a Igreja, e o Povo de Deus. E nunca, nunca, encontrarás Deus recusando a sua generosidade e sacrifício.

Amem o Povo de Deus, sejam gentis e amáveis com eles. Peçam que sejam o que Deus pede para serem  mas perdoem as faltas quando acontecerem, assim como a noiva, a Igreja, perdoa os vossos pecados e fraquezas. E, se amares a sua esposa, se entregares a tua vida a Ela diariamente, então entenderás que o amor fica mais forte e profundo com o passar dos anos, como é dito na festa de casamento em Caná, a noiva reservou o melhor vinho para o final. Os anos de prata e ouro do sacerdote, apesar dos sofrimentos pelos quais podem passar, as tentações que experimentarem, as pressões, os conflitos, solidão, daqueles dias em que te perguntares "é isto o que realmente Deus quer de mim?", apesar de tudo isto, entenderás que o amor do Povo de Deus é  cada dia mais rico e mais doce que hoje, no dia da ordenação.

Minha palavra final aos meus irmãos padres: sempre preguem a verdade. O Povo de Deus não merece nada menos. Há ouvidos procurando por novos ensinamentos, como São Paulo nos lembrou, mas nós temos os ensinamentos de Cristo, o Evangelho, nosso Santo Papa, os santos. Preguem e ensinem corajosamente. Sirvam o Povo de Deus como seus servos, nunca como mestres. Acima de tudo, amem a Igreja que hoje estás tomando como esposa.

--   Homília do Cardeal John O'Connor, arcebispo de Nova Iorque, durante uma ordenação em 1980.


6 de mai. de 2014

Santa Flávia Domitila, 7 de Maio


Flávia Domitila foi uma matriarca da família imperial romana que viveu em torno do século I. Foi a terceira pessoa com o mesmo nome (mãe, filha e neta). A primeira delas foi esposa do Imperador Vespasiano; a segunda era irmã do imperador Tito; a terceira, a santa, casou-se com o governador Flavio Clemente, primo do Imperador Domiciano. Teve dois filhos que estavam na linha sucessória do Imperador, mas provavelmente foram criados dentro da fé cristã pela sua piedosa mãe. De seus destinos não se sabe, é certo que não sucederam Domiciano. 


O marido Flávio Clemente, cônsul e senador, foi acusado de falhas de caráter e ateísmo por não adorar os deuses romanos e praticar ritos e costumes judaicos, aparentemente uma confusão entre o Cristianismo inicial e o Judaísmo. Para o historiador Suetônio, Flávio Clemente era omisso pois não participava da vida pública da mesma forma que seus pares. Na verdade, como cristão, tinha que ausentar-se das variadas atividades comuns aos nobres da época por não serem adequadas à salvação. 

No caso de Domitila não há dúvidas de que era cristã, pois o Cemitério Domitiliano (uma das catacumbas na área de Roma) situa-se nas propriedades da família. Segundo a tradição, ela pessoalmente cuidava do enterro dos mártires, aléms de auxiliar as viúvas e órfãs.

Como resultado das acusações de sacrilégio - sempre do ponto de vista romano - Flávio Clemente foi condenado à morte e Flávia Domitila ao desterro na Ilha de Pandataria, onde teria morrido. 

Santa Flávia Domitila é considerada mártir pelas Igrejas Católicas e Grega Ortodoxa. Inicialmente sua memória era celebrada em 12 de Maio, junto com São Nereu e Aquiles. Considerando estudos mais recentes acerca destes três santos, em 1969 foi listada no Livro dos Mártires em 7 de Maio. 

-- autoria própria

3 de mai. de 2014

A pregação apostólica

Cristo Jesus, nosso Senhor, durante a sua vida terena, ensinou quem era ele, quem tinha sido desde sempre, qual era a vontade do Pai que vinha cumprir e qual devia ser o comportamento do homem. Ensinava estas coisas ora em público, diante de todo o povo, ora em particular, aos seus discípulos. Dentre estes escolheu doze para estarem a seu lado, e que destinou para serem os principais mestres das nações.
São Felipe Apóstolo

        Quando, depois da sua ressurreição, estava prestes a voltar para o Pai, ordenou aos onze – pois um deles se havia perdido – que fossem ensinar a todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

        Imediatamente os apóstolos (palavra que significa “enviados”) chamaram por sorteio a Matias como duodécimo para ocupar o lugar de Judas, segundo a profecia contida num salmo de Davi. Depois de receberem a força do Espírito Santo com o dom de falar e de realizar milagres, começaram a dar testemunho da fé em Jesus Cristo na Judéia, onde fundaram Igrejas; partiram em seguida por todo o mundo, proclamando a mesma doutrina e a mesma fé entre os povos. Em cada cidade por onde passaram fundaram Igrejas, nas quais outras Igrejas que se fundaram e continuam a ser fundadas foram buscar mudas de fé e sementes de doutrina. Por esta razão, são também consideradas apostólicas, porque descendem das Igrejas dos apóstolos.
São Tiago Apóstolo

        Toda família deve ser necessariamente considerada segundo sua origem. Por isso, apesar de serem tão numerosas e tão importantes, estas Igrejas não formam senão uma só Igreja: a primeira, que foi fundada pelos apóstolos e que é origem de todas as outras. Assim, todas elas são primeiras e apostólicas, porque todas formam uma só. A comunhão na paz, a mesma linguagem da fraternidade e os laços de hospitalidade manifestam a sua unidade. Estes direitos só têm uma razão de ser: a unidade da mesma tradição sacramental.

        Se quisermos saber o conteúdo da pregação dos apóstolos, e, portanto, aquilo que Jesus Cristo lhes revelou, é preciso recorrer a estas mesmas Igrejas fundadas pelos próprios apóstolos e às quais pregaram quer de viva voz,quer por seus escritos.

        O Senhor realmente havia dito em certa ocasião: Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora; e acrescentou: quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade (Jo 16,12-13). Com estas palavras revelou aos apóstolos que nada ficariam ignorando, porque prometeu-lhes o Espírito da Verdade que os levaria ao conhecimento da plena verdade. E, sem dúvida alguma, esta promessa foi cumprida, como provam os Atos dos Apóstolos ao narrarem a descida do Espírito Santo.

-- Do Tratado sobre a prescrição dos hereges, de Tertuliano, presbítero (século II)

* leitura recomendada para a festa de São Felipe e São Tiago Apóstolos, 3 de Maio

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