26 de fev. de 2017

Três parábolas: o joio e o trigo; o grão de mostarda e o fermento

O capítulo 13 de Mateus é uma sequência de 7 parábolas muito conhecidas. Esta catequese é sobre três delas (Mt 13, 24-43):


O joio e o trigo: Propôs-lhes outra parábola, dizendo: O reino dos céus é semelhante ao homem que semeia a boa semente no seu campo; Mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o joio. E os servos do pai de família, indo ter com ele, disseram-lhe: Senhor, não semeaste tu, no teu campo, boa semente? Por que tem, então, joio?

E ele lhes disse: Um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres pois que vamos arrancá-lo? Ele, porém, lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: Colhei primeiro o joio, e atai-o em molhos para o queimar; mas, o trigo, ajuntai-o no meu celeiro.


O grão de mostarda: Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando nele, semeou no seu campo. O qual é, realmente, a menor de todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas, e faz-se uma árvore, de sorte que vêm as aves do céu, e se aninham nos seus ramos.


O fermento: Outra parábola lhes disse: O reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado. Tudo isto disse Jesus, por parábolas à multidão, e nada lhes falava sem parábolas. 


Explicação do joio e do trigo: Para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta, que disse: Abrirei em parábolas a minha boca; Publicarei coisas ocultas desde a fundação do mundo. Então, tendo despedido a multidão, foi Jesus para casa. E chegaram ao pé dele os seus discípulos, dizendo: Explica-nos a parábola do joio do campo. E ele, respondendo, disse-lhes: O que semeia a boa semente, é o Filho do homem; O campo é o mundo; e a boa semente são os filhos do reino; e o joio são os filhos do maligno; O inimigo, que o semeou, é o diabo; e a ceifa é o fim do mundo; e os ceifeiros são os anjos. 


Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste mundo. Mandará o Filho do homem os seus anjos, e eles colherão do seu reino tudo o que causa escândalo, e os que cometem iniqüidade. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de dentes. Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

Jesus está falando em parábolas, pequenas histórias com uma moral, para que todos possam entender mais facilmente suas lições. Talvez não sejam óbvias para os nossos tempos, onde a maioria trabalha nas cidades, não em plantações, nem assa seus pães. Mas eram tarefas diárias, de homens e mulheres que precisavam conhecer bem as plantações e alimentos para sobreviver.

Joio e trigo

Trigo e joio, notou a diferença? 
A parábola do trigo e o joio inicia com o bom semeador plantando o trigo, então o inimigo planta o joio. O problema é que, no princípio, não há como separar as duas plantas, elas são idênticas. Como o joio tem raízes muito espalhadas, arrancá-lo inicialmente irá trazer junto o trigo, que tem raízes menos profundas. Então o plantador pede para que os funcionários tenham paciência, pois o tempo irá tornar o trabalho mais fácil. Conforme o trigo amadurece, as plantas carregadas de grãos verga, se inclina, pois está pesado. O joio, no entanto, desenvolve apenas uns grãos muito pequenos, sem o peso, permanece ereto. Além disso, as raízes do joio se aprofundam ainda mais, enquanto o trigo, com raízes superficiais, está quase caindo; muito fácil de separar o joio e o trigo.

O trigo caído, o joio não se curva.
Jesus mesmo diz que ambos representam as pessoas, alguns são bons, outros seguem o mal. Mas o dono da lavoura, Deus, diz que é preciso esperar que amadureçam, pois no final dos tempos, será fácil separar os bons dos maus. Os trabalhadores na lavoura, todos os questão na Igreja, são convidados a esperar, não julgar nem usar de violência, pois perderão os bons, embora a intenção seja boa, os resultados não são agradáveis a Deus. 

Além disso, enquanto o joio e o trigo são o que são pela sua natureza, e podem apenas seguir sua natureza, os homens podem escolher, mudar, converter-se em novos homens, novo trigo; ou escolher o mal, tornando-se joio. Deus criou a humanidade, ele é o bom semeador que age no início, e também é que agirá no final quando julgar aos homens, aqui na terra não é nossa tarefa julgar a ninguém, mas amar ao próximo e esperar que possa ser dar bons frutos.

Outra analogia possível diz que o trigo se verga na presença de Deus, humilde, pronto a dar seu fruto em favor do povo e Deus. O joio, orgulhoso, permanece reto, como o diabo que o semeou. Embora desagrável, mesmo o joio tem sua utilidade: ele serve para alimentar o fogo do forno onde os pães são cozidos. Sem as tribulações e problemas do mundo, não há como o cristão amadurecer, ser sinal no mundo.

O grão de mostarda

Um grão de mostarda
O grão de mostarda é realmente pequeno, a menor das sementes, mas floresce muito rápido, produz arbustos grandes. É como a Igreja, que iniciou com 12 apóstolos num cantinho do Império Romano, e hoje está presente em quase todos os lugares. 

Ainda, a mostarda não é uma planta que possa ser plantada no jardim por que as sementes caem, florescem facilmente e novas plantas nascem, quase sem controle do plantador. Na época, era plantada no lado de fora, não necessariamente muito bem vista, outro sinal do que seria a Igreja no mundo. 
A árvore de mostarda, onde os pássaros
podem repousar.

Mas na sua sombra todos os pássaros buscam refúgio, a humanidade pode buscar na Igreja o repouso dos seus problemas do mundo. Não o excesso de atividade, mas na calma de uma árvore que está lá para prover o tempero do mundo com o qual a comida, a vida, fica melhor ainda.

O fermento

O pão precisa apenas um pouquinho de fermento para crescer, em excesso põe o trabalho a perder. Depois que o processo inicia, o pão começa a crescer, é imparável e não há mais nada a fazer, apenas esperar que o pão ficará pronto. Como imagem da Igreja, lembre que não precisa muito para melhorar o mundo, apenas poucos missionários e fiéis já podem ajudar na salavação de muitos.

Um ponto interessante é quanto a quantidade. A Igreja não precisa de muitas palavras, mas nunca devemos esquecer o essencial, o Kerigma: Deus nos deu seu único Filho, Jesus Cristo, que morreu pelos nossos pecados, venceu a morte, e ressuscitou abrindo as portas do Céu para todos nós.

Conclusão

Por fim, uma palavra de Santo Agostinho: Eu vos contarei uma verdade, meus queridos, mesmo nos mais altos cargos há tanto trigo como joio. Que o bom tolere o mal, que o mal se transforme e imite o bom.  Vamos todos alcançar a Deus, vamos todos escapar do mal deste mundo por sua Misericórdia. Vamos procurar bons dias, pois estamos agora entre os maus, contudo, em maus dias, não blasfememos para que possamos alcançar os bons. 

-- este texto é quase uma transcrição da catequese dada por Márcia Fornari no Curso sobre o Evangelho de São Mateus, na minha paróquia.


18 de fev. de 2017

São Jerônimo e a tradução da Bíblia

São Jerônimo nasceu na Dalmácia, próximo a atual capital da Eslovênia, provavelmente no ano de 347, em uma família com boas condições financeiras que pode custear seus estudos. 
São Jerônimo em seu estúdio, pintado por
Domenico Ghirlandaio (1480)

Em torno do ano 360 foi enviado a Roma para estudar retórica e filosofia, também aprendeu latim e um pouco de grego para ler os autores clássicos na língua original. Em Roma conheceu a fé católica, mas tinha a vida despreocupada de um jovem, cometendo os pecados habituais da juventude, como ele mesmo relatou em seus escritos. 

Quando enfim converteu-se, passou a ter um vida asceta, viajou para a Alemanha a fim de estudar Teologia, até decidir por uma vida de eremita nos desertos da Síria. Em um sonho, foi advertido por Deus que deveria abandonar totalmente a leitura dos poetas clássicos e se concentar unicamente em livros teológicos. Com o auxílio de judeus convertidos, aprendeu o hebraico e conheceu a versão hebraica do Velho Testamento e Evangelhos. 

Em 378 ou 379 foi ordenado em Antioquia e viajou para Constantinopla onde estudou as Sagradas Escrituras com São Gregório Nazianzeno. Em 382 foi a Roma para participar de um Concílio que discutiria a composição da Bíblia. Na capital permaneceu por três anos, auxiliando o Papa Dâmaso e traduzindo o Novo Testamento do grego para o latim. Suas catequeses atraíram algumas mulheres ricas para uma vida de austeridade e oração, incluindo Santa Paula, mas, no geral, tornaram-no antipático para a maioria do povo.

Em agosto de 385, Jerônimo partiu para a Terra Santa, passando a morar próximo de Belém até sua morte em 420. Graças a caridade, em especial de Santa Paula, podia adquirir muitos livros, o que foi essencial para a sua grande herança: uma nova tradução da Bíblia. 

A tradução da Bíblia

Até aquele momento, todas as traduções para o latim dos livros do Antigo Testamento eram baseadas em livros gregos, a chamada versão dos Setenta (ou Septuaginta). A Bíblia dos Setenta foi traduzida do hebraico para o grego por rabinos morando em Atenas, por cerca de 200 anos (300 AC-100 AC), ou seja, muitos se envolveram no trabalho, a qualidade variava bastante e algumas idéias da sociedade grega se infiltraram no texto. Acrescente-se a possibilidade de erros na tradução adicional do grego para o latim e a qualidade do texto resultante não era ideal.

Ao compararem a versão latina com o texto hebraico e identificarem notáveis diferenças, os estudiosos da época tomaram uma posição muito curiosa: os judeus estariam alterando os textos para confundir os católicos. 

Foi neste ponto que São Jerônimo tomou uma decisão fundamental: não apenas utilizou os textos hebraicos originais, abandonando a tradução dos Setenta, como pediu auxílio aos rabinos de Jerusalém para compreender as passagens mais difíceis. Em várias cartas, São Jerônimo dedicou-se a explicar suas escolhas e, muitas vezes, recomendava que consultassem os rabinos acerca do Velho Testamento pois eles conheciam o texto melhor que muitos cristãos. 

A tradução de São Jerônimo, chamada Vulgata, no início foi duramente criticada pois diferia bastante dos livros utilizados na época. Santo Agostinho, que também tinha estudado os textos clássicos e falava latim e grego, foi fundamental pelo apoio que deu a São Jerônimo ao notar a qualidade do trabalho. Por fim, a Vulgata foi plenametne aceita na Igreja e utilizada ao longo dos séculos, servindo de base para as primeiras traduções em outras línguas, inclusive as de Martinho Lutero e outros protestantes. Apenas nos séculos XIX e XX, com o uso de técnicas mais de tradução e novos achados arqueolóogicos, que o trabalho de São Jerônimo começou a ser aprimorado, mas certamente ainda é uma influência fundamental na Bíblia que lemos diriamente.

-- autoria própria

7 de fev. de 2017

O sacrifício de Abraão

Abraão tomou a lenha do sacrifício e colocou-a sobre os ombros de seu filho Isaac. Tomou na mão o fogo e o cutelo, e foram ambos juntos. Ora, Isaac, carregando a lenha para o próprio holocausto, é uma figura de Cristo carregando sua cruz. No entanto levar a lenha para o holocausto é ofício de sacerdote. Torna-se então ele mesmo a vítima e o sacerdote. O que se segue: e foram ambos juntos refere-se a essa realidade, porque Abraão, como sacrificador, leva o fogo e o cutelo; mas Isaac não vai atrás e sim a seu lado, para que se veja que, juntamente com ele, exerce igual sacerdócio.

         E depois? Disse Isaac a seu pai Abraão: Pai! Neste momento, uma palavra assim parece uma tentação. Como terá abalado o coração paterno esta palavra do filho que ia ser imolado! Mesmo endurecido pela fé, Abraão responde com voz branda: Que queres, filho? E ele: Vejo o fogo e a lenha, mas onde está a ovelha para o holocausto? Abraão respondeu: Deus providenciará uma ovelha para o holocausto, meu filho.

         Impressiona-me a resposta cuidadosa e prudente de Abraão. Não sei o que via em espírito, pois responde olhando para o futuro e não para o presente: Deus mesmo providenciará uma ovelha. Assim fala do futuro ao filho que indaga pelo presente. O Senhor providenciava para si um cordeiro em Cristo.

         Abraão estendeu a mão para pegar a faca e imolar o filho. O anjo do Senhor chamou-o do céu, dizendo: Abraão, Abraão. Respondeu ele: Eis-me aqui. Tornou o anjo: Não toques no menino nem lhe faças nenhum mal. Agora sei que temes a Deus.

         Comparemos estas palavras com as do Apóstolo a respeito de Deus: Ele não poupou seu Filho, mas entregou-o por todos nós. Vede Deus rivalizando com os homens em magnífica generosidade. Abraão, mortal, ofereceu a Deus o filho mortal, que não morreria então. Deus entregou à morte por todos o Filho imortal.

         Olhando Abraão para trás, viu um carneiro preso pelos chifres entre os espinhos. Dissemos acima, creio, que Isaac figurava Cristo e, no entanto, também o carneiro parece figurar Cristo. É muito importante ver como ambos se relacionam a Cristo: Isaac que não foi morto e o carneiro que o foi. Cristo é o Verbo de Deus, mas o Verbo se fez carne.

         Padece, portanto, Cristo, mas, na carne; morre enquanto homem do qual o carneiro é figura; já dizia João: Eis o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo. O Verbo, porém, permanece incorrupto, isto é, Cristo segundo o espírito; a imagem deste é Isaac. Por isto ele é vítima e também pontífice segundo o espírito. Pois aquele que oferece a vítima ao Pai, segundo a carne, este mesmo é oferecido no altar da cruz.

-- Das Homilias sobre o Gênesis, de Orígenes, presbítero (século III)

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